Ricardo Salles já não está mais em Brasília, mas fez escola. Enquanto todo mundo presta atenção na CPI da Covid, a Câmara dos Deputados vai passando a boiada.

Na tarde de hoje, de surpresa e na surdina, a casa aprovou um projeto que modifica a Lei da Ficha Limpa, mantendo elegíveis políticos que cometeram atos de improbidade intencionalmente, caso a punição aplicada a eles seja apenas de multa.

Dito de outra forma, a Excrescência, digo, Excelência planejou lesar o bem público e conseguiu lesar o bem público, mas se a picaretagem lhe rendeu apenas uma multa, ele continua podendo participar de eleições – para fazer tudo de novo, supomos.

Só três partidos recomendaram voto contra: Novo, Podemos e PSOL. Todos os outros acharam boa a ideia.

Lembremos que na semana passada os deputados já haviam aprovado outro projeto que os beneficia, alterando a Lei da Improbidade Administrativa.

Nem sou dos críticos mais acerbos dessa mudança. Acho mesmo que a legislação atual é punitivista demais, penalizando gestores honestos e causando o chamado “apagão das canetas” – quando ninguém mais na administração quer assinar papel algum, por medo de passar as próximas décadas respondendo a processos.

Mas o projeto aprovado tem um artigo vergonhoso. Ele livra o político de punição quando mudar de cargo. Vai criar uma dinâmica de “fuga para a frente”: o político pilantra passa de vereador a deputado, de deputado a prefeito, de prefeito a deputado federal, e assim por diante, sempre para escapar da lei. Sempre elegível e livre para roubar.

Vejam que há método nessas votações: todas operam no sentido de tornar cada vez mais difícil que o mau político seja afastado da vida pública, por outra via que não seja o voto.

Voto? Mas é claro que também aí vai haver mudança. Ficou pronto o relatório que propõe a criação de um novo Código Eleitoral. Ele tem quase 900 artigos, mas a intenção é aprovar o texto nas próximas semanas, sem que haja tempo para muitos questionamentos fora do Congresso.

Entre as propostas está a de reduzir o prazo de inelegibilidade e a de livrar os partidos da responsabilidade de zelar pela lisura das contas de campanha, transferindo a prestação de contas para consultorias.

Num intervalo de poucas semanas, tudo pode ficar muito suave para o sujeito que decidiu ganhar a vida fazendo um uso desonesto dos cargos públicos. Basta que a boiada passe inteira.

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Passando a boiada 2 – Por falar em uso de dinheiro público em benefício próprio, o presidente participou nesta quinta-feira de mais um evento oficial que, de repente, se transformou em showmício, com direito a jingle com exatação do seu nome. Desta vez foi no Rio Grande do Norte. Cabe à PGR fechar essa porteira, mas ela finge que nada acontece, enquanto Bolsonaro pratica alegremente crimes de responsabilidade.

Um outro artigo é duvidoso. Diz que improbidade depende de dolo, de querer causar um dano ou fazer a coisa errada