A campanha de intimidação se intensificou nesta quinta-feira no Iraque com a invasão por milhares de apoiadores dos paramilitares pró-iranianos da Praça Tahrir, no centro de Bagdá, causando preocupação entre os manifestantes que se levantaram contra o poder iraquiano e seu padrinho iraniano há dois meses.

Mais cedo nesta quinta-feira, o pai de uma manifestante com quem distribuía comida para os milhares de iraquianos acampados na Praça Tahrir, o epicentro dos protestos, disse à AFP que encontrou o corpo torturado de sua filha Zahra Ali, de 19 anos, algumas horas após seu sequestro.

Em 1º de outubro teve início o primeiro movimento de contestação espontâneo no Iraque em décadas. Desde então, quase 430 pessoas morreram, em sua maioria manifestantes, e cerca de 20.000 ficaram feridos, segundo um balanço estabelecido pela AFP a partir de fontes médicas e policiais.

Nesta quinta, apoiadores da Hachd al-Shaabi, uma coalizão paramilitar dominada por grupos pró-Irã e integrada ao Estado iraquiano, marcharam pela Praça Tahrir em meio a manifestantes chocados.

Eles brandiram paus, bandeiras iraquianas, bandeiras de seu movimento e retratos de combatentes mortos no combate aos jihadistas do Estado Islâmico (EI), mas também do grande aiatolá Ali Sistani, figura tutelar da política iraquiana.

Também exibiram faixas contra o Baath do presidente Saddam Hussein, que foi derrubado em 2003 após a invasão americana. Entoaram palavras hostis aos Estados Unidos, ainda influente no Iraque, e à Arábia Saudita, rival regional sunita do Irã xiita.

À tarde, apenas algumas dezenas de apoiadores da Hashd eram visíveis na praça, observou um jornalista da AFP.

– “Limpar” Tahrir –

Há dois meses, os manifestantes protestam contra as interferências estrangeiras, principalmente do Irã, cujo emissário, o general Qassem Soleimani, negocia atualmente a formação de um governo em Bagdá preservando os interesses iranianos.

O Parlamento, que deve se reunir no final da tarde, concedeu ao presidente Barham Saleh 15 dias para nomear um novo chefe de governo, enquanto a contestação exige a saída de toda a classe política, considerada corrupta e incompetente.

Em Tahrir, os manifestantes questionam as intenções dos apoiadores da Hashd, após o chamado de certas facções desta coalizão para “expulsar os vândalos” infiltrados, segundo eles, nas manifestações.

Tamim, um manifestante de 30 anos vestindo um colete à prova de balas, está convencido de que “eles vieram aqui para limpar e encerrar o protesto”.

A polícia está nas ruas e pontes adjacentes à Praça Tahrir, onde ocorrem confrontos, mas não diretamente ao redor da praça.

Para Harith Hasan, especialista no Iraque, “poderia ser o começo de uma competição ou um conflito pela ocupação do espaço público”. “Uma nova tática para esvaziar (as praças) ou reduzir o espaço disponível para os manifestantes”, acrescenta o cientista político Toby Dodge.

Além dos mortos, dezenas de manifestantes foram sequestrados mais ou menos brevemente, muitas vezes por homens uniformizados que o Estado afirma não conseguir identificar. Pelo menos quatro deles ainda estão desaparecidos, de acordo com a Human Rights Watch.

Ali Salmane, pai de Zahra Ali, disse que encontrou o corpo de sua filha na segunda-feira à noite. “O médico legista determinou que ela sofreu choques elétricos. Distribuíamos comida e bebida para os manifestantes em Tahrir e nunca fomos ameaçados, mas algumas pessoas nos fotografaram”.

No sul, onde continuam os bloqueios e greves, as manifestações aumentaram. Parentes de vítimas da repressão e tribos se juntaram aos protestos para pedir justiça.

Em Diwaniya, milhares de manifestantes se reuniram enquanto um tribunal deve emitir seu veredicto após denúncias contra policiais e policiais.

No domingo, outro tribunal sentenciou pela primeira vez um policial pela morte de manifestantes.