Nos últimos anos, a criação de campeãs nacionais, estratégia dos governos petistas de criar grandes empresas com estrutura para se tornarem globais, foi o principal objetivo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A iniciativa, porém, fracassou. Grande parte dos nomes das beneficiadas pelo banco estatal com generosos desembolsos apareceram, ano após ano, em pedidos de recuperação judicial, além de se tornarem protagonistas de grandes escândalos de corrupção, como a construtora Odebrecht e o frigorífico JBS. Ainda assim, o BNDES só começou a ser mais criterioso na concessão de empréstimos no ano passado, quando Maria Silvia Bastos assumiu a presidência do banco a pedido do presidente Michel Temer (PMDB). Desmontando a “caixa preta” da instituição, ela deu início a uma guinada estratégica durante sua gestão de um ano. Cabe agora a Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do IBGE e novo presidente da instituição, definir os novos rumos do banco.

Maria Silvia Bastos chegou à presidência do BNDES defendendo uma posição mais “seletiva” do BNDES em relação aos financiamentos. Reduziu os empréstimos reajustados pela TJLP (taxa de juros de longo prazo, mais baixa do que as cobradas pelo mercado) e argumentou que o dinheiro mais barato deveria ser destinado a micro, pequenas e médias empresas e projetos com viés social ou de inovação. Essa, aliás, sempre foi uma crítica de economistas e especialistas sobre a política do banco: a concessão de crédito a médias e grandes empresas que já teriam acesso a recursos para se financiar. O mercado, é claro, reagiu. O desembolso do banco teve queda de 35% em 2016. A escolha de Temer por Rabello, no entanto, mostra que não deve haver grande mudança nas políticas que já haviam sido anunciadas pelo banco na gestão de Maria Silvia. O novo presidente, autor dos livros “O Mito do Governo Grátis” ou “A Crise do Bom Patrão”, já afirmou que o BNDES deve privilegiar pequenas empresas e que “os empresários têm razão de chorar, mas se vamos atender ou não é outra história”. Rigoroso, Rabello atuou até o ano passado como diretor-presidente da SR Rating, classificadora de risco que nunca deu grau de investimento ao Brasil – o que outras classificadoras de risco internacionais já fizeram.

Mudanças

“Faz tempo que estamos ouvindo que o BNDES vai mudar, vai diminuir a sua participação em investimentos e, na prática, isso não acontecia. Agora, finalmente vai acontecer”, afirma Marina Anselmo, sócia do escritório de advocacia Mattos Filho. Isso acontece por vários motivos. O primeiro, a nova política para os juros cobrados nos empréstimos concedidos pelo banco: a criação de uma nova taxa, mais alta e equivalente à praticada no mercado, e que implica na redução dos subsídios. O segundo é a entrada de investidores internacionais, bancários e do mercado de capitais, que devem oxigenar o cenário de investimentos no Brasil. O terceiro é bastante simples: em relação aos últimos anos, o dinheiro minguou. Em uma das medidas de ajuste fiscal do governo, o BNDES devolveu R$ 100 bilhões ao Tesouro no ano passado.

Sob a gestão de Paulo Rabello, BNDES deve priorizar investimentos industriais e a retomada da economia (Crédito:Divulgação)
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Ainda na gestão de Bastos, o banco também passou a priorizar algumas áreas para investimento. No caso do setor de infraestrutura, por exemplo, os projetos de saneamento básico e mobilidade urbana tem condições de empréstimo mais favoráveis que os projetos de transmissão e distribuição de energia. “Isso deixa outras alternativas de financiamento mais viáveis”, afirma Marina Anselmo.

A ideia da criação de “campeãs nacionais” tampouco deve continuar existindo. “Esse projeto não faz sentido algum em termos de eficiência econômica”, afirma Vladimir Teles, vice-diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. “O BNDES serve para promover desenvolvimento, fornecendo crédito para empresas pequenas que não o tem, enquanto os campeões são grandes companhias que já tem acesso a ele.” Segundo Teles, a concessão de crédito a essas corporações faz com que elas aumentem seu poder de monopólio, o que é prejudicial para o consumidor e ao crescimento econômico.

Sob o comando de Rabello, o banco estatal pretende triplicar o valor dos empréstimos para capital de giro de pequenas e médias empresas. “O BNDES tem que olhar para o interior do País, para as prioridades ligadas ao desenvolvimento da produção interna”, avalia o economista Carlos Lessa, ex-presidente da instituição. “É natural que o Brasil ocupe posição central no comércio de carne mundial. O banco tem que atuar em relação às carências nacionais.” O principal desafio de Rabello é o de reanimar o setor produtivo do País, o que afirmou que fará, priorizando os investimentos industriais e a retomada da economia – deve deixar claro, no entanto, que a única campeã será a economia brasileira.