Em maio de 2014, o diretor Dan Rosseto deu o primeiro passo rumo à construção de carreira dramatúrgica celebrada pela maturidade de suas histórias. Em comum, a maioria das obras tinha um tema específico: a morte. Do suicídio causado pelo bullying do inaugural Manual para Dias Chuvosos à passionalidade cruel de Nunca Fomos Tão Felizes, muitos títulos encaravam o tema de ângulos diferentes, mas com um ponto em comum: o fim da vida era o fim do espetáculo.

Em O Último Concerto para Vivaldi, novo texto assinado pelo encenador paulista, em cartaz no Centro Cultural da Diversidade, em São Paulo, a morte volta a seu caráter derradeiro, mas, desta vez, encerrando um ciclo de seis peças sobre o tema. “Hoje, trago todas as outras peças nesta, que trata do tema de forma muito mais madura. Ela foi a que eu levei mais tempo para escrever e traz várias questões, além de ser uma maneira de dar um fim, porque todas as outras personagens eram vitimadas, e aqui é diferente, a personagem decide tomar as rédeas da vida e se encaminhar para a morte, é essa a perspectiva”, diz Rosseto.

A obra narra o período de um ano na vida do matemático Anton e do músico Ben. Vivendo junto há mais de uma década, o casal inicia o processo de despedida quando descobrem que um deles tem pouco tempo de vida e existe a opção do suicídio assistido. O quarto se transforma em um hospital e a casa passa a ser habitada por uma terceira figura, a enfermeira Adilah, muçulmana que deixou seu país após perder a família na guerra.

“Os dois querem viver, e o que é viver para uma pessoa que decide encerrar a vida?”, questiona Amazyles de Almeida, que dá vida a Adilah. “Eles querem o direito à vida, e todas essas pessoas enfrentam obstáculos quase intransponíveis. Essa atitude dele é muito libertária, como foi a dela de fugir e cuidar dos outros. Nunca tivemos a morte tão próxima, e essa dor agora faz parte do cotidiano, e vamos ter que aprender a lidar e seguir com a esperança na continuidade”, conceitua.

Na pele de Anton, Bruno Perillo continua: “É um tema difícil, profundo, muito próximo da gente e não pensamos sobre. A morte está presente, é uma coisa contraditória. Você não a quer, mas sabe que é inevitável, é duro. Mas há essa sensação de recomeço, de que vamos voltar a um estado primaveril, e a peça termina com esse renascimento”.

Rosseto começou a escrever O Último Concerto para Vivaldi há cinco anos, quando leu nas redes sociais o relato de um caso de homofobia e decidiu que trataria do assunto. De lá para cá, a história se transformou, enfrentando questões como a morte do pai do autor, em janeiro de 2019, e a relação com o ator e cantor Gilberto Chaves.

“Meu pai foi vitimado por um câncer, e tive que entender isso num lugar de despedida. Depois passei a viver minha relação, um relacionamento gay e estável, envolvendo filhos e família, então acho que olho para isso hoje em outro lugar, sabendo que escrevi a peça no momento certo e a dirigi no momento apropriado.”

O espetáculo caminha na contramão das produções do último ano. Sem transmissão, a obra contará com a presença do público em seis apresentações no Centro Cultural da Diversidade, e mais seis no Viga Espaço Cênico a partir de junho. Todos com ingressos gratuitos.

A ideia da retomada, explica o produtor Fábio Câmara, foi para reaproximar o público do teatro, mostrando que ainda há possibilidade de uma sobrevida cultural da cidade. Para o elenco, o sentimento é parecido. Almeida, Perillo e Michel Waisman (que dá vida a Ben) acreditam na cura pela arte.

“É um sentimento incompleto. Quando a possibilidade real de montar apareceu foi uma esperança. Reacendeu um movimento de doação, de fazer o teatro a quem tivesse vontade de vir ver uma coisa bonita. Confesso que estou com um pouco de medo, mas o sentido de voltar é esse. Nós temos uma história bonita de amor para contar com todas as suas consequências”, diz Amazyles.

“Sinto que voltamos para nossa segunda casa, e é uma casa nova, e como viver nessa casa nova? Compartilho do sentimento de animação, vontade, alívio de saber que está voltando, e entendo que o que estamos fazendo é importante, não só porque temos uma história bonita, mas estamos abrindo possibilidades neste momento, mantendo as melhores condições de segurança para plateia e equipe”, acredita Waisman.

Para Rosseto, a peça apresenta mais do que uma possibilidade de recomeço. A obra passeia pela liberdade dos sentimentos. “É o momento que precisávamos botar para fora. A gente segura muito nossos sentimentos, e a arte ajuda a soltar a fortaleza que nos obrigam a ser. As pessoas precisam chorar e a arte endossa que eu desabe.”

O Último Concerto para Vivaldi cumpre temporada gratuita no Centro Cultural da Diversidade até o dia 5 de junho, com sessões de quinta-feira a sábado, sempre às 20h.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.