Guardo na memória uma instigante afirmação feita anos atrás na Fundação Fernando Henrique Cardoso por Julio María Sanguinetti, ex-presidente do Uruguai. Do alto de sua experiência e de seu conhecimento da realidade política de nossa triste América Latina, ele observou que o populismo viceja com mais vigor quando a economia vai bem, saindo de cena ou sobrevivendo como mero fantasma quando ela vai mal. Frisou que o líder populista precisa de recursos financeiros abundantes, pois é com dinheiro (público, obviamente) que ele compra políticos dispostos a enfraquecer de dentro para fora o parlamento e organizadores da massa, líderes sindicais e outros, para que
o façam de fora para dentro.

É claro que a tese de Sanguinetti não conta toda a história, pois tivemos populistas que fizeram estragos enormes mesmo não tendo chegado à Presidência. Leonel Brizola é um exemplo que logo vem à mente. Mas a teoria econômica do populismo sugerida por Sanguinetti pode nos ser muito útil, a julgar pelos contornos que a eleição de outubro começa a assumir.

Lula terá um suporte eleitoral poucas vezes visto em nosso País, mas não é certo que seu poder efetivo mantenha correspondência com sua votação. Ele controlará o Congresso com um pé nas costas

De fato, os dados de que ora dispomos sugerem um cenário inusitado. Quer Bolsonaro passe ou não ao segundo turno, tudo faz crer que Lula o esmagará nas urnas. Salvo chuvas e trovoadas capazes de balançar o planeta, esta previsão se aplica com maior força para um candidato da Terceira Via, a julgar pelo que o amorfo grupo assim denominado vem mostrando. E não só isso. Se João Dória insistir na candidatura à Presidência, em vez de tentar a reeleição para governador de São Paulo, entregará o estado de mão-beijada ao PT. Mesmo elegendo um petista light como Haddad, o fato básico é que o super-Lula presidente tirará da oposição o maior colégio eleitoral do País.

Ou seja, Lula terá um suporte eleitoral poucas vezes visto em nosso Brasil, mas não é certo que seu poder efetivo mantenha correspondência com sua votação. Nesse cenário, mesmo sem dinheiro, ele controlará o Congresso com um pé nas costas, distribuindo cargos e beneficiando-se do fato de que a Câmara ficará mais fraca e subserviente do que nunca. Ficará provavelmente tão fragmentada como a atual. Hoje as cadeiras estão distribuídas entre 24 partidos. Como tenho dito e repetido, 24 partidos e nenhum partido são a mesma coisa. Do quadro acima delineado podemos inferir que Lula poderá encenar o papel que quiser, mas as reformas de que o País precisa simplesmente não acontecerão. O patrimonialismo e o corporativismo que debilitam a economia brasileira continuarão bem, obrigado.