O maior jogador de futebol de todos os tempos, o rosto brasileiro mais conhecido no mundo, o atleta do século XX numa eleição do Comitê Olímpico Internacional. Morre Edson Arantes do Nascimento, e com ele morre Pelé, o gênio da bola. Aos 82 anos, ele estava internado desde o dia 29 de novembro no Hospital Albert Einstein, para uma reavaliação do tratamento de um câncer no intestino, que fazia desde 2021, e para o enfrentamento de uma infecção pulmonar.

Apesar dos primeiros comunicados otimistas de suas filhas Flávia e Kelly, o tratamento quimioterápico para o câncer deixou de apontar bons resultados e surgiram problemas renais e cardíacos. Pelé morreu nesta quinta-feira, 29, e assim se encerra o ciclo do homem que levou o Brasil para o topo do mundo numa das atividades mais adoradas por todos, o jogo lúdico do futebol. Com Pelé, os brasileiros tiveram a prova de que poderiam superar num gramado as grandes potências econômicas de qualquer canto do planeta.

Conquistando três Copas do Mundo como jogador, impregnou a camisa amarela da seleção Brasileira com uma aura vitoriosa que transformou qualquer uma de suas escalações no grande time a ser batido. Transformou o Santos Futebol Clube no primeiro time venerado em vários países, globalizando sua majestade décadas antes que a sociedade soubesse o que é globalização.

Nascido na cidade mineira de Três Corações, em 23 de outubro de 1940, Pelé cresceu em Bauru, no interior de São Paulo, e aos 15 anos chegou ao Santos. Estreou no time profissional aos 16 anos e apenas 10 meses depois estava convocado para a seleção brasileira, com a espantosa média de mais de um gol por partida. O ano de 1958 pode ser considerado o início de seu reinado, pois foi a temporada em que ele ganhou a primeira Copa do Mundo, na Suécia, e também se tornou pela primeira vez o artilheiro do Campeonato Paulista, com 58 gols.

Os títulos e a ponta na tabela dos artilheiros se repetiram por mais de uma década, numa carreira fiel ao clube santista. Vestindo a camisa branca, Pelé levou o time ao primeiro título do Mundial de Clubes em 1962, derrotando o português Benfica, marcando cinco gols nas duas vitórias da final do torneio. No mesmo ano, ganhou sua segunda Copa do Mundo, no Chile, mas com uma participação discreta demais para uma estrela tão brilhante. Pelé fez um gol, mas se machucou no início da Copa, e precisou assistir da arquibancada a trajetória vencedora do time, comandado então pelo grande Mané Garrincha. No ano seguinte, mais uma vez ergueu as taças da Libertadores e do Mundial de Clubes, batendo desta vez o italiano Milan na final.

Os anos 1960 assistiram a conquista do mundo pelo Santos. O time percorreu vários continentes fazendo amistosos em estádios que ficavam superlotados para ver Pelé em ação. Mas, em sua terceira Copa, na Inglaterra, em 1966, sofreu seu grande revés nos Mundiais. Fez apenas um gol de um total de 12 que marcaria em toda a carreira nas Copas, e viu o time muito envelhecido ser eliminado na primeira fase de um torneio marcado por jogos violentíssimos.

Pelé foi literalmente caçado em campo, diante de juízes que não conseguiam controlar as partidas. Em 1969, com a renovação da seleção brasileira, Pelé passou a ter parceiros que recuperaram um nível de qualidade daquela seleção bicampeã de Garrincha, Didi, Nilton Santos e outras feras. O Brasil passeou nas eliminatórias para a Copa do México, vencendo todas as partidas em exibições de Pelé ao lado de Tostão, Jairzinho, Gérson e Rivelino e mais um punhado de craques.

Antes que esse time fizesse história nos gramados mexicanos, ainda em 1969 Pelé marcou seu gol nº 1.000. Foi no Maracanã, num jogo do Santos contra o Vasco da Gama. Na cobrança de um pênalti, coube ao goleiro Andrada ficar na história como aquele que não impediu o milésimo gol do Rei.

A conquista do tricampeonato na Copa de 1970 consagrou Pelé definitivamente como uma estrela mundial. Nas viagens, pelo Santos e pela seleção, governantes e celebridades queriam chegar perto do Rei do futebol. No auge da popularidade, em 1974, Pelé jogou sua última partida pelo Santos. Essa primeira aposentadoria do jogador durou até 10 de junho de 1975, quando assinou contrato com o New York Cosmos, que queria transformar Pelé num grande incentivador do futebol nos Estados Unidos. Os valores de seu contrato são um mistério até hoje.

As cifras apontadas na imprensa variam de US$ 2,8 milhões até US$ 7 milhões por três anos de contrato. Pelé marcou 37 gols e deu 30 assistências em sua carreira no Cosmos, mas sua principal façanha foi elevar a média de público nos jogos de futebol nos Estados Unidos de 10.000 para 34.000 espectadores. Encerrou sua carreira, de forma definitiva, em primeiro de outubro de 1977, num amistoso do Cosmos contra o Santos.

Após o fim da carreira, Pelé atuou pelas décadas seguintes como embaixador de empresas privadas como o grupo Warner, dono do Cosmos, e de entidades como a Unesco, na qual foi nomeado Embaixador da Boa Vontade. Em 1994, foi comentarista da Globo na Copa dos EUA e estava ao lado dos jogadores na conquista do tetracampeonato mundial.

Com vários negócios de sucesso, o empresário Pelé ingressou na política oficial em 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso o nomeou para o cargo de ministro do Esporte. Sua atuação na pasta teve como destaque uma legislação para reduzir a corrupção no futebol, que ficou conhecida como Lei Pelé. Ele só deixaria o cargo em 2001, se tornando presença constante em grandes eventos mundiais, participando de todas as Copas do Mundo até 2014, como convidado especial da Fifa.

Versátil, o Rei gravou discos e atuou em alguns filmes. O mais destacado foi Fuga para a Vitória (1981), história de um jogo de futebol organizado num campo de prisioneiros na Segunda Guerra Mundial. Neste longa de muito sucesso, Pelé dividiu a tela com os astros Michael Caine e Sylvester Stallone. Discreto na vida pessoal, em seu primeiro casamento, com Rosemeri, Pelé teve os filhos Kelly Cristina, Jennifer e Edinho, este atualmente técnico do time do Londrina, após uma carreira curta de jogador de futebol, atuando como goleiro. Do casamento com Assíria Nascimento, teve os gêmeos Joshua e Celeste. Fora do casamento, Pelé foi pai das meninas Sandra e Flávia. Desde 2016 ele era casado com a empresária Márcia Aoki.

Toda essa atenção midiática não existiria sem o esplendor do Rei dentro de campo. Segundo a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, outra entidade que o elegeu como melhor do século XX, Pelé marcou 765 gols em 812 partidas oficiais, num total de 1.283 gols em 1.363 jogos, incluindo amistosos. Pelé era capaz de chutar com extrema eficiência tanto com o pé direito quanto com o esquerdo. Era um ótimo cabeceador, executava passes magistrais para deixar seus companheiros na cara do gol, tinha uma visão completa do desenvolvimento tático de cada partida. Dava dribles desconcertantes nos marcadores e, se fosse necessário, revidava com força as inúmeras faltas cometidas contra ele. Um jogador completo, como nenhum outro. Foram frustradas as tentativas de comparação de Pelé com Diego Maradona, a grande estrela dos anos 1980, e com o também argentino Lionel Messi, que consagrou uma carreira fantástica com o recente título na Copa do Catar.

Pelé é o único, imortal. O homem que chegou ao topo do mundo, levando o Brasil com ele.