A edição de 2019 do Poload Festival conseguiu um feito raro: apresentou apenas shows bons, apesar de um início lento e esvaziado por causa da chuva que caiu na manhã da sexta-feira 15 no Memorial da América Latina, em São Paulo. Durante a tarde, o local atingiu a capacidade máxima de 15 mil pessoas. A organização prometeu um festival logisticamente agradável, com um palco um pouco mais próximo do público, que não é tão lotado como nos festivais gigantes que acontecem no Brasil, proximidade ao metrô e poucas filas. Quase tudo foi cumprido, apenas longas esperas para usar o banheiro foram criticadas pelos fãs, além de algumas inconsistências no som da atração principal, Patti Smith.

A ISTOÉ esteve presente no Popload e separou alguns comentários para cada show, em ordem de apresentação. Confira:

Ilê Aiyê e Luedji Luna

O bloco Ilê Aiyê foi a atração que mais teve problemas com a chuva. Por causa da dificuldade para pousar em São Paulo, a apresentação quase foi cancelada. Os batuques apareceram apenas ao final da performance da baiana Luedji Luna, que fez uma apresentação interessante mas esvaziada, visto que muitas pessoas ainda não tinham chegado, provavelmente fugindo da chuva.

Little Simz

Ainda sob garoa, a britânica Little Simz (nome artístico de Simbi Ajikawo) subiu ao palco com sua banda. A jovem rapper interagiu bastante com o público, que foi animando conforme a chuva foi parando. Em certo momento, a cantora comentou que acha impressionante o fato de o som dela, originário do norte de Londres, chegar ao Brasil. Essa foi a segunda apresentação dela no País, também tendo se apresentado em uma música com o Gorillaz em março de 2018.

Khruangbin

Filipa Aurelio/ Divulgação

Após o guitarrista Mark Speer anunciar “nós somos o Khruangbin de Houston”, pouco é dito. A banda aposta num instrumental muito bem tocado e limpo, controlando o ritmo com maestria. Apesar de ser incluído na categoria de “experimental”, o som caiu muito bem com o público, que se animava com o fim da chuva e alguns raios de sol. O grupo não utiliza elementos visuais no telão e chama atenção com o figurino e as perucas. Conforme a apresentação chegava ao fim, o aumento no ritmo da música preparou para uma conclusão impressionante. Que som!

Tove Lo

A sueca Tove Lo tinha muitos fãs na plateia. O electro pop dançante foi a aposta da estrela, que também dançou bastante em sua apresentação. A conexão com o funk brasileiro em alguns momentos levantou a plateia, com a sueca fazendo o famoso passo do “quadradinho” e chamando o funkeiro MC Zaac para subir ao palco. Eles cantaram juntos a música “Are U gonna tell her”, que está no disco mais recente dela, lançado em 2019. No telão, clipes de suas músicas foram exibidos.

Cansei de Ser Sexy

Filipa Aurelio/ Divulgação

Escolhida para substituir a banda “Beirut” que cancelou a presença no festival meses antes da data, foi uma das apostas mais arriscadas. O grupo paulista (que um dia fez muito sucesso no exterior e já se apresentou em grandes festivais mundo afora) não se apresentava desde 2014. Em São Paulo a última aparição foi há quase nove anos. No Popload, o resultado foi o melhor possível. O show foi dos mais divertidos com o humor auto irônico do grupo (incluindo críticas  ao presidente Jair Bolsonaro), colocou todo mundo para dançar e pular. Apesar de todas as boas apresentações, foi o CSS que provocou os gritos de “bis” mais exaltados. A vocalista Luísa Lovefoxxx trajava camiseta e short em apoio ao MST, e fez um apelo pouco antes de encerrar o show: “o mundo precisa dos esquisitões”.

Hot Chip

Os britânicos do electroindie enchem o palco com figurinos coloridos e curiosos: são sete integrantes na apresentação. O som eletrônico colocou os entusiastas do ritmo para pular durante uma apresentação muito competente, que faz mixagens com as músicas mais conhecidas do grupo e oferece resultados diferentes do estúdio. O hit “Ready for the floor” levantou, mas foi o cover de “Sabotage”, dos Beastie Boys, que pegou todo mundo de surpresa. Apesar de presença constante no setlist do Hot Chip, é muito diferente do estilo deles, oferecendo um momento inesquecível.

The Raconteurs

A opção mais rockeira do festival, o “supergrupo” que mistura rock de garagem com blues fez um show tecnicamente impecável quando anoiteceu em São Paulo. Capitaneados pela lenda do rock alternativo Jack White, a banda toca de forma quase ininterrupta, sempre mantendo um ritmo muito forte e veloz. White comanda o espetáculo, com solos de guitarra incendiários e muito controle do público. Ele não canta em todas as músicas, dando espaço para Brendan Benson brilhar, que provavelmente se divertiu muito com os fãs brasileiros que cantavam junto. A qualidade dos demais integrantes da banda também impressiona, com química e coesão afinada entre eles.

Patti Smith

A apresentação de Patti Smith no Popload era cercada de expectativa. Uma das grandes mulheres da história da música no Brasil é fato raro, tanto que sua passagem foi estendida além do festival, com palestras e show extra organizado pelo Popload. São os primeiros shows dela em São Paulo, com um passagem pelo Rio de Janeiro e por Curitiba em 2006 no currículo. A performance de Patti mistura discursos políticos, baladas lentas e canções com performances agressivas. O lado ambiental ocupou a maior parte dos discursos, com defesa aos povos indígenas e comentários sobre incêndios florestais. A mensagem dela é muito clara: são as pessoas, e não os governos, que são capazes de promover a mudança. Como diz uma de suas músicas mais famosas, é com elas que está o poder. A artista já está com 72 anos, mas a força de suas palavras ainda é a mesma dos anos 1970, quando começou a carreira. No repertório, suas mais famosas como “People have the power”, “Free money” e “Because the night”, que dedicou aos brasileiros como “uma canção de amor”, agradecendo a receptividade em sua passagem. Também oferece alguns covers como “Beds are burning” do Midnight Oil e “After the gold rush”, de Neil Young. Num apoteótico encerramento, escolhe a canção “Gloria: in Excelsis Deo”, que levantou o público por uma última vez no dia. Mantendo a estética punk que ajudou a moldar, Patti quebrou as cordas da guitarra que usou na performance, mostrando que o espírito contestador estará ali por bastante tempo.