Em 3 de março de 1963, uma das personagens brasileiras mais famosas das últimas seis décadas fez sua estreia em uma simples tirinha da Ilustrada, caderno de cultura da “Folha de S.Paulo”. Apesar de os quatro quadrinhos levarem o nome de “Cebolinha”, quem realmente chamou a atenção foi a menina baixinha, dentuça e com cara de brava que segurava um coelho. Sem dizer uma palavra, Mônica foi apresentada ao público como a garota dona da rua.
Na época, nem a garota, nem o coelho receberam um nome, mas a personalidade da personagem de Mauricio de Sousa, inspirada em sua própria filha, conquistou o público – aliás, o cartunista já explicou que a maioria de suas criações foi inspirada em sua família e amigos.

Tirinha no MSP Estúdios – Sofia Magalhães
Mas, antes de a criança mais querida do Brasil começar a tomar forma, o ilustrador precisou percorrer um longo caminho até começar a publicar suas tirinhas e gibis. No início da década de 1950, Mauricio entrou para a “Folha de S.Paulo”, aos 18 anos, atuando como copy desk, um revisor de texto. Pouco tempo depois, foi “promovido” a repórter policial, momento em que passou a desenhar Franjinha e seu fiel cão, Bidu, os primeiros personagens da “Turma da Mônica”. Em 1959, eles tiveram sua primeira história em quadrinhos publicada no jornal.
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Em entrevista à IstoÉ Gente, Mauro e Marina Takeda de Sousa, filhos do cartunista que completará 90 anos na próxima segunda-feira, 27, e membros da executiva da MSP Estúdios, empresa responsável pela produção dos personagens da franquia, comentam sobre a infância ao lado do pai e as expectativas para o lançamento de “Mauricio de Sousa – O Filme”.
“Eu tive um relacionamento com meu pai muito ligado à arte, ao trabalho dele”, começa Marina. “Ele era muito presente, mas ele estava sempre trabalhando em casa, então, adorava ficar junto com ele, passar meu tempo com ele.”
“Ele criou um ritual nosso, meu e dele, de ele ir na banca de jornal, comprar os próprios gibis, levar para casa, e deixar na minha cama para eu ler. Eu lia na hora de almoçar, quando chegava da escola… E depois a gente conversava sempre sobre isso.”
Mauro reforça que o ilustrador tinha prazer por trabalhar e não via a atividade com uma conotação cansativa ou pesada. “Ele estava sempre muito empolgado, a gente via esse brilho nos olhos o tempo inteiro. Ele trabalhava o tempo inteiro, mas sempre muito feliz e muito presente com a gente”.
O ator, responsável por viver Mauricio no longa que estreia 23 de outubro, conta que nunca sentiu falta de “ser amado”, e brinca que apesar do cartunista sempre ser visto com expressões alegres, ele também era bastante bravo. “Eu tomava bastante bronca, tinha várias imagens dele bastante bravo”, brinca.
“Acho que uma marca registrada do meu pai é o sorriso. Com ele não tem tempo ruim, podia estar chovendo ou fazendo sol… Ele tava sempre ali, sorrindo, acreditando que o dia seguinte ia ser melhor. Essa era sempre a energia que meu pai tinha ao redor dele, e isso ficou muito marcado assim na minha infância.”

Mauro ao lado de Maurício – Reprodução/Instagram
Maurício na Folha e as inspirações dos quadrinhos
A lembrança da curta carreira de Maurício de Sousa como repórter policial arrancou risos da dupla. Segundo Mauro, quando seu pai foi procurar um trabalho no jornal, ele acabou sendo surpreendido com o cargo oferecido, mas que não pôde recusar, já que precisava do salário.
“Era uma coisa nada a ver, não era o que ele estava esperando. Uma história interessante que ele fala é que ele morria de medo de sangue”, conta, divertido. “Isso foi até ele conseguir chegar na primeira tirinha que ele conseguiu no jornal, que foi dali que ele começou realmente a ir para o desenho.”
“Desde que me conheço por gente ele conta essa história, e cada é uma perspectiva diferente, então parece às vezes que ele muda um detalhe e eu pergunto se é verdade”, explica, Marina. “Cara, espero que seja, porque a história dele é tão interessante, tão maravilhosa… Eu fico admirada e me não canso de ouvir ele contar a mesma história várias vezes.”
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Talvez um dos principais motivos para a grandiosidade da “Turma da Mônica” seja o fato de os personagens serem inspirados em pessoas próximas a Mauricio. A figura central das histórias é baseada na segunda filha do cartunista, Mônica Sousa, que realmente tinha um coelhinho azul de pelúcia e era conhecida por ser uma criança de personalidade forte. Mas, além dela, os outros herdeiros também ganharam um espacinho nos gibis.
“O meu [personagem] eu não lembro de ter pedido. Foi uma surpresa quando ele criou o Nimbus e o Do Contra no mesmo gibi [em 1994], eu e o Mauricio ficamos muito felizes. Lembro que foi inclusive aí quando realmente tive o entendimento de quem meu pai era, e eu morro de orgulho até hoje. Mas foi uma experiência muito diferente da Marina”, declara, rindo.
“Mauro tem a história dele, e eu tenho a minha”, conta a caçula do empresário, feliz. “Linda essa história, maravilhosa… Meu pai criava um personagem para os filhos, e eu não tinha”, relembra. “Quando vi os dois, fiquei feliz, claro… Aí bati na porta do escritório do meu pai e perguntei: ‘E eu? Eu sou mais velha do que eles, eu não tenho personalidade? Você não me ama?’. E ele: ‘Não, minha filha, veja bem’. E aí ele olhou aquela menina de sete anos, que não tirava uma pranchetinha debaixo do braço, que desenhava o dia inteiro, que lia o dia inteiro. Ai ele fez uma ‘surpresa’ para mim e criou a Marina, que é minha cara mesmo.”
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O legado Sousa e a cadeira da Academia Brasileira de Letras
Em 2023, o criador da turma do bairro do Limoeiro, considerado um dos principais nomes da cultura popular brasileira, concorreu a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), após a morte de Cleonice Berardinelli em janeiro daquele ano. O cartunista acabou perdendo a vaga para o filósofo Ricardo Cavaliere, situação que dividiu a internet e reacendeu o debate sobre a importância dos quadrinhos e seu lugar na literatura.
“Eu achava que [a eleição do Maurício] poderia rolar sim. Mas confesso, que, assim… Claro que o reconhecimento, o prêmio e a nomeação são sempre muito bem-vindos, e seria muito legal [se tivesse acontecido], mas diga-se de passagem que eles perderam“, declara Mauro. “O maior reconhecimento que meu pai sente, o que mais preenche ele, vem principalmente dos fãs, e isso ninguém vai conseguir tirar.”
“Só do Maurício ter se candidatado já levantou a questão dos quadrinhos e literatura, e trouxe essa discussão, deixou muito quente, todos os cartunistas falando… Eu lembro de ler tudo isso e falar: ‘Gente, como que acham que os quadrinhos não são literatura? Como o trabalho do meu pai de uma vida inteira ali não é uma literatura?’. Me admirou, então só disso ter sido colocado em discussão, eu acho que já valeu”, continua Marina.
“Os nossos gibis, nossos gibis, livros, todas as histórias que a gente já faz, que o Maurício criou, elas são uma porta de entrada para educação e para alfabetização. Mas eu, Marina, entendo o legado dele como uma coisa muito imensurável e continuo em um processo de entendimento disso, porque a cada dia descubro alguma coisa diferente. A resposta do público, de gerações de leitores… Cada um tem uma história diferente, e isso é muito rico.”
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Filme e aniversário de 90 anos
O cartunista terá a sua infância e trajetória contada por meio das telonas. A história do quadrinista criador de Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, será retratada na cinebiografia “Mauricio de Sousa – O Filme”, que estreia em 26 de outubro nos cinemas. E quem viverá o empresário no cinema é seu próprio filho, Mauro, famoso pelo musical “Miss Saigon”.
“A ideia do filme foi do Pedro Vasconcelos, diretor do longa. Eu nunca imaginei que isso poderia acontecer e muito mais sendo uma produção da Disney com a gente. O Pedro ele leu o livro da biografia do meu pai e disse que ficou impressionado como não existia um filme contando a história desse artista. Então ele fez uma reunião com o Maurício, expôs para ele essa vontade de fazer um filme com ele, e segundo o Pedro, ele respondeu assim: ‘Claro, meu filho.”

Mauricio de Sousa – Reprodução/Instagram
“Teve esse processo da escolha do ator entre vários nomes. Eu sei que estava cotado, porque os dois já conheciam o meu trabalho. O Pedro disse que tinha que ser eu, que conhecia esse personagem mais do que ninguém, mas fui meio resistente no começo. Tive uma pequena síndrome do impostor ali, de achar que aquilo não era para mim, de que eu não ia dar conta, mas realmente não tinha outra pessoa que tivesse mais conhecimento e vontade. Aí, foi o processo de entender como que eu ia transformar todo o conhecimento que tenho do meu pai em um personagem”, diz.
“Tem sido uma experiência muito emocionante, de ver as pessoas assistindo ao filme e ver as pessoas emocionadas, conhecendo um pouco mais da história do meu pai e, acima de tudo, gostando mais dele. No final das contas, era isso que a gente queria, que as pessoas saíssem do filme ainda mais admiradas pela história dele”, acrescenta.
A dupla explica que a família irá se reunir para assistir o filme após o lançamento, mas conta que Maurício já teve a oportunidade de ver o longa antes dos cortes finais. Inclusive, o ilustrador era todo sorriso e lágrimas na ocasião e considera a cinebiografia como um presente para seu aniversário de 90 anos, que acontece na próxima segunda-feira, 27.

Mauricio de Sousa – Reprodução/Instagram
“Não quero dar spoiler, mas vai ter muita homenagem para ele no dia 27. Nós vamos fazer uma festa mais intimista, muito concentrada mesmo na família. Porque a gente sabia que era isso que ele queria, ele gosta de ter a família por perto, então queríamos proporcionar isso para ele. Inclusive, vai ser no próprio condomínio da casa dele“, conta o ator sobre como vão celebrar a nova etapa do ilustrador.
“Ele está ótimo de saúde. Está mais velhinho, então tem suas limitações de uma pessoa de 90 anos, mas ele vem todos os dias aqui para empresa [MSP Estúdios], sempre muito curioso para saber como que as coisas estão. Agora que estamos à frente da gestão [Mauro e Marina], cabe a nós também compartilhar o que tá acontecendo. Ele sempre foi mais caseiro, ele e minha mãe sempre foram bem mais reservados, então com a idade, ele prefere sempre ficar mais quietinho em casa.”
“Pai, feliz aniversário 90 anos! Não é para qualquer um, uma vida inteira de muitas histórias. Esse patrimônio cultural que você se tornou é muito justo. Sou muito orgulhosa de você”, declara Marina.
“Espero, sinceramente, que nos 90 anos do meu pai, todas essas homenagens e o filme cheguem nele, que ele sinta e que isso se transforme em felicidade para ele. Que ele continua trilhando aí! Me emociona de saber o quanto ele realmente tocou e transformou a vida das pessoas. Que ele realmente possa curtir isso e vivenciar isso junto com a família, porque não tem nada mais ele ia gostar mais”, finaliza Mauro.
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**Estagiária sob supervisão