Quando o livro policial Bom Dia, Verônica (Darkside) chegou às livrarias, em 2016, um mistério não foi resolvido: quem era, de fato, Andrea Killmore, autora (ou autor) do romance? Aos fãs, era evidente que se tratava de um pseudônimo, pois nunca tal nome frequentara as discussões nas redes sociais sobre o gênero. Tampouco eram conhecidos detalhes de sua biografia ou mesmo uma foto. E o interesse era crescente, pois a obra já vendeu mais de 10 mil exemplares.

O segredo será, enfim, desvendado na tarde deste sábado quando, na Bienal do Livro do Rio, será apresentada a dupla que, de fato, é autora do livro – revelação agora antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo: são os escritores Ilana Casoy e Raphael Montes. E eles vão autografar a nova versão do romance, agora com seus nomes impressos na capa. “Estamos curiosos para conhecer a reação das pessoas, pois já havia muita gente especulando na internet sobre nossa identidade”, comenta Montes. “E uma leitora afiada, depois de acreditar ter visto elementos da minha escrita e da Ilana, cravou nosso nome no Instagram.”

A ideia da parceria nasceu durante uma conversa de bar: Ilana e Montes estavam, em agosto de 2015, em Extrema, Minas Gerais, participando de um festival literário. “Logo surgiu uma empatia entre nós”, lembra o escritor que, de bate-pronto, propôs de escreverem juntos uma história policial. “Inicialmente, achei estranho, pois temos pouco em comum”, conta Ilana.

De fato, há mais diferenças que semelhanças – enquanto Montes trabalha com ficção, consagrado como um dos grandes autores do romance criminal brasileiro, Ilana é uma criminologista que assinou impactantes obras de não ficção. Ela é metódica e vive em São Paulo, enquanto ele dá asas à imaginação e tem casa no Rio de Janeiro. Mas, passadas algumas semanas, Montes foi procurado pela colega, interessada na experiência. Como sempre acontece, ambos preferiam o anonimato para exercitar uma escrita diferente da habitual. “Mas, desde o início, tínhamos uma certeza: o trabalho seria conjunto e não da forma mais simples, com cada um escrevendo um capítulo”, reforça Ilana.

Assim, com a distância física compensada pelas facilidades tecnológicas, eles decidiram que o pseudônimo teria um nome unissex (Andrea também serve para homens, especialmente na Itália) e um sobrenome sugestivo – Killmore, em inglês, signifique “mate mais”. Faltava encontrar o fio da meada. “Foi quando recebi, na manhã de um domingo, um e-mail sugestivo da Ilana”, relembra Montes.

Desafios da escrita

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Foi um e-mail enviado por Ilana Casoy que, segundo Raphael Montes, apontou o curso da trama. “Ela escreveu como se fosse a Verônica, se apresentando e revelando algumas características da personagem”, relembra. “Até o título já estava sugerido ali.”

O livro acompanha a secretária de polícia Verônica Torres que, em uma mesma semana, testemunha o chocante suicídio de uma jovem ao mesmo tempo que recebe uma ligação anônima de uma mulher desesperada por ver sua vida ameaçada. “Nossa intenção foi, além de eleger uma mulher como protagonista, também apostar na figura do invisível, ou seja, uma escrivã que não aparece durante uma investigação policial, mas que ajuda a solucionar pois, como digita tudo sobre o processo, tem todos os fatos na cabeça”, conta Ilana, cuja expertise na apuração de casos criminais foi decisiva em garantir a verossimilhança. “Ela tem muitos contatos, assim, quando tínhamos alguma dúvida que apenas um legista poderia resolver, Ilana sacava o telefone, fazia uma ligação e resolvia tudo”, completa Montes.

Todo autor concorda que a escrita de um livro é um atividade muito íntima, portanto, em uma parceria, a afinidade tem que ser exemplar. “Tivemos muitos momentos tensos”, diverte-se Montes. “Quando estávamos próximos da conclusão, entramos em um impasse: eu tinha uma opção que Ilana não aprovava, e ela também não aceitava a minha proposta. Tivemos uma discussão feia e parecia que o trabalho terminaria ali, inconcluso”, conta Raphael.

A dupla ocupava um apartamento especialmente alugado, no Rio, para finalizar a escrita. Ilana saiu e, de madrugada, ao voltar, acordou o colega escritor: “Ela sugeriu uma proposta intermediária que foi perfeita”.

A simbiose revelou-se perfeita entre os dois. “Como escreve roteiros para cinema e TV, Raphael me ensinou muito sobre como estruturar bem um texto”, comenta Ilana. “Em troca, eu lhe mostrei a complexidade do mundo real, a quantidade de detalhes que precisam ser levados em consideração para não ficar inverossímil.”

Ao longo das semanas de trabalho, a dupla estipulou uma organização para a escrita. Assim, Ilana era responsável pela primeira redação depois que as ideias eram aprovadas. “Eu ficava responsável pela demão”, diverte-se Montes. “Era algo tão novo em relação ao nosso trabalho que eu não saberia identificar hoje o que foi pensado por mim ou por ela.”

Mesmo assim, a dupla estremeceu quando uma leitora publicou em sua conta no Instagram uma nota que, analisando a escrita de Bom Dia, Verônica, ela encontrava vestígios do estilo de dois autores: Ilana Casoy e Raphael Montes. “Levamos um susto, pois ela acertou na mosca”, lembra-se Montes. “Tivemos que desconversar, reforçando que nenhum de nós tinha interesse em desviar a rota das nossas carreiras.”

O que é definitivo, porém, é a influência que um teve no trabalho do outro. Montes já convidou Ilana para participar da escrita do roteiro de um projeto, Família Feliz, longa de ficção de suspense. Já Ilana convocou o colega para trabalhar no roteiro de A Menina Que Matou os Pais, longa que estreia no primeiro semestre de 2020 sobre o caso de Suzane von Richthofen e dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos que, em 2006, assassinaram os pais dela.

Mesmo com a divulgação de seus nomes, Ilana e Montes planejam mais dois livros em parceria: Boa Tarde, Verônica e Boa Noite, Verônica. “Em ambos, o leitor vai se surpreender”, promete a escritora. “Já no segundo volume, queremos apresentar uma nova Verônica, pois gostamos de transformações, nada de ficar preso a uma única fórmula”, garante. “E nada impede que, no último livro, criemos uma história bem açucarada ou mesmo uma trama infantil. Não temos limites. Aprendemos a não brigar e, principalmente, a resgatar as diferenças com rapidez”, completa Montes.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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