“O Congresso tem em suas mãos uma grande oportunidade de colocar uma pauta positiva no combate à corrupção indo para além do discurso de ‘vamos combater a corrupção'”. A opinião é do procurador da República Roberson Pozzobon, que integra a força-tarefa da Lava Jato – origem da proposta 10 Medidas de Combate à Corrupção. Encampada pelo Ministério Público Federal, o pacote de alterações legais que reuniu mais de 2 milhões de assinaturas estava parado na Câmara dos Deputados, desde o início de abril.

Nesta terça-feira, 14, o presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), assinou o ato de criação da comissão mista responsável por analisar tecnicamente as medidas. Após o ato normativo ser lido em Plenário, as lideranças indicarão os 30 membros e 30 suplentes que iniciarão os trabalhos. O pacote foi enviado ao Congresso no dia 29 de março, em forma de proposta de iniciativa popular, protocolado pelo deputado federal Mendes Thame. De 8 de abril até ontem, o pacote não movimentou nada.

“A Lava Jato, pelo sim ou pelo não, independente da postura que for tomada pelos parlamentares e pelo poder Executivo federal, ela vai continuar, os ilícitos continuarão a ser apurados e os responsáveis levados à Justiça. Agora o ponto é, e para além da Lava Jato?”, questionou Pozzobon, em entrevista. “E nos outros casos de corrupção que ainda não se iniciaram e se espalham nas administrações municipais? Em relação a isso que devemos nos preocupar sobre como nosso Estado vai se comportar.”

As 10 Medidas de Contra a Corrupção agora estão sob a responsabilidade do Congresso? Qual a participação do Ministério Público Federal agora?

Roberson Pozzobon – O Ministério Público a partir da experiência da Lava Jato e diversos outros casos, e infelizmente de uma série de insucessos, gestou essas medidas para tornar o sistema de combate à corrupção mais eficiente. Submeteu a uma série de especialistas, buscou experiências internacionais e montou essas propostas das 10 Medidas para submeter à sociedade. Foram feitas apresentações à sociedade civil, vieram outras pessoas que não só endossaram o projeto como tornaram-se multiplicadores. E o projeto passou a ter um corpo muito além do Ministério Público. Mas temos total interesse que essas medidas sejam discutidas e aprovadas, porque como instituição entendemos que elas podem fazer muita diferença.

Se Congresso e governo não aproveitarem o momento gerado pela Lava Jato, podemos perder as chances de implementar essas alterações na legislação brasileira de combate à corrupção?

Vou além, na minha análise. Ao passo que temos projetos que têm por objetivo melhorar o sistema no combate à corrupção, como o das 10 Medidas, temos na via inversa projetos que são um verdadeiro retrocesso. Temos uma pauta legislativa que claramente seria um retrocesso para avanços conquistados a duras custas. Cito a execução de pena em sentenças condenatórias confirmas em segundo grau, uma conquista muito importante obtida no Supremo, e já temos um projeto de lei do deputado Wadih Damous (PT-SP) para que isso não seja possível. Do mesmo deputado projeto que vede colaboração com réus presos, o que é um absurdo. Argumenta-se que o objetivo seria garantir a espontaneidade do colaborado, sendo que em mais de 50 colaborações premiadas celebradas não houve sequer um exemplo que não ficasse comprovada a voluntariedade do colaborar, sendo que a maioria deles estava em liberdade. Essas vias legislativas são quase um ataque ao sistema de combate à corrupção, porque o torna mais ineficiente.

O senhor acredita que o Congresso vai fazer andar as propostas das 10 Medidas contra a Corrupção?

Desde o momento que foi apresentado ao Congresso até hoje houve um momento bastante conturbado do impeachment. Naturalmente não se podia esperar que as demais coisas tramitassem. Mas isso já passou. Vejo que hoje há uma crise de legitimidade na seara política perante a sociedade brasileira. Essa crise de legitimidade ela se dá, também, porque há diversos parlamentares e políticos implicados em atos de corrupção. Então, hoje o Congresso tem em suas mãos a possibilidade de reverter essa ausência de legitimidade, essa pauta negativa, com uma pauta positiva que é tornando o sistema melhor para evitar a corrupção. Ao passo que ele tem essa oportunidade e não exerce, é uma opção. Mas é uma opção que com toda certeza só vai agravar a esperança que os brasileiros tem na instituição Congresso Nacional. É algo que se deve ser levado a sério. A corrupção afeta também a credibilidade não só das pessoas que ocupam cargos públicos, mas quando sistemática e reiterada como temos visto, ela afeta a credibilidade das instituições, que é tenebroso para uma democracia.

Hoje vejo de uma forma muito cristalina que o Congresso tem em suas mãos uma grande oportunidade de colocar uma pauta positiva no combate à corrupção indo para além do discurso de ‘vamos combater a corrupção’. Pautar essas questões, discutir e logicamente editar novos atos normativos que aprimorem o sistema para isso não se repetir.

De que forma a Procuradoria vai cobrar a efetivação dessas mudanças legais? Aprofundando as investigações da Lava Jato?

A Lava Jato. pelo sim ou pelo não, independente da postura que for tomada pelos parlamentares e pelo poder Executivo federal, ela vai continuar, os ilícitos continuarão a ser apurados e os responsáveis levados à Justiça. Agora o ponto é, e para além da Lava Jato? E todos os demais casos que não estão no guarda-chuva da Lava Jato?

A Lava Jato usa uma série de circunstâncias que permitiram uma coleta de provas muito robusta. Mas e nos outros casos de corrupção que ainda não se iniciaram e se espalham nas administrações municipais? Em relação a isso que devemos nos preocupar sobre como nosso Estado vai se comportar. A Lava Jato com certeza vai continuar e o Ministério Público espera que essa pauta, não só de reforma legislativa das 10 Medidas Contra a Corrupção, mas algo conglobante para resolver essa crise política e ética, até de certo modo, que toma o País seja resolvida. Tenho certeza que o povo brasileiro está muito atento e isso vai ocorrer pela melhor via que a de tornar o sistema melhor.