Até deixar a presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) não poupou ataques aos partidos de centro. Ele associou as siglas à esquerda, se disse orgulhoso de não ter seu apoio e chegou a defender o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal expoente do campo.

Em sua primeira eleição desde que deixou o Palácio do Planalto, Bolsonaro e seu partido mudaram o discurso para o pleito de outubro e apoiam candidatos de MDB e PSDB às prefeituras de quatro capitais. Mas essas alianças contam com um ponto em comum: o grupo político do ex-presidente garantiu a indicação de vices de origem militar.

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Sustentação militar

São Paulo: Coronel Ricardo Mello Araújo (PL), vice de Ricardo Nunes (MDB)

O ex-presidente condicionou seu apoio à reeleição de Nunes à indicação de Araújo, coronel da reserva da Rota (Rotas Ostensivas Tobias Aguiar), tropa de choque da Polícia Militar paulista, para compor a chapa.

Araújo se tornou amigo de Bolsonaro e era publicamente elogiado pelo então presidente quando dirigia a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). O prefeito, por sua vez, se viu “encurralado” a aceitar o nome indicado quando viu Pablo Marçal (PRTB) ganhar força no eleitorado bolsonarista da cidade — além de ostentar um discurso fortemente à direita, o empresário encontrou Bolsonaro e tem simpatia de deputados do PL que desconfiam do prefeito como um representante fiel do grupo.

Porto Alegre: Betina Worm (PL), vice de Sebastião Melo (MDB)

Na capital gaúcha, o PL filiou uma tenente-coronel da ativa do Exército que nunca disputou eleições na mesma convenção em que a apresentou como candidata a vice de Melo — com presença de Bolsonaro –, em sinal de que o principal ativo de Worm na campanha é sua experiência militar.

A aliança do prefeito com o partido vem de 2020, mas o repeteco chegou a ser ameaçado durante um racha na legenda que culminou na desfiliação de seu vice-prefeito, Ricardo Gomes, e na chancela de Valdemar Costa Neto a uma candidatura própria do PL na cidade. Melo articulou e reconquistou o apoio do partido, com a garantia da vice.

Campo Grande: Coronel Neydi (PL), vice de Beto Pereira (PSDB)

Neidy Nunes Barbosa foi subcomandante, comandante e coronel da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul até ingressar no PL e ser indicada a vice por intervenção de Bolsonaro, que afirmou: “Vem da minha cota”.

A benção do político consolidou uma improvável aliança de seu grupo com o PSDB. Alvo de ataques históricos do bolsonarismo, os tucanos deixaram o passado de lado para contar com o espólio eleitoral do ex-presidente em Campo Grande, onde ele teve 62% dos votos no segundo turno de 2022, para bater Adriane Lopes (PP), que busca a reeleição.

Boa Vista: Marcelo Zeitoune (PL), vice de Arthur Henrique (MDB)

No terceiro caso de um prefeito do MDB que recorre à aliança com o bolsonarismo em busca da reeleição, Arthur Henrique terá como companheiro de chapa mais um militar que embarca na política por meio da “cota pessoal” do ex-presidente: tenente-coronel do Exército, Zeitoune é médico ortopedista e, segundo o jornal Folha de Boa Vista, teve Bolsonaro como seu paciente.

As patentes como ativo eleitoral

Para entender os significados e impactos de um movimento em que policiais e membros das Forças Armadas assumem um papel relevante na formação de chapas e alianças políticas, o site IstoÉ entrevistou Lucas Pereira Rezende, professor do departamento de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e diretor de publicações da Revista Brasileira de Estudos da Defesa.

“Não houve recuo na relação entre militares e a política”. É evidente que, após as denúncias de envolvimento do alto comando militar numa tentativa de interromper o regime democrático e de militares da ativa em crimes comuns, houve um desgaste de imagem. Mas, nas eleições, o protagonismo militar tem voltado com muita força, e não me parece haver nenhum esforço político para estabelecer restrições a essa atuação.

“Patentes são usadas como ativo político”. Essa utilização funciona do ponto de vista eleitoral, visto que tem gerado resultados positivos nas urnas, mas é uma ilegalidade — o uso é proibido pelo estatuto militar. Como a Justiça Eleitoral trabalha com a autodeclaração do nome para o registro da candidatura e não há uma relação com a Justiça Militar, essa restrição não funciona na prática.

“Relação beneficia Bolsonaro e militares”. O ex-presidente representou as causas dos militares e policiais em sua carreira parlamentar, e teve a viabilidade de sua candidatura presidencial construída nas casernas e batalhões. Para as Forças Armadas e policiais, por sua vez, a relação também é ótima: essas instituições estão se mobilizando para ações políticas e encontram no bolsonarismo um lugar para concretizar essas ambições.