Uma década depois de sua fundação, o partido espanhol Podemos, de extrema esquerda, atravessa uma profunda crise, dizimado pelas divisões internas e os maus resultados eleitorais, a poucos meses de eleições europeias decisivas para seu futuro.

Lançado em 2014 com a promessa de “chutar o tabuleiro político”, o partido, herdeiro do movimento anti-austeridade dos Indignados, hoje luta por sua sobrevivência diante do rival, Sumar, a plataforma de extrema esquerda da ministra do Trabalho, Yolanda Díaz.

“Os últimos meses não foram fáceis”, reconheceu, na quarta-feira (18), a chefe da fileiras do Podemos, Ione Belarra, em um vídeo publicado por ocasião do aniversário do partido.

“O Podemos está em um momento crítico após dez anos muito intensos”, disse, em uma avaliação mais severa, Juan Carlos Monedero, cofundador do partido.

O Podemos tem cinco deputados (em um Congresso de 350), eleitos em julho, quando disputaram dentro da plataforma Sumar.

Depois de ter ocupado, inclusive, uma das vice-presidências do Executivo, não tem mais ministros no novo governo do socialista Pedro Sánchez e recentemente abandonou o grupo do Sumar no Parlamento, em meio a uma guerra total com Yolanda Díaz.

O partido, que teve apenas 2,7% das intenções de voto na última pesquisa do instituto público CIS, “está perdendo força” e corre o risco de se tornar “um partido irrelevante, sem visibilidade”, avaliou, em declarações à AFP, Paloma Román, cientista política da Universidade Complutense de Madri.

– Sem autocrítica –

A situação é radicalmente diferente de quando surgiu o Podemos, fundado em 17 de janeiro de 2014 por um grupo de professores de ciência política, entre eles Pablo Iglesias, figura carismática, mas divisiva até deixar a vida política, em 2021.

Cinco meses após sua criação, o partido conseguiu cinco assentos nas eleições europeias. A ascensão foi confirmada com os 69 deputados que elegeu nas legislativas do final de 2015, quando o bipartidarismo dominante na Espanha por quatro décadas chegou ao fim.

O partido “cresceu muito rápido” até se tornar “a terceira força política” na Espanha, lembra Román. Em 2020, o socialista Pedro Sánchez se viu forçado a incluí-lo em uma coalizão de governo e lhe deu cinco ministérios.

No governo, o Podemos conseguiu aprovar várias medidas populares, como um forte aumento do salário mínimo, uma reforma do mercado de trabalho e uma ampliação da licença paternidade, mas também outras muito polêmicas, que geraram muitas críticas e desgaste, como a lei sobre a violência sexual.

Esta última, impulsionada pela então ministra da Igualdade, Irene Montero, companheira de Pablo Iglesias, teve o efeito perverso de reduzir as penas de centenas de agressores.

Frente à sua queda de popularidade, o Podemos denuncia “ataques” constantes de parte do “poder midiático, político e judicial”, uma linha de defesa carente de autocrítica, segundo analistas, que veem uma responsabilidade da direção do partido.

– Efeitos devastadores –

Embora seja verdade que o Podemos foi alvo de uma “guerra suja”, em que ex-policiais produziram acusações contra seus dirigentes, também demonstrou falta de “democracia interna”, afirma Juan Carlos Monedero.

A opinião é compartilhada por Román, para quem o Podemos “cometeu erros”, como a lei sobre violência sexual, que “produziu efeitos devastadores” ao partido. Seus dirigentes “não souberam reconhecer seu erro e recuar”, acrescentou.

Para a cientista política, esta atitude acelerou as deserções dentro do Podemos e levou Díaz – no passado muito próxima a Iglesias, que inclusive a apontou como sua herdeira política – a lançar o Sumar, agora inimigo político do Podemos.

No começo de janeiro, os cinco deputados do Podemos impediram a aprovação de um decreto destinado a melhorar o auxílio desemprego, uma decisão motivada, segundo o Podemos, por uma desavença técnica, mas que foi vista como vingança contra Díaz, impulsionadora do texto.

O Podemos decidiu não participar junto com o Sumar das eleições na região da Galícia, em fevereiro, nem das europeias, em junho.

É uma decisão arriscada, com o precedente na Espanha do partido de centro-direita Ciudadanos, surgido, assim como o Podemos, de um movimento civil, que chegou a ser a terceira força política, mas desapareceu do tabuleiro político nas últimas legislativas.

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