A história da humanidade se confunde com a história da água. A afirmação foi feita pela arquiteta e urbanista sul-africana Caron von Zeil durante o 8º Fórum Mundial da Água, realizado entre os dias 18 e 23, em Brasília. Com o tema “Compartilhando a água”, o encontro sediado pela primeira vez no Hemisfério Sul contou com a presença de 15 chefes de Estado e participantes de 160 países, todos empenhados em fazer com que a água ocupe a agenda global — e que a gestão desse recurso seja pensada de forma a favorecer sempre a população.

A frase de Caron, que comanda uma ONG engajada na recuperação do rio Camissa, na Cidade do Cabo (ameaçada de ficar totalmente desabastecida nas próximas semanas devido a uma seca histórica), serve de alerta também para o Brasil, que concentra cerca de 13% de toda água doce do planeta. Infelizmente, essa abundância hídrica natural vem sofrendo com a poluição e o descaso. A Fundação SOS Mata Atlântica apresentou no fórum dados alarmantes sobre a qualidade da água de 230 rios, córregos e lagos do bioma. Apenas 4,1% dos 294 pontos avaliados possuem boa qualidade, enquanto 75,5% estão em situação regular e 20,4% apresentam água ruim ou péssima. Em nenhum ponto de coleta as amostras foram consideradas ótimas. “Os resultados apontam a fragilidade da condição ambiental dos principais rios da Mata Atlântica e a urgência de incluir a água na agenda estratégica do Brasil”, disse a coordenadora do estudo, Malu Ribeiro. “Rios e águas contaminados são reflexo da ausência de saneamento ambiental, gestão e governança”.

Enquanto políticos mostram desinteresse pelo tema — o que se reflete no baixo investimento na recuperação e tratamento adequado de bacias — a sociedade parece ter acordado. “Estamos vivendo um momento de reconciliação com as águas”, afirmou o professor aposentado da Universidade de Brasília, Demetrios Christofidis. O próprio fórum mostrou que a participação popular é fundamental para garantir a preservação dos rios ou a revitalização daqueles que foram afetados ao longo do tempo pela ação do homem. Otimista, o enviado especial da ONU para oceanos, Peter Thomson, acredita que é possível limpar as águas do planeta. Ele faz um alerta sobre o uso excessivo do plástico, grande vilão de rios e oceanos. “Cada um pode fazer a sua parte, em casa, no dia a dia, adotando outros materiais”, disse à ISTOÉ. Se não houver alternativa, Thomson afirma que haverá a mesma quantidade de plástico e de peixes nos oceanos em 2050: “Temos que recuperar o respeito pelas águas”.

LIMPANDO O OCEANO Ações de educação ambiental fizeram parte do calendário do evento (Crédito:Sergio Amaral)

É o que propõe Pedro Teiga, diretor da ONG portuguesa Engenho e Rio, que trouxe ao Brasil programas bem sucedidos de recuperação em seu país. “Os rios têm linguagens próprias, você precisa conhecer bem o DNA de um rio para cuidar dele e da biodiversidade ao redor”, diz Teiga. Com abordagem integrada em três níveis — hidrológico, ecológico e social — a Engenho e Rio tem como lema a criação de “rios para todos”. O programa começou na cidade do Porto, mas já se espalhou por outras regiões de Portugal. O último grande projeto, de 2017, foi a reabilitação do rio Tâmega, na altura do município de Amarante.

A magia do planeta

No Brasil, um dos rios que merece atenção é o Tietê. Com mais de mil quilômetros de extensão. ele praticamente corta o estado de São Paulo de leste a oeste, cruzando a capital. É um exemplo de rio degradado, vítima de um processo que começou de maneira sutil ainda na década de 1920. Mas foi a partir dos anos 1940, com o processo de industrialização do estado, que a poluição se intensificou. Autoridades já desenvolveram inúmeros projetos para despoluição do Tietê. Nenhum deles foi capaz de reverter a situação dramática em que o rio se encontra. “Você não vai conseguir despoluir o Tietê a partir do próprio Tietê.

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Isso não é mais viável. Para limpar o rio, é preciso começar pelas nascentes”, afirma Luiz de Campos, co-fundador da ONG Rios e Ruas, criada para trazer de volta à cidade de São Paulo os rios soterrados e submersos. Estima-se que a capital tenha mais de 300 rios desconhecidos, que estão escondidos sob o asfalto, o que corresponde a cerca de três mil quilômetros de curso da água. O objetivo, segundo Campos, é “transformar a percepção de milhões de paulistanos a respeito dos rios e da cidade”. Muitos desses rios escondidos abastecem o próprio Tietê. “Eu tinha a impressão de que ninguém queria saber disso. Mas o trabalho na ONG mostrou que as pessoas têm, sim, interesse em cuidar melhor dos rios”, afirma.

O uso consciente da água e o futuro dos recursos hídricos concentraram as discussões no 8º Fórum Mundial da Água e também foram o tema de ações de educação ambiental que envolveram crianças e jovens durante o evento. Ensinar as novas gerações a cuidar melhor desse bem tão precioso é fundamental. Como disse o poeta e antropologista norte-americano Loren Eiseley: “Se há magia neste planeta, ela está na água”.


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