Durante a ditadura militar (1964-1985), havia uma rotina diária nas escolas brasileiras. Antes do início das aulas, os alunos eram obrigados a se perfilar e cantar o “Hino Nacional”. Nos períodos mais sombrios, os estudantes eram, inclusive, forçados a repetir o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”, que tinha como objetivo formar o que os militares chamavam de “cidadão de bem”. Na verdade, tratava-se de doutrinação escancarada do ideário dos anos de chumbo. Eram os tempos das aulas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira, disciplinas que estão na memória dos brasileiros com mais de 50 anos. Três décadas depois da redemocratização do País, algo parecido está ocorrendo. Não mais por uma imposição do governo vigente, mas graças a uma minoria ruidosa de sindicalistas que alicia professores para fazer pregação política e partidária em instituições que, em sua essência, deveriam ensinar e defender a pluralidade ideológica. Na sexta-feira 28, colégios particulares tradicionais de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e outras capitais decidiram aderir à paralisação convocada por entidades ligadas ao Partido dos Trabalhadores em protesto contra as reformas da Previdência e trabalhista propostas pelo governo de Michel Temer (PMDB). Em São Paulo, o movimento foi isolado. Apenas 100 instituições de ensino pararam em um universo de mais de 4 mil. Além de instaurar o caos no País, dificultando a mobilidade, colocando em risco serviços de primeira necessidade e gerando problemas para a segurança pública, a greve se tornou ainda mais nociva na medida em que foi utilizada como instrumento de manipulação política de crianças e adolescentes. Detalhe: na escola, ambiente impróprio para este tipo de iniciativa.

“O colégio não pode determinar o cunho ideológico de uma greve ou não. Isso é muito polêmico e controverso” Deborah Gonçalves de Sousa, mãe do aluno do Colégio São Luis
“O colégio não pode determinar o cunho ideológico de uma greve ou não. Isso é muito polêmico e controverso”
Deborah Gonçalves de Sousa, mãe do aluno do Colégio São Luis (Crédito:Divulgação)

Reação dos pais

É com essa preocupação que muitos pais se manifestaram ao longo da semana passada contra os colégios de suas cidades, que cederam às exigências dos professores e aceitaram perder um dia letivo (as aulas serão repostas nos meses seguintes, na maioria das instituições, aos sábados). Nas redes sociais e nas portas das escolas, as lamentações ganharam volume. Afinal, com os filhos impedidos de estudar e ter sua rotina normal, é como se os responsáveis por eles estivessem referendando a greve. É o caso de Marília Gomes Amorim, mãe do aluno do 9º ano do Colégio Vera Cruz, na Zona Oeste de São Paulo, Lorenzo Gomes Amorim Fraterno, 14 anos. “Essa escola é laica, então acho que ela tem que ser apartidária também”, diz. “Se cada professor ou funcionário achar que deve entrar em greve, isso é um problema individual. Agora o colégio paralisar por um movimento contra o governo e que é totalmente sindical, não tem o menor cabimento”, diz Marília. Em informativo aos pais dos alunos, o Vera declarou que deliberou pela paralisação das atividades no dia 28 em virtude do “aprofundamento das discussões sobre as reformas previdenciária e trabalhista e alinhado às posições assumidas pelo Sindicato dos Professores de São Paulo”.

Outro importante colégio paulistano que também teve suas aulas suspensas na sexta-feira foi o jesuíta São Luis, na Zona Central. A advogada Deborah Gonçalves de Sousa, cujo filho cursa o 8º ano, não aprova a decisão da instituição. “A questão da greve deve ser enxergada pela família, há muitos dilemas e informações equivocadas que as pessoas repassam sem saber ao certo o que estão falando”, diz. “O colégio não pode determinar o cunho ideológico de uma greve ou não, isso é muito polêmico e controverso.” À ISTOÉ, a diretora do São Luis, Sônia Magalhães, explicou que os professores fizeram um processo independente de conversa e reflexão sobre a adesão ou não à paralisação e informaram à direção que 92% dos docentes

“Essa escola é laica, então acho que ela tem que ser também apartidária” Marília Gomes Amorim, mãe de Lorenzo, aluno do Colégio Vera Cruz
“Essa escola é laica, então acho que ela tem que ser também apartidária” Marília Gomes Amorim, mãe de Lorenzo, aluno do Colégio Vera Cruz (Crédito:Divulgação)

aderiram à greve. “Diante desta decisão, a escola não teve outra alternativa senão respeitar o direito legítimo dos professores”, disse. “O Colégio São Luis, assim como a Rede Jesuíta de Educação, não assumiu posicionamento partidário, tampouco a favor de sindicatos, simplesmente respeitou a posição dos professores e teceu comentários sobre o momento atual do País.”
A irresponsabilidade dos docentes também chegou ao Colégio Rio Branco, na Zona Central de São Paulo. Os professores do 6º ano do Ensino Fundamental à 3ª do Ensino Médio decidiram engrossar a paralisação. O colégio, porém, resolveu manter as atividades – para não desagradar ainda mais aos pais – e suspendeu apenas as aulas extracurriculares. A decisão da escola foi vista como questionável pelos pais, que não concordam com o fato de o ambiente escolar virar palco de protestos com cunho ideológico e partidário. “E escola não deve se intrometer em questões políticas que vão além dos problemas internos do colégio”, diz o advogado Younes Mohamed Issa, 53 anos, pai de um aluno do Jardim I.

No Colégio Santa Cruz, um dos melhores de São Paulo, na Zona Oeste, alguns estudantes se revoltaram contra a decisão dos professores de paralisar as atividades. Como uma resposta ao comunicado dos docentes, dois alunos do Ensino Médio redigiram uma carta aberta – que foi assinada por outros onze – contra-argumentando os professores. Os alunos classificaram as críticas à reforma da Previdência como descabidas. “Seria impossível não nos posicionarmos frente ao que consideramos uma visão equivocada, com prováveis consequências catastróficas para o País como um todo”, diz um trecho da carta. O documento ainda afirma que, “com o objetivo de justificar a decisão dos professores, a argumentação esconde-se atrás de uma suposta ‘proteção de direitos’, defende a manutenção do status quo e falha em criticar aspectos objetivos da proposta de reforma”. Os estudantes também apresentam motivos pelos quais, na opinião deles, a reforma da Previdência é necessária.

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“A escola não deve se intrometer em questões políticas que vão além dos problemas internos do colégio” Younes Mohamed Issa, pai do aluno do Colégio Rio Branco
“A escola não deve se intrometer em questões políticas que vão além dos problemas internos do colégio” Younes Mohamed Issa, pai do aluno do Colégio Rio Branco (Crédito:Divulgação)

Greve incompreensível

Mas não são só os pais e alunos que ficaram contra o movimento dentro das escolas. Algumas entidades que representam a categoria também se mostraram descontentes com a atitude dos colégios – principalmente daqueles que publicamente decidiram apoiar os professores. A Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar) declarou que a escola deve priorizar o aluno e, como as manifestações envolvem temas que não têm relação com as instituições de ensino e sua relação com os professores, a hipótese de paralisação é incompreensível. Os protestos vieram de todos os lados. “O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo não é favorável, não autoriza e nem apoia a propalada greve dos professores de escolas particulares”, divulgou a entidade. O sindicato alertou para que os professores não sejam manipulados por uma minoria ruidosa de sindicalistas. “O movimento é apenas uma manifestação da CUT e seus sindicatos afiliados em defesa de seus interesses e causas políticas.” Que todo cidadão é livre para protestar, isso não se discute. Fazer greve é um direito legítimo do trabalhador, garantido pela Constituição. O problema se dá quando um movimento político-partidário tenta manipular mentes e aliciar grevistas – especialmente em um ambiente escolar.

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