Ringo Starr quer mudar o mundo, mas para isso ele conta com uma pequena ajuda dos seus amigos. O baterista e cantor de 81 anos acaba de fazer isso mais uma vez: em seu novo EP, “Change the World”, o ex-Beatle voltou a reunir um grupo de músicos renomados para as sessões de gravação no Roccabella West, pomposo nome de seu estúdio caseiro, em Los Angeles, nos EUA.
No EP anterior, “Zoom In”, lançado em março, Ringo contou com a participação de Paul McCartney, Corinne Bailey Era, Lenny Kravitz e Dave Grohl. Em “Change the World” o destaque vai para os guitarristas Steve Lukather (Toto), Joe Walsh (Eagles) e o baixista Fully Fullwood, uma lenda do reggae jamaicano que já tocou com Bob Marley e Peter Tosh.

O novo EP traz quatro canções: a otimista “Let’s Change the World”, o reggae “Just That Way”, o country pop “Coming Undone”, com participação do jazzista Trombone Shorty, de Nova Orleans, e uma versão do clássico “Rock Around the Clock”, de Bill Haley & His Comets.

Impedido de fazer turnês à frente da sua All-Starr Band, grupo de roqueiros famosos que se reúne para tocar um repertório de sucessos, Ringo descobriu como lidar com a pandemia: gravando e lançando novas músicas. “Ter um estúdio em casa foi a minha salvação”, diz o ex-Beatle. Seus fãs comemoram.

ENTREVISTA
Ringo Starr

O que seus fãs podem esperar do seu novo EP?

Alegria. Batizei o EP de “Change the World” (“Mude o Mundo”) por causa das crianças. Fico imaginando, será que esses políticos têm filhos? Ou netos? Isso já não seria uma boa razão para eles se preocuparem com o ar que respiramos ou com a água que bebemos?

GET BACK Novo documentário de Peter Jackson: sessões de gravação de “Let it Be” (Crédito:Divulgação)

Você promove o slogan “paz e amor” há 50 anos. Está funcionando?

Desde 2008, no meu aniversário, 7 de julho, convido as pessoas a compartilharem mensagens de paz e amor. No início, éramos apenas cem pessoas nas ruas de Chicago. Hoje, o movimento está presente em 28 países. Cada um tem que fazer a sua parte. Eu faço a minha.

Os Beatles mudaram a história do rock?

Acho que mudamos a história da música. Nos anos 1960, havia uma divisão clara entre quem escrevia as músicas e quem as gravava. O produtor George Martin chegou no estúdio com um repertório pronto, mas dissemos a ele: “queremos gravar nossas próprias canções”. Fico feliz por saber que nossa música ainda está por aí. São ótimas canções.

Por que gravar “Rock Around the Clock” no novo EP?

Passei uma boa parte da infância no hospital. Quando fiz 15 anos, o médico me liberou e fiz uma viagem com meus pais. Eu estava meio por fora de tudo quando fui ao cinema para assistir “Rock Around the Clock”. De repente, as pessoas começaram a gritar e a arrancar as cadeiras da sala. Eu pensei: “uau, isso é demais!”. Lembro desse momento como se fosse ontem. Quando estava pensando no repertório, me lembrei da canção. E decidi gravá-la.

Você tem novos parceiros nesse EP.

Amo as surpresas envolvidas na gravação de um álbum. Gosto de trabalhar com pessoas que conheço, mas também com gente que nunca vi na vida. Aconteceu isso com “Coming Undone”, de Linda Perry. Eu não a conhecia, mas seu nome surgiu em uma conversa. Liguei para ela e perguntei se ela tinha uma música para mim. Hoje é muito fácil, você pode mandar e receber os arquivos pela internet. Às vezes me convidam para tocar em um faixa. Eu mando os arquivos e digo “use ou jogue fora”. Eles costumam usar.

Por que gravar o reggae “Just That Way”?

Gosto de reggae, sempre gostei. Passei bons tempos na Jamaica. Nunca planejo gravar um reggae, simplesmente acontece. Isso me deu a chance de trabalhar com grandes músicos. Meu filho (Zak Starkey) gravou um álbum com Frederick Toots, Deus abençoe sua alma, e ele ganhou um Grammy.

Como se sentiu ao adiar a turnê com sua All Starr Band mais uma vez?

Não vamos tocar esse ano, mas temos datas agendadas para o ano que vem. Mesmo assim, é impossível saber se elas vão acontecer mesmo. Meu coração torce muito. O que me salvou durante a pandemia foi o meu estúdio caseiro, porque mesmo isolado tenho a oportunidade de tocar e me encontrar com outros músicos – todo mundo testado, claro. Com a vacinação, a situação parece estar melhor que no ano passado. Mas ainda não é possível viajar porque a pandemia está em todo lugar.

Como você escolhe os músicos para a All Starr-BAnd?

Na primeira vez, em 1989, apenas abri minha agenda e comecei a ver os nomes. “Joe Walsh? Esse cara é bom”, “Dr. John? Vou ligar para ele”, e coisas assim. Aos poucos, fui convidando outras pessoas. Basicamente, é preciso ter alguns sucessos e tocar bem o seu instrumento para participar.

Como foi o processo de gravação do seu novo EP?

Tenho uma bateria eletrônica e um tradicional. É como ter duas personalidades, elas oferecem estilos e sensações muito diferentes. Gosto mais da versão acústica. Tocar bateria é a minha coisa favorita na vida. Gosto de sentir a emoção da canção que estou gravando. E, depois, curto colocar os vocais.

Qual é a mensagem de “Change the World”? (Mude o mundo)

Quero que as pessoas sejam gentis, compreensivas, vivam em paz. É isso que eu amo. Moro nos EUA, mas sei que metade do mundo está passando fome, não tem água. Apóio a ONG Water Aid porque acho que, se alguém não tem nada, deveria pelo menos ter direito à água limpa. Em pouco tempo teremos outros problemas, será difícil respirar por causa da poluição. No Texas, estão enviando os haitianos para casa, mas o que eles vão fazer lá? Eles saíram justamente porque não tinham o que comer. Milhares morreram – e daí ainda veio o furacão. Os governos têm de fazer algo sobre isso, não apenas em seus próprios países, mas para os outros povos que estão sofrendo também.

Quais são suas memórias sobre Charlie Watts? (baterista dos Rolling Stones que morreu recentemente)

Era um grande cara. Ele teve mais trabalho com a banda dele do que tive com a minha. Fomos vizinhos em Londres, nos encontrávamos bastante em festas e reuniões. Lembro de uma história curiosa que aconteceu em uma festa na minha casa. Estávamos no estúdio, eu, Charlie Watts e John Bonham, baterista do Led Zeppelin. Três bateristas. Bonham se sentou para tocar e, como ele tocava muito forte, o bumbo começou a se mover. Eu e Charlie nos abaixamos para segurar a peça. Imaginem só: Ringo Starr e Charlie Watts segurando o bumbo de John Bonham. Isso daria um ótimo vídeo no TikTok. Adoraria ver essa imagem novamente, mas nos anos 1970 eu não permitia que ninguém tirasse fotos nas minhas festas. Terei saudades de Charlie, um homem sereno, um belo ser humano.

Você já viu a versão final do filme “Get Back”? O que achou?

O documentário está incrível. O projeto começou quando encontramos 56 horas de material bruto filmado por Michael Lindsay-Hogg, diretor de “Let it Be”. Nunca gostei do original, sempre achei um filme muito para baixo. O documentário do diretor Peter Jackson terá seis horas. Ele nos mostrou o material, há muitas cenas em que estamos rindo, nos divertindo. Há também o último show que fizemos, no teto da gravadora Apple. Aquilo foi muito marcante para mim. No filme, o Paul pergunta com desdém “quem ainda quer tocar ao vivo?” Respondo, empolgado: “eu!”. Os Beatles sempre faziam coisas espetaculares. Íamos filmar no Havaí, no deserto ou no meio de algum vulcão, coisas assim. Dessa vez, decidimos apenas subir a escada até o telhado da gravadora e fazer um show lá. O documentário vai mostrar que havia muitas emoções em jogo, mas hoje vejo que era algo normal. Éramos apenas quatro caras dando duro no estúdio.