Na chamada de vídeo, o guitarrista Joe Perry não para de olhar para o lado. A conversa acontece em uma pausa nos ensaios da nova turnê. Mas é como se a música não parasse de pedir a sua atenção. Há muito ainda a decidir, preparar o setlist, encontrar as melhores versões. “A música é uma das raras formas de arte que está ali em um momento e depois não está. É por isso que tocar ao vivo é diferente da experiência de um disco ou de um vídeo no YouTube. E se torna um desafio encontrar algo sempre novo”, diz ele.

Perry toca nesta sexta, 15, em Porto Alegre e no domingo, 17, em São Paulo, na programação do Samsung Best of Blues & Rock. Ele vem ao Brasil com o show The Joe Perry Project, ao lado de Gary Cherone (Van Halen) Buck Johnson e Joe Pet (ambos do Aerosmith) e Chris Wyse (Hollywood Vampires).

“A essa altura nós estaríamos encerrando uma temporada em Las Vegas com o Aerosmith”, lembra Perry, de 71 anos. Mas as apresentações foram canceladas por conta da decisão de Steven Tyler de se internar para reabilitação. “Olhei para o calendário e pensei: bom, é a vida. Mas recebemos a ligação para ir ao Brasil. Fomos atrás dos músicos que estavam disponíveis e tudo foi se encaixando, foi meio como se os astros estivessem todos alinhados.”

No começo da semana, o setlist ainda estava sendo fechado, mas Perry adiantou que ele será uma mistura de várias facetas. “É um festival de blues e queríamos fazer algo instrumental. O formato do show permite momentos de improvisação e isso é empolgante, novo”, ele explica. “E há instrumentais que nunca imaginei tocar ao vivo. Acho que as que escolhemos vão funcionar bem no palco, mas isso é claro que quem vai dizer é a plateia.”

Mas não ficarão de fora dos shows canções do Aerosmith. “Pensei que estaríamos enganando o público se não colocássemos algo da banda. E há também coisas do meu próximo trabalho solo. É bem empolgante porque todos nós já tocamos juntos em outras épocas, em outros momentos, mas essa é uma aventura nova.”

ENERGIA

Essa é a oitava vez de Joe Perry no Brasil. Ele esteve aqui tanto com o Aerosmith quanto com o supergrupo Hollywood Vampires. As primeiras vezes foram ainda nos anos 1970, quando o Aerosmith ainda dava os primeiros passos.

“A plateia é incrível e a energia dos shows… Nos anos 1970, a América do Sul era um incentivo grande, recebia daquele jeito uma banda ainda desconhecida, foi incrível”, lembra Perry. “Foram, antes dessa viagem, outras sete para o Brasil. E não foram suficientes.”

O Aerosmith está há 50 anos na estrada desde que realizou seu primeiro show em uma escola ginasial em Mendon, pequena cidade nos arredores de Boston (a história é que a mãe de Perry trabalhava em outro colégio da região e conseguiu com um amigo que a banda tocasse no ginásio, cobrando 75 centavos de dólar de ingresso).

O que movia a banda naquele começo? “Cara, no começo, era muito pouco”, brinca Perry. “O único objetivo que tínhamos era mesmo encontrar cinco caras que pudessem tocar juntos e não se matar depois de um mês convivendo. Havia tantas bandas com talento, com tanto potencial naquela época, mas que acabavam se separando depois de pouco tempo por causa das personalidades dos integrantes.”

Não que tenha sido fácil. “Nós conseguimos ficar juntos, mas passamos por momentos difíceis. Foi complicado deixar de ser um grupo de adolescentes em uma garagem e crescer, começar uma vida fora da banda, criar filhos. Não tinha uma receita para seguir”, recorda.

“Toda banda que eu amava acabou se separando. Elvis não conseguiu lidar com isso. E perdemos muita gente no caminho, a coisa dos 27 anos. Mas a nossa visão permaneceu a mesma, e acho que por isso ainda temos o Steven e os outros caras, todos querendo estar juntos, tocando, no palco. Vou tocar na semana que vem com ZZ Top e acho que é uma das poucas bandas com os mesmos caras, todos eles com a mesma idade que nós.”

ÉPOCAS

E ele acha possível o surgimento de uma nova banda que tenha o significado que o Aerosmith teve para o rock? “Sempre há novas bandas, mudanças na música pop, mas acho que as pessoas ainda querem ouvir guitarras tocando alto, bateria, rock. Muita gente hoje aprende ouvindo os discos, mas poucos viram bandas como a minha tocando ao vivo naquela época.”

E é tudo, ele diz, uma questão de contexto. “Pode aparecer uma nova música pop que pegue de jeito as pessoas, artistas que se tornem a coisa mais importante do mundo por alguns anos. Mas aqueles eram tempos diferentes. Nós éramos colegas de aula de ciências que vimos A Hard Day’s Night na TV e pensamos: esses caras estão se divertindo! Será que não podemos fazer isso também? Haverá um novo Beatles? Acho que não. O contexto ali era perfeito. E a consequência dos Beatles foi bandas como a nossa.”

Tudo isso ele fala sem saudosismo ou qualquer resquício de crítica. Assim como é objetivo ao falar do futuro. “Estamos chegando perto do final. Os Stones estão aí ainda. E as pessoas querem nos ouvir ao vivo. Odeio dizer, mas morreremos logo. Então o negócio é buscar fazer algo novo, criar, porque não sabemos quanto tempo ainda temos.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.