“O Brasil vive um momento mágico, excelente, com uma economia pujante. Damos todas as garantias possíveis para os Jogos”. Foi assim que, em outubro de 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu em Copenhague, na Dinamarca, diante da escolha do Rio para sediar a Olimpíada de 2016. “O Brasil aprendeu a cumprir seus compromissos, isso porque precisamos todo dia mostrar ao mundo que o Brasil se tornou uma nação desenvolvida”, completou.

Naquele momento, o mundo acreditou que o Rio embarcaria em um projeto bilionário. Mas sete anos depois, o que era para ser a vitrine do Brasil para o mundo evidenciou as incertezas do País. Tendo como pano de fundo a maior recessão em décadas, o Comitê Olímpico Internacional (COI), atletas e federações foram obrigados a rever seus planos e se adaptar à crise. Mesmo assim, mais de uma dezena de pessoas ligadas ao esporte, ouvidas pelo jornal O Estado de S.Paulo, garantem que a Olimpíada vai ocorrer sem grandes problemas. O COI alertou as federações internacionais, no entanto, para não esperar que o Rio repita os Jogos de 2008, em Pequim, e de 2012, em Londres.

Os Jogos de 2016 ainda terão um impacto futuro: o de forçar o movimento olímpico a mudar a forma pela qual novas sedes no futuro serão escolhidas, na esperança de não repetir a experiência do Rio. Faltando menos de dois meses, o plano inicial era de usar o momento para promover o Brasil no exterior. Mas, com as dificuldades econômicas pelas quais passa o País, essa campanha não existe. Em seu lugar, a agenda internacional é dominada pelo vírus zika, crise financeira, instabilidade política, dúvidas sobre a segurança, poluição nas águas, atrasos em obras e corrupção.

“Se olharmos o que ocorreu nos últimos sete anos, o País passou de uma situação na qual estava em alta política e economicamente. Tudo ia bem. E, depois, tudo deu errado. O mundo político em desordem, a economia em desordem e socialmente em desordem”, disse o vice-presidente do COI, Craig Reedie. “Nessas circunstâncias, o Comitê Organizador fez um grande trabalho, conseguindo levar o evento adiante”.

Oficialmente, o presidente do COI, o alemão Thomas Bach, não se cansa de insistir que o evento será “fantástico”. Mas entre o discurso oficial e o extraoficial, a distância é grande. Em março, enquanto Bach dizia que “não estava preocupado”, documentos internos do COI apontavam para uma crise na organização do evento.

A ordem, nos últimos meses, passou a ser ajudar o Rio. Para as declarações em público, a orientação era a de não envergonhar o Brasil. Internamente, a estratégia foi a de mandar os técnicos do COI ao Brasil, reduzir os serviços planejados, cortar gastos e exigências e orientar o mundo a reduzir expectativas.

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O resgate foi também financeiro, já que o evento ainda tem 2 milhões de ingressos encalhados e sem novos patrocinadores. O COI antecipou pagamentos ao Rio que iriam chegar apenas em agosto, na esperança de concluir algumas obras. Mas Bach vai pedir nesta semana em Brasília que o presidente interino, Michel Temer, acelere a liberação de recursos, principalmente para garantir o abastecimento de energia nos locais do evento e para a segurança.

ADAPTAÇÃO – Enquanto isso, todos se adequam às novas realidades. Em maio, uma reunião entre cerca de 50 comitês olímpicos europeus concluiu que a comunidade internacional precisa abrir mão de suas exigências e desembarcar no Rio. Entre alguns dirigentes, a percepção é de que chegou a vez de o movimento olímpico abrir mão de suas exigências no Rio, diante da crise, e evitar pedir dinheiro público, sob o risco de ver uma reação negativa contra o COI, como ocorreu no caso da Fifa em 2014, na Copa do Mundo. “Ninguém jamais poderia imaginar em 2009, quando demos os Jogos ao Rio, que o Brasil estaria nessa situação dramática”, disse o diretor executivo da Federação Internacional de Remo, Matt Smith.

“Não tivemos opção senão a de aceitar mudanças em nossas estruturas. O que não podemos é ter um novo Montreal”, explicou, em referência aos Jogos de 1976, no Canadá, que deixaram uma dívida de décadas. “O Rio precisa ser um alerta de que os Jogos não podem mais ser como antes”.

Mas nem todos estão dispostos a adotar essa postura. Em reuniões fechadas, a Federação Internacional do Judô atacou o COI por ter tomado, em 2009, uma decisão “política” de dar ao Rio o evento. O alemão Jens Weinreich, um dos principais colunistas esportivos na Europa e especialistas em Jogos Olímpicos, também é da mesma opinião. “Está provado que Rio-2016 foi uma decisão errada”, disse. “O Rio tinha uma das candidaturas mais fracas e, ainda assim, ficou com os Jogos. O Rio e o Brasil deveriam se concentrar em resolver seus problemas sociais e corrupção. A Olimpíada não vai ajudar”, alertou.


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