O procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contra a abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal para apurar se o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) cometeram crime de obstrução de Justiça no âmbito das investigações sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes.

O pedido de investigação partiu da Associação Brasileira de Imprensa, após Bolsonaro ter dito publicamente que obteve gravações de chamadas feitas no dia da morte de Marielle entre a portaria e as casas do condomínio Vivendas da Barra – onde mantém residência no Rio de Janeiro – antes que elas tivessem sido “adulteradas”.

Naquele dia, 14 de março de 2018, Elcio Queiroz, suspeito do assassinato, visitou o condomínio. Segundo registro feito por um porteiro, Elcio teria dito que iria à casa 58 – que pertence ao presidente – mas destinou-se à casa de Ronnie Lessa, outro suspeito do duplo homicídio. O funcionário do condomínio, depois, voltou atrás no depoimento.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, requisitou o parecer da Procuradoria sobre o pedido da associação pela apuração de uma suposta obstrução de Justiça por parte do presidente. O procurador-geral, Augusto Aras, no entanto, afirmou que “a noticiante não trouxe aos autos indícios mínimos da ocorrência de ilícito criminal”.

“O fato de um condômino ter o eventual acesso à cópia dos áudios da portaria do local onde reside consiste em mero exercício de direito, na medida em que possui o domínio ou posse – embora não exclusivamente – sobre os bens de uso comum (art. 1.335 do Código Civil)”, escreveu Augusto Aras.

O procurador-geral afirmou também que os “arquivos de áudio a que alude já se encontram, há muito, sob a guarda das autoridades competentes – Ministério Público e autoridade policial -, tendo havido a análise técnica do seu conteúdo antes mesmo dos fatos noticiados”.

Acesso

As circunstâncias em torno da visita de Elcio Queiroz ao condomínio Vivendas da Barra no dia 14 de março de 2018 entraram no debate público após uma reportagem da TV Globo publicada no fim de outubro mostrando que um porteiro registrou que o destino de Elcio era a casa de Bolsonaro.

O porteiro disse à polícia ter interfonado para a residência 58 e ouvido a voz do “seu Jair”. Em depoimento posterior, o porteiro Alberto Mateus afirmou que se enganou.

Um dia depois da exibição da reportagem, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, exibiu arquivos obtidos por ele na portaria em que não havia registros da ligação mencionada pelo porteiro à polícia. O Ministério Público do Rio, numa entrevista coletiva, afirmou que uma perícia nas gravações da guarita mostrou que a voz que autorizou a entrada de Élcio pertence a Lessa, que morava na casa 66. Ambos estão presos.

Jair Bolsonaro disse que pegou os áudios das comunicações do condomínio feitas naquela data “antes que fosse adulterado”. Bolsonaro era deputado federal e se encontrava em Brasília naquele dia, segundo registros da Câmara dos Deputados.

“Nós pegamos (os áudios) antes que fosse adulterado, pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de ano. A voz não é minha”, disse Bolsonaro no início de novembro. Um dia depois, após ser criticado pela oposição, o presidente disse que “não quer adulterar nada” e que é “má-fé ou falta de caráter” acusá-lo de manipular as investigações sobre a morte de Anderson e Marielle.

O pedido de investigação feito pela Associação Brasileira de Imprensa cita como “temerário o acesso protagonizado pelo presidente e pelo vereador aos elementos probatórios”.

Além da abertura de investigação, o órgão pediu que o Supremo determinasse busca e apreensão do computador ou da base de dados em que estão armazenadas as gravações e imagens para realização de perícia. Com a posição contrária da PGR, no entanto, a tendência é o pedido ser arquivado.