Nos pátios vizinhos à sede da Voepass, em Ribeirão Preto (SP), a IstoÉ localizou quatro aeronaves com a pintura e logomarca da companhia, que não realiza voos desde março de 2025, quando teve o COA (Certificado de Operador Aéreo) suspenso pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Em 24 de junho, a suspensão foi convertida em cassação pela agência, que a proibiu de transportar passageiros por um período de dois anos e afirmou que ela cometeu “falhas graves e persistentes nos sistemas de gestão de segurança” e deixou de ser confiável.
A investigação foi gerada pela queda do voo 2283, que causou 62 mortes em Vinhedo (SP), em 9 de agosto de 2024. Na ocasião, a Voepass era a quarta maior companhia aérea brasileira, com 0,4% do mercado, atrás somente das três gigantes do segmento no país — Latam (39,2%), Gol (30,4%) e Azul (29,9%). A maior parte dos voos era realizado com aeronaves locadas.

A IstoÉ circulou aeroporto e hangares da empresa e arredores para localizar aeronaves
Conforme os relatos de funcionários, após o encerramento das atividades da empresa, os proprietários deixaram de receber pela locação e acionaram a Justiça para reaver os aviões. Ainda segundo os relatos, o estado interno de alguns deles era crítico, com falta de peças e assentos.
Desde março, as aeronaves localizadas pela IstoÉ passam por manutenção e são administradas por responsáveis contratados pelos proprietários, que atuam em Ribeirão Preto.
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De quem são os aviões
Conforme o RAB (Registro Aeronáutico Brasileiro), dois deles são ATR 72-712, modelos fabricados em 2008 com capacidade para 73 pessoas — dimensão similar à do ATR 72-500 que caiu — e de propriedade da Nac Aviation 12. Os certificados de aeronavegabilidade estão suspensos.
Há ainda um ATR 42-500 fabricado em 1999, com capacidade para 52 pessoas, de propriedade da Red-Tail Aviation. Regularmente utilizado para táxi aéreo, o avião está com certificado de aeronavegabilidade suspenso.
Não conseguimos checar as informações da quarta aeronave. Após a conclusão da manutenção, elas serão submetidas a novas inspeções da Anac antes do restabelecimento da aeronavegabilidade e, então, poderão ser locadas por outras companhias, que ficarão responsáveis pela manutenção para voos e novo design.
Tragédia de Vinhedo
Em 9 de agosto de 2024, um ATR 72-500 operado pela Voepass ia de Cascavel (PR) a Guarulhos (SP) quando caiu em Vinhedo, no interior de São Paulo, depois enfrentar uma condição severa de formação de gelo e girar em parafuso chato. No trajeto, o sistema de degelo da aeronave foi acionado e desligado repetidamente.
Os 58 passageiros e quatro tripulantes a bordo morreram, na maior tragédia da aviação brasileira desde a colisão do TAM 3054 no aeroporto de Congonhas (SP), em julho de 2007.
A Anac realizou uma operação assistida e descobriu que a companhia fez 2.687 voos sem manutenção adequada após esse episódio, o que gerou a cassação do COA. Na decisão, a agência afirmou que a empresa cometeu falhas graves e persistentes nos sistemas de gestão de segurança e deixou de oferecer confiabilidade aos passageiros. Para o advogado da Voepass, a pena foi “praticamente perpétua”.

Galpão da Voepass um ano após a tragédia de Vinhedo: poucos funcionários e aeronaves
Assista a ‘Voepass 2283: Sem Controle’
Conforme revelamos na primeira edição do IstoÉ Docs, a Voepass foi alvo de diversas multas nos anos anteriores à tragédia, e os problemas técnicos eram reportados por funcionários à chefia, mas não havia resposta efetiva.
Luiz Almeida, copiloto da empresa de setembro de 2019 até a cassação do COA, relatou que os tripulantes que relatavam inadequações eram retaliados pelos empregadores.
“Por várias vezes, neguei o prosseguimento de voos. Aviões eram parados no aeroporto porque indicavam itens ‘no go’, estavam irregulares“, disse. “[Em reação] eles colocavam você de stand-by, empobreciam a escala. Tive problemas com comandantes porque me recusava a seguir com um voo”.

Precariedade na área interna de aviões da companhia foi relatada à IstoÉ, com imagens, por fontes
Sob condição de anonimato, um ex-mecânico da companhia disse que a manutenção era “feita na gambiarra, para garantir a liberação dos aviões no horário“. Segundo ele, ao reportar a falta de equipamentos, os funcionários do setor eram ameaçados de demissão.
Em nota, a Voepass afirmou ter cumprido as “exigências rigorosas que garantem a segurança das operações aéreas” e que a frota “sempre esteve aeronavegável e apta a realizar voos” até o encerramento de suas atividades.
Este conteúdo faz parte da primeira edição do IstoÉ Docs.