Longe de mim atacar a liberdade de expressão. Logo eu, jornalista, que tenho, na voz, na pena, na opinião, minha única ferramenta de trabalho. Eu, censurada por dois governos com ascensão financeira sobre empresas onde trabalhei. Perseguida por militantes à direita e à esquerda, tive meu lugar de fala cassado da TV e minha liberdade tolhida nas redes sociais graças ao poder estatal. Sei o mal que a censura pode causar e não serei eu a pregar que todas as vozes se calem, ainda que muitas destoem de mim. Quando o homem mais poderoso do planeta, Donald Trump, foi banido de diversas redes, numa ação conjunta sem precedentes na internet, questionei: quais os limites da liberdade de expressão e das gigantes da tecnologia que parecem controlá-la? As empresas que dominam o ambiente virtual são monopólios com um poder colossal que vai além das fronteiras de países, pairando acima do controles estatais ou legais. Em pouco tempo, tornaram-se mais que ferramentas de comunicação. Hoje, constitui o próprio ambiente público onde os debates são travados.

O presidente Donald Trump abusou da liberdade de expressão, divulgando fake news e incitando o ódio contra seus desafetos

Na Grécia antiga, quando nasceu a democracia, dela só participavam homens livres, maiores de 18 anos. Mulheres, servos e imigrantes eram apartados, não integravam assembléias que deliberavam sobre direitos e deveres, guerra e paz. Nos nossos dias, ser banido de redes sociais, como aconteceu a Trump, soa como estar fora da praça pública, exilado do debate. Mas, seria o degredo do ambiente virtual censura ou punição?

Como todo direito, a liberdade de expressão não é absoluta. Seu limite se impõe por força de outros direitos, impedindo que a fala torne-se instrumento ou o próprio crime.

Trump não foi censurado. Foi punido por violar as políticas privadas das redes que usava. Há quatro anos tem abusado da liberdade de expressão, divulgando fake news e incitando o ódio contra seus desafetos. O presidente é um dos mais poderosos formadores de opinião do mundo e, além da retórica, detém o poder fático sobre a geopolítica mundial.

Foi responsável, salvo melhor juízo, pela morte de cinco pessoas na invasão ao Capitólio, que teve não só o seu apoio, mas o seu comando. Não se trata mais de debate de idéias, mas da imposição de uma idéia para suprimir a própria democracia. Quando punhos e pistolas tomam o lugar de argumentos e contrarrazões, é preciso aplicar a medida mais extrema para proteger a democracia: ser intolerante com os intolerantes.

Em “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”, Karl Popper afirma: “Se estendermos a tolerância ilimitada até os intolerantes, se não estamos preparados para defender a sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, juntamente com a tolerância.” O paradoxo do filósofo que conheceu de perto o nazismo é a resposta a esses tempos incertos de valores líquidos e sede totalitária.