Tramitam no Congresso temas considerados pautas-bomba com potencial para estourar o orçamento em mais de R$ 20 bilhões e acabar de vez com a pretensão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de alcançar o déficit zero em 2024. São medidas que podem reduzir a entrada de recursos ou aumentar os gastos, tornando o equilíbrio fiscal cada vez mais improvável. Ao mesmo tempo, pressões de parlamentares que querem mais recursos para suas emendas e mais poder na destinação de verbas federais travam a votação de propostas econômicas urgentes. Sem a capacidade de articulação política, o governo assiste ao avanço das ameaças sem sinalizar corte de gastos para o controle das contas.

O déficit atual gravita na casa dos R$ 140 bilhões e, para zerá-lo nos próximos 16 meses, serão necessárias receitas extras da ordem de R$ 168 bilhões. A tributação de fundos offshore (no exterior) e de fundos exclusivos é a principal proposta e pode gerar arrecadação de até R$ 20 bilhões, dependendo do que for aprovado. A extinção dos incentivos fiscais a empresas que distribuem Juros sobre Capital Próprio (JCP), ou seja, de parte dos lucros, pode contribuir com mais R$ 10 bilhões.
Mas nada está garantido, os projetos já sofreram alteração nas mãos do relator, deputado Pedro Paulo (PP-RJ). Uma delas reduz de 10% para 6% o imposto sobre o rendimento dos fundos. Para andamento dos projetos, o presidente da Câmara, Arthur Lira, estaria exigindo expansão e liberação de verbas das emendas e a indicação de nome para a presidência da Caixa. Nesse xadrez político, o governo tem de fazer sua opção entre o controle fiscal e o controle político. “Se quiser muito a estabilidade fiscal, deixa-se o Congresso descontente, e Lula não gosta disso. Ele prefere dar dinheiro para todo mundo e manter a estabilidade política. Mas em algum momento, ele vai ter de ceder em favor da estabilidade fiscal”, analisa Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral (FDC).

Ainda assim, as arestas não estão aparadas entre o governo e os políticos. Ao contrário. Já aprovada na Câmara, e pendente de segunda votação no Senado, uma proposta prorroga a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia, que terminaria em dezembro deste ano, para 2027. Garante também a desoneração da contribuição previdenciária pelas prefeituras. A combinação das duas medidas resulta em queda na arrecadação de até R$ 18 bilhões aos cofres públicos. Para o professor da FIA Business School, Paulo Feldmann são pautas complicadas de difícil resolução. “Ótimo que o governo queira reverter a desoneração da folha de pagamento, mas é difícil porque esses setores não vão querer pagar impostos agora e vão pressionar os seus deputados que, por sua vez, não vão concordar. Será mais um complicador para o déficit zero”.

Lira ameaça projetos de estabilidade econômica de Lula (Crédito: Gabriela Biló)

No radar da Receita Federal, dois projetos de lei relacionados ao Simples Nacional, sistema simplificado de tributação que, se aprovados, vão resultar em renúncia fiscal. Um deles, analisado no Senado, prevê que mais setores entrem no sistema pagando menos imposto, com queda de arrecadação estimada em R$ 66 bilhões. Outro, que está na Câmara, amplia em mais de 80%, para R$ 8,7 milhões, o teto de faturamento anual para que uma empresa possa aderir ao Simples. As propostas de equilíbrio fiscal apontam todas para o aumento de arrecadação. Como explica Alexandre Pires, professor de Relações Internacionais do Ibmec SP, o governo não tem controle sobre a elevação de receitas e sim sobre o corte de gastos. “É assustador o grau de dependência do governo em relação ao Congresso. Dos R$ 2 trilhões previstos de receita na Lei de Orçamento Fiscal, R$ 200 bilhões dependem de aprovação do Congresso, 10% não estão nas mãos do governo”. Essa condição torna a receita incerta, e o governo ainda mais refém dos parlamentares. É muito provável que o governo tenha de contingenciar parte do orçamento já na virada do ano.

Feldmann, da FIA, argumenta que é muito difícil cortar gastos no País. Segundo ele, o maior gasto do governo federal refere-se aos pagamentos de juros de títulos da dívida pública, estimados em R$ 750 bilhões este ano. Em seguida, vêm os gastos com a Previdência Social, em torno de R$ 400 bilhões, e em terceiro lugar, as despesas com o funcionalismo público, cerca de R$ 350 bilhões.“Olha onde estão os maiores gastos do governo e onde é possível cortar?” questiona Feldmann. A saída estaria, então, no aumento de arrecadação com a tributação dos super-ricos. Ele lamenta que a Reforma Tributária não tenha tocado nesse aspecto. “Para atacar o problema é preciso ter uma reforma para a pessoa física. É aí que está o grande filão, é tributar as famílias muito ricas. Ele esclarece que “quem é muito rico não vive de salário, vive de renda fixa, do lucro de suas empresas, do dividendo das ações e aí se livra do imposto”.

Déficit zero?

Na percepção de especialistas, nem mesmo o ministro Haddad deve acreditar na possibilidade de zerar o déficit em 2024. “Pelo cenário atual, não vai zerar o déficit no ano que vem. A lógica do Haddad deve ser, se eu abrir para déficit vão gastar ainda mais”, diz Vicente da FDC. “É uma tática boa da Simone Tebet (ministra do Planejamento) e do Haddad, na minha percepção. Eles têm esse papel de defensores do caixa, defensores do equilíbrio fiscal e de segurar quando todo o governo está querendo gastar mais”. No entendimento do professor do Ibmec, Haddad fala em déficit zero mais como ancoragem das expectativas dando o recado de que a equipe econômica está fazendo todo esforço possível para alcançar déficit nominal zero. Para que isso funcione, “o déficit teria de ir caindo mês a mês, até o fim do ano que vem. É preciso ter uma convergência para o déficit zero. A dívida teria de se manter estável e hoje temos uma leve tendência de alta.”

O aumento de arrecadação depende de outras variáveis. A principal delas é a atividade econômica. Em 2023, o crescimento do PIB deve ficar entre 2%, e 3% de acordo com Pires, e em 2024, entre 1% e 1,5%, portanto, com queda de arrecadação alerta ele. E os prognósticos não são dos mais otimistas para a economia diante do cenário internacional, destaca Vicente, da FDC. Os riscos vêm de um crescimento menor na China, que afeta o agronegócio no Brasil, de manutenção de juros elevados no mundo todo, de questões geopolíticas no Leste Europeu, de aumento nos preços do petróleo e de problemas na economia americana.