Com suas águas verde esmeralda, areia fina e bonitos guarda-sóis, a pequena cidade de Mejillones, no norte do Chile, reúne todos os ingredientes de um clássico resort. No entanto, é uma das cinco “zonas de sacrifício” que desafiam a transição energética no país.

Este conceito, que descreve uma área onde a qualidade de vida e o ambiente foram gravemente afetados pela atividade industrial, foi adotado em um memorando do Congresso chileno em julho de 2022.

Embora este país sul-americano tenha lançado um ambicioso plano em 2019 para encerrar as suas 28 usinas elétricas a carvão até 2040, incluindo as oito em Mejillones, também se comprometeu a restaurar as áreas afetadas por anos.

“A dívida do Chile e os impactos da geração de energia baseada no carvão são consideráveis no contexto da crise climática, mas também pelos impactos que têm nas zonas de sacrifício”, afirmou Estefanía González, vice-diretora de campanhas do Greenpeace Andino, ressaltando sua preocupação com as pessoas destas regiões.

Segundo ela, é necessária uma “transição justa” que não permita apenas abandonar os combustíveis fósseis, mas também “reconverter estes territórios, repará-los e permitir que as atividades que foram afetadas se recuperem ao longo do tempo”.

– Câncer estágio 4 –

No cais do porto pesqueiro desta cidade de 13 mil habitantes no coração do deserto do Atacama, a 1.400 km da capital Santiago, José González descreve o estágio 4 do câncer que sofre.

“Há uma poluição imensa aqui”, conta este funcionário do porto, atualmente em licença médica, enquanto reforça sobre uma série de empresas ligadas à indústria química e outras usinas de carvão que surgiram na região às margens do oceano Pacífico.

Não é fácil para os moradores que vivem nestas áreas poluídas comprovar que a contaminação está ligada ao câncer que sofrem.

“Pode levar muitos anos até que se perceba”, explicou à AFP Michel Marín, presidente da Faculdade de Medicina de Antofagasta, que pede que as empresas realizem estudos aprofundados para demonstrar que suas atividades não representam risco à saúde.

“A história se repete” de outras formas, enfatiza o cirurgião, citando a contaminação por chumbo ou amianto.

A queima de carvão libera muitas substâncias químicas nocivas. Embora a instalação de filtros contribuam para a redução destas emissões, ainda há “poluição porque os parques de carbono são abertos”, afirma o conselheiro Manuel Monardes Rojas, destacando a distância entre a zona industrial e a cidade costeira, que segundo ele é uma “área limpa”.

– “Menos espécies” –

Neste verão chileno, poucos banhistas enfrentam as águas frias da baía, enquanto alguns turistas descansam sob guarda-sóis de palha.

Para José Sánchez, secretário do sindicato dos pescadores artesanais de Mejillones, o setor vive uma situação desesperadora. “O fundo do mar está contaminado, há menos espécies, menos moluscos, perdemos tudo. A baía está morta”, lamenta ele, ressaltando que das 300 pessoas que trabalhavam ali, atualmente resta apenas a metade.

Um estudo realizado em 2019 e financiado pela região de Antofagasta demonstrou a presença significativa de metais pesados e matéria orgânica na baía devido ao despejo de resíduos industriais e águas residuais.

Assim como determinar a causa dos casos de câncer na população pode levar anos, também não será fácil obrigar as empresas a repararem os danos ambientais causados por suas instalações.

As usinas a carvão mais antigas “não têm a obrigação juridicamente vinculativa de assumir a responsabilidade pelas consequências ambientais” de suas atividades, afirmou o Ministro da Energia chileno, Diego Pardow, em uma recente reunião com a imprensa francesa em Santiago.

“Isto faz parte do desafio que temos que alcançar agora. Que não seja simplesmente desligar um interruptor, mas assumir o controle de tudo o que isso implica”, acrescentou.

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