Quem acha que concorrência só acontece no meio empresarial está absolutamente errado. O mundo da arte é um ninho de brigas e de disputas. O poema ‘Quadrilha’ Carlos Drummond de Andrade seria perfeito para descrever o universo artístico, mas teríamos que substituir o verbo amar por odiar. No poema, João amava Teresa que amava Raimundo, que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili. Na arte, entre amizades e rivalidades, Manet brigava com Degas, Matisse brigava com Picasso, Pollock brigava com De Kooning e Freud brigava com Bacon. Mas, todos tinham algo em comum: eles amavam Paul Cézanne (1839 – 1906).
Paul Cézanne é considerado o pai da arte moderna e foi um dos personagens mais influentes da história da arte moderna. Mudou os rumos da arte, apoiando colegas, incentivando experimentos e ajudando em seus processos criativos. Certamente, muitos artistas teriam traçado outros caminhos se não fosse o apoio e a troca de experiências com Cézanne. Matisse, por exemplo, faz referências, em sua obra ‘A Janela Azul’, aos elementos e à leveza do ‘Vaso Azul’, de Cézanne. Picasso e Braque criaram várias obras a partir de inspirações e insights fornecidos por Cézanne. Suas pinturas dos anos 1880 inspiraram Mondrian em seu período pré-abstração. Monet, Sisley, Renoir e Camille Pissarro também faziam parte de seu círculo de amigos.
Como muitos artistas famosos, suas primeiras pinturas não foram aceitas pelo júri do Salão Oficial de Paris. Seus primeiros retratos foram de seu pai, de Émile Zola, de Paul Alexis, do amigo de infância Achille Emperaire e do poeta e crítico Valabrègue. Tornou-se um expert de tanto treinar a reprodução de obras de mestres como Tintoretto, Caravaggio, El Greco, Michelangelo, Murillo, Paul Rubens, Delacroix, Courbet e Daumier, Ribera, Zurbarán entre outros. Era comum na época ir para museus para reproduzir versões de importantes obras e, com isso, Cézanne foi capaz de rapidamente compreender que todas as grandes pinturas têm sempre um núcleo expressivo e um tema central. Com esse entendimento, foi capaz de construir conexões e misturar cores para obter uma organização espontânea em seu trabalho.
É impressionante ver a luminosidade e a forma como ele tratava a natureza em suas obras, com pinceladas cilíndricas para provocar uma perspectiva perfeita, com uma paleta de cores bem escolhida e um movimento todo especial para criar as cenas de cada obra. Sua paleta de cores era meticulosamente planejada para explorar luminosidade e tornar cenas em vistas radiantes com montanhas, árvores e casas, sempre de uma maneira harmoniosa. Seus planos policromáticos adicionam uma sensação de profundidade a cada representação panorâmica e mostram a abordagem vanguardista para representar a natureza.
Picasso dizia que Cézanne era o pintor que melhor sabia explorar tons de cores. Quem conhece um pouco do estilo de Picasso, concorda comigo que Picasso amava Cézanne, pois ele raramente elogiava outros pintores. Picasso encontrou no trabalho de Cézanne uma grande inspiração, principalmente por sua visão singular. Em 1907, começou a experimentar as técnicas do artista francês ao lado de seu colega, Georges Braque, o que acabou resultando na invenção do cubismo em 1909. Além dessa fase, durante toda a vida, ele inspirou Picasso em outros trabalhos.
Paul Cézanne nasceu em Aix-en-Provence (sul da França). Viveu e trabalhou nesta região, entre vindas e idas para Paris. Chegou a expor com Claude Monet e Mary Cassatt, mas nunca se considerou um artista impressionista. Criar obras ao ar livre não era para ele. Gostava de pintar no estúdio e muitas vezes tinha que recorrer à imaginação para reproduzir modelos nuas e cenas da natureza. Suas composições eram bem planejadas e organizadas, concentrando-se no simbolismo e na substância, ao invés do estilo. Dizia que queria fazer do impressionismo algo sólido e duradouro como a arte dos museus.
Cézanne concentrou seu trabalho em naturezas mortas, retratos, paisagens e estudos de banhistas. Ele tentava simplificar as formas naturais para retratar seus fundamentos geométricos. Tratar a natureza pelo cilindro, era uma de suas obsessões para fornecer ao observador uma experiência estética de profundidade diferente das perspectivas da época, que eram registradas sempre a partir de um único ponto. As inovações de Cézanne levaram os críticos a sugerir explicações variadas como retinas doentes, visão pura e a influência da ferrovia a vapor.
Como resultado dessa abordagem artística, Cézanne desenvolveu uma estética única, distinta da de seus contemporâneos. No início de sua carreira, usava espátulas para produzir pinturas com muitas texturas. Depois, abraçou novos métodos de aplicação de tinta, com pinceladas bem estudadas para criar formas para os contornos dos objetos e seus pontos de contato.
Em suas pinturas, Cézanne rejeitou retratos realistas do espaço em favor de composições mais criativas, explorando ângulos e distorcendo objetos e paisagens. Produziu centenas de obras primas como a série de cinco pinturas chamada “Os Jogadores de Cartas” e “The Bathers”, uma grande pintura a óleo com mais de dois metros. Essa obra mostra um grupo de mulheres nuas relaxando à beira de um lago, em uma atmosfera de lazer romântico. Cézanne pintou várias versões do tema ao longo de sua carreira e passou sete anos trabalhando na representação mais famosa, que ficou inacabada com a sua morte, em 1906.
Cézanne foi como um coach de outros artistas. Sua coragem e sua segurança ajudaram muitos colegas a encontrarem seus caminhos artísticos. Além de nos presentear com seu belo trabalho, Cézanne nos deixou grandes aprendizados, como o entendimento que a pintura não deve imitar um objeto, mas, sim, de dar uma forma e uma visão única para temas como a natureza. Ele foi um gênio em todos os sentidos!
Algumas de suas obras podem ser vistas no Brasil no MASP. Se tiver uma boa história para compartilhar, aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.