Sobe o pano.

No palco, Todos os Santos caminham pelas nuvens, cochichando, tensos.

Ouve-se o narrador.

“Deus é brasileiro.

Dada a idade avançada, não precisaria votar, mas como é onipresente, aproveita que está em todas as zonas eleitorais e sempre faz uma fezinha.

Esse ano a escolha está difícil, mesmo para Ele.

Assistiu ao debate da RedeTV ISTOÉ colado na tela e quando terminou, ficou com o olhar perdido no firmamento, claro sinal de sua preocupação.”

– A última vez que O vi com esse olhar, foi antes de falar com Noé… — um Santo atravessa o palco caminhando nervoso.
“Os Santos, chamados com urgência, abandonaram suas atribuições cotidianas como arrumar casamentos, encontrar coisas perdidas e cuidar daqueles de quem são padroeiros e vieram ter com o Senhor.”

– Os Senhores assistiram ao debate? — O Todo-Poderoso irrompe no palco sem dar bom dia ou benção.
Todos acenaram que sim com a cabeça, até São Dídimo, que é cego.

– … então nem preciso dizer o Inferno que está esse ano. Meu voto precisa ser decidido com muito cuidado. Quero uma análise criteriosa do currículo e do programa de cada candidato e uma indicação final. Coisa bem feita mesmo. Se precisar, chamem o pessoal que analisou Sodoma e Gomorra.

“Quem ficou responsável pela relatoria final foi São Tomás More, que — como poucos sabem — é o padroeiro dos políticos. More e não Moro, por favor não confunda.”

– Vamos ao trabalho, senhores. O prazo está apertado. — o Santo conclamou os colegas para a árdua tarefa de aconselhar o Criador.

A reunião começa com um palpite polêmico.

– Eu iria de Lula — arrisca Santo Elói, padroeiro dos metalúrgicos.

– Elói, pelo amor D’ Ele, que ideia! Tem que ser alguém neutro, sem chance de ganhar. — responde de pronto Santo Ivo, o equilibrado padroeiro dos advogados.

– Impossível! Ele não erra, senhores. Historicamente sempre votou no vencedor. — explica São Pedro.

– Como assim? Então Deus votou no Collor?

– Votou. Mas depois participou do Fora Collor, não lembram?

Todos lembravam do Paraíso repleto de caras pintadas.

– Vamos lá. Foco. Temos que apresentar uma alternativa ainda hoje. — interrompeu São José.

“Assim, durante uma eternidade os Santos escrutinaram a vida de cada um dos candidatos.”

– Bolsonaro?

– Ah pronto. Deus apoiando o porte de armas.

– Cabo Daciolo?

– Blasfêmia!

– Henrique Meireles?

– Mais fácil um camelo passar por uma agulha do que…

– Tá, tá, tá…já sei.

“E por aí foi: Ciro, Marina, Alckmin, um a um, os Santos foram descartando cada um dos candidatos. Cansados e sem esperança, a certa altura São Nicolau, o padroeiro das crianças sugeriu:”

– Branco. É isso, amigos. Branco é puro, branco é paz. É isso que temos que indicar! O voto em branco!

“A sugestão recebeu muitas críticas. Era aconselhável que alguma escolha fosse feita.”

– Deus não pode lavar as mãos como Pôncio Pilatos! — gritou São João.

“Mas aos poucos, os Santos perceberam que aquela seria a melhor solução, ao menos para eles, que não se comprometeriam com um nome. Então, levaram ao Pai.”

– Não pode ser! Tem que existir um candidato que reúna as mínimas condições para merecer Meu voto.

E de novo, o Criador olhou para a imensidão.

– Xiiii…. — os Santos temeram por nós.

“Então, pela Providência Divina, justo quando todos haviam perdido as esperanças, Jesus chegou irradiando esperança:”

– Pai! Pai! Olha só que maravilha! — Jesus acena com duas carteiras nas mãos.

– O que foi, Meu Filho?!

– Saiu nosso passaporte italiano!

Todos suspiram aliviados.

Desce o pano.