“Os bairros se esvaziaram e viraram subúrbios dormitórios” Marcelo Moutinho, escritor

A vida dos subúrbios do Rio de Janeiro é retratada como um ambiente pitoresco, composto de casas antigas, salões, lojas e padarias povoadas por uma galeria de tipos curiosos. Esses painéis sociais trazem colorido a filmes, novelas e séries de televisão. Podem lembrar a realidade, mas são artificiais, em geral rodados em estúdios. A caricatura não impede que Marcelo Moutinho, 46 anos, natural de Madureira, descortine uma realidade mais pungente e real do que os quadros simplificados sobre o subúrbio em seu livro “Rua de dentro”, lançamento da editora Record.

“Nem os cariocas visitam o subúrbio”, diz o escritor. “Conheço gente que passou a vida na Zona Sul e nunca teve curiosidade de visitar os subúrbios. Quando os visitam, o fazem como se partissem para um safári.”

Piso de cacos

“Rua de dentro” traz 13 histórias, interligadas pela tragicomédia humana do bairro. A capa do livro é um piso de mural de cacos, típico dos quintais das casas locais. Desfilam pelas ruas e vielas,à margem das avenidas, os casais trans, os travestis que se prostituem e fazem curso universitário, camelôs, estudantes, torcedores, rufiões e sonhadores. O estilo é direto, mas não coloquial, pois Moutinho tem como referência autores que prezam a língua, como Clarice Lispector, Luís Vilela e João do Rio.

Os encontros vêm dos passeios que faz desde a infância. “Sou um flâneur de Madureira”, afirma. “Enquanto caminho e observo as pessoas, descubro as transformações.” Segundo ele, Madureira ainda mantém a característica de subúrbio da sociabilidade, devido ao comércio e à vida social intactos, ao passo que outros bairros cariocas se esvaziaram e se tornaram subúrbios dormitórios. “O subúrbio virou um aglomerado oco”, diz. “Quero reencontrar o lugar dos sonhos e da vida.”