O ar de incansável de Pelé se estendeu até mesmo depois de ele pendurar as chuteiras oficialmente. Completando 80 anos, o aniversariante desta sexta-feira comemorou em 31 de outubro de 1990 o seu cinquentenário do jeito que gostava: em campo. Com direito a ter o homenageado entre os titulares, a Seleção Brasileira realizou um amistoso no qual foi derrota por 2 a 1 para o Combinado do Resto do Mundo, no Estádio San Siro, em Milão.

Designado como comandante no ciclo canarinho a eliminação na Copa do Mundo daquele ano, Paulo Roberto Falcão se impressionou com a conduta do “Rei” em torno da partida comemorativa pelos seus 50 anos.

– Ele era o dono da festa, poderia só aparecer para o amistoso. Mas agiu com seriedade, fez questão de ir, treinar com os convocados… – disse ao LANCE! e, em seguida, revelou um pedido feito pelo camisa 10:

– Só tivemos tempo para fazer um treino. Aí ele me pediu: “posso só cobrar uma falta no jogo?”. Eu ia dizer o contrário? Foi impressionante o respeito dele, a dedicação. Tenho certeza que isto foi uma referência para quem viveu aquele momento. Eu vinha dando chance a jogadores que atuavam no Brasil. Além disto, também tinham muitos jovens na lista – completou.

A lista de convocados para o confronto trouxe nomes como Cafu (que iniciou o jogo como ponta, enquanto Gil Baiano ocupava a lateral direita) e o lateral-esquerdo Leonardo, o zagueiro Adilson, o meio-campista César Sampaio e o atacante Charles Baiano.

Titular daquele confronto, o goleiro Sérgio destaca que conhecia a postura de Pelé desde o convívio com ele na Vila Belmiro.

– Na época eu era goleiro do Santos, e o Edinho, filho dele, estava começando carreira. Pelé ia com frequência à Vila e, em relação a mim, até brincava, dizia para o Edinho: “esse vai ser o seu pai aqui no Santos. Ouve bem os conselhos dele”. Agora, este jogo com o Pelé foi um exemplo para a gente. Mesmo com 50 anos, ele foi com toda humildade treinar com a gente, naquela ânsia de ganhar – afirmou.

O então camisa 1 contou como foi a convivência com o “Rei” para o duelo.

– Festa era só antes do apito. Pelé levou tudo a sério, treinou pensando em ser competitivo em campo. Isso ajuda quem está com ele, motiva qualquer jogador – declarou.

Falcão detalha o que chamou sua atenção na atuação de Pelé no Estádio San Siro.

– Mesmo com 50 anos, a capacidade dele dentro de campo não tinha mudado. Quem sabe futebol não perde o olhar, a interpretação de jogo… E isso porque tinha treinado só em um dia com o restante do jogadores. Imagine se tivesse mais ritmo de jogo! Ele voltou a incorporar com uma naturalidade a camisa da Seleção, tentou jogadas, deu dribles… – relembrou.

Em um momento, o grito de gol ficou preso na garganta de quem queria ver Pelé balançar as redes. Promissor atacante que atuava no Fluminense, Rinaldo teve a chance de acionar o “Rei”. Porém, optou por finalizar e a bola foi para fora.

– Nossa, na hora a gente não entendeu nada. O Pelé estava na boca do gol. Depois, gente até foi e reclamou com ele – disse Sérgio.

Pelé deu lugar a Neto aos 43 minutos do primeiro tempo, quando a Seleção perdia por 1 a 0, com gol marcado pelo espanhol Michel.

– Neto vinha em um ótimo momento no Corinthians, era um camisa 10 de qualidade no Brasil, cobrava falta muito bem. E acabou fazendo nosso gol – detalhou Falcão.

Mesmo com o gol de falta do meia corintiano, a Seleção não evitou a derrota por 2 a 1 para o Combinado Resto do Mundo. O romeno Hagi também marcou para a equipe de astros que contou com nomes como Goycoechea, Carlo Ancelotti, Van Basten, Roger Milla, Francescoli e os brasileiros Júlio César, Alemão e João Paulo.

Prestes a completar 30 anos do amistoso, Paulo Roberto Falcão fala com carinho deste dia no qual teve sob seu comando o “Rei”.

– É um privilégio para poucos treinadores. Trata-se de um atleta que não chegou a tantas conquistas por acaso. Pelé teve muita dedicação, profissionalismo. Além disto, a maneira como ele ia para o gol era de assustar. Parecia que tinha um ímã na bola. Um grande jogador e uma pessoa impressionante – declarou.

Pelé saía do San Siro ainda mais valorizado como símbolo para as futuras gerações que viriam na Seleção Brasileira.