Afinal de contas, Daniil Medvedev é mesmo um sujeito antipático e arrogante como muitos pensam que ele é? Um brasileiro que o conhece muito bem garante que não. Marcelo Demoliner, especialista no jogo de duplas, fez parceria com o russo em quatro torneios na atual temporada da ATP e se tornou amigo da nova sensação do tênis masculino, que ele define como uma pessoa tranquila e humilde.

Demoliner, que ocupa atualmente a 47.ª colocação do ranking de duplas da ATP, conta que foi dele a iniciativa para formar a parceria com o russo e que o entrosamento dentro e fora das quadras foi conquistado muito rapidamente.

“No começo do ano, iria jogar na Índia e ele iria jogar em Brisbane (Austrália) com o (o alemão Alexander) Zverev, mas o Zverev se machucou e ele ficou sem parceiro. Como o meu parceiro também teve um problema, eu mandei uma mensagem para ele o convidando para jogar comigo, e ele topou na hora. Então fui para Brisbane e nos entendemos muito bem”, relatou Demoliner, que acha injusta a má fama que o amigo carrega no circuito. “Fora da quadra, ele é um menino legal, muito tranquilo, humilde, um cara que escuta bastante o treinador dele.”

Além de disputarem o Torneio de Brisbane, Demoliner e Medvedev jogaram juntos nos Masters 1000 de Montecarlo, Madri e Cincinnati. O melhor que conseguiram foi chegar às quartas de final dos eventos monegasco e espanhol, mas os resultados não eram exatamente a maior preocupação do russo nas duplas.

“Ele quis jogar duplas para melhorar o voleio, um fundamento no qual ainda tem dificuldade. E eu acho que o ajudei nisso, assim como ele me ajudou a entrar em alguns torneios. Foi uma troca bem legal”, disse o gaúcho de 30 anos.

Demoliner e Medvedev não têm planos para voltar a jogar juntos, mas isso pode ocorrer eventualmente, segundo o brasileiro. Seja como for, ele vai torcer muito pelo sucesso do amigo, visto por ele como um futuro ganhador de títulos de Grand Slam.

“Ele tem uma força mental privilegiada, acima dos outros jogadores da nova geração. Acredito que o Medvedev vai ficar muito tempo no topo, ele tem características de um campeão nato”, ressaltou o brasileiro.

NÚMEROS IMPRESSIONANTES – Aos 23 anos, Medvedev atingiu nos últimos meses um nível de jogo assustador. Até o mês de agosto, quando teve início a temporada norte-americana de torneios em quadras duras, o russo era um dos integrantes menos badalados da nova gestão, ofuscado por como nomes como o grego Stefanos Tsitsipas, o alemão Zverev e o canadense Denis Shapovalov. Só que Medvedev não quis esperar a sua vez e decidiu furar a fila.

Nas últimas seis competições que disputou, o jogador nascido em Moscou chegou a seis finais, com três títulos (dos Masters 1000 de Cincinnati e Xangai e do Torneio de São Petersburgo) e três vices (em Washington, no Masters 1000 do Canadá e no US Open). Com isso, deu um salto que o colocou na quarta colocação do ranking mundial, atrás apenas do sérvio Novak Djokovic, do espanhol Rafael Nadal e do suíço Roger Federer. E com viés de alta.

“Nos últimos meses, ele tem sido provavelmente o melhor jogador do mundo”, testemunhou Zverev, batido pelo russo na final em Xangai.

Esse sucesso todo chegou para Medvedev amparado em um estilo, digamos, incomum. – aliás, o próprio russo, que tem 1,98m de altura, admite que seu jogo não é nada bonito. Mas tem funcionado, e muito.

“O que mais me impressionou quando nos enfrentamos foi o fato de ele se movimentar muito bem para o tamanho dele”, comentou o tenista brasileiro Rogério Dutra e Silva, que jogou contra Medvedev em 2016, em um torneio na cidade francesa de Bordeaux. “Já dava para ver naquela época que ele tinha muito talento. É um jogador de muita força, que bate bem de direita e de esquerda, saca bem, enfim, faz tudo bem, é bastante sólido”, destacou.

Essa solidez toda é a principal arma de Medvedev. Ele é um jogador que cobre muito bem a quadra, ajudado por sua enorme envergadura, e consegue chegar a todas as bolas, levando os adversários ao desespero. Além disso, ele tem demonstrado enorme força mental para não se perder nos momentos mais complicados dos jogos. Mas nem sempre foi assim.

TEMPERAMENTAL – Medvedev tem fama de “esquentadinho”, e não por acaso. Não foram poucas as confusões em que ele se meteu na carreira, como por exemplo a ocasião em que atirou moedas em direção à cadeira do juiz após uma derrota em Wimbledon, ou a vez em que foi desclassificado de um jogo nos Estados Unidos por fazer comentários racistas sobre seu adversário, o norte-americano Donald Young, que é negro.

Recentemente, o russo declarou que fica feliz quando termina um torneio sem fazer nenhuma bobagem em quadra, mas isso não ocorreu no último US Open. Em uma partida contra o espanhol Feliciano López, ele foi vaiado após um ataque de fúria e fez um gesto obsceno para o público. É claro que Medvedev foi mais vaiado ainda e, depois da partida, o jogador foi sarcástico ao dizer que as vaias deram a ele a força necessária para vencer. Nos jogos seguintes, a história se repetiu: vaias, vitórias e sarcasmo.

Até que ele percebeu que a coisa estava indo longe demais e pediu desculpas ao público norte-americano, fazendo um enorme esforço para ser mais simpático. Deu certo, tanto que Medvedev contou com o apoio de boa parte do público na final, contra Nadal, uma grande partida que ele perdeu no quinto set.

“O que aconteceu em Nova York mostrou uma mudança importante na parte mental do Medvedev”, opinou o treinador e comentarista do canal SporTV, Ricardo Acioly. “Eu já havia notado que ele tinha um jogo muito bom, com muita versatilidade, mas ele não tinha a parte mental forte o suficiente para chegar ao topo. O Medvedev perdia muitos jogos para ele mesmo, mas no Aberto dos Estados Unidos ficou claro que a coisa mudou. Mesmo com essa confusão toda, ele foi capaz de se manter focado e vencer muitos jogos. Ele parou de perder para si mesmo.”

Essa, aliás, é uma péssima notícia para seus adversários. Com o jogo que tem, e a cabeça no lugar, Medvedev se torna um grande candidato a ganhar tudo no restante da atual temporada e, principalmente, em 2020, quando terá poucos pontos para defender no primeiro semestre e, portanto, chances reais de brigar para ser o número 1 do mundo. Ao que parece, o grandalhão desajeitado ainda vai incomodar muita gente por muito tempo.