Como se não bastassem os problemas internos que vão explodir logo após o fechamento das urnas no domingo — dívida fora de controle, inflação, desemprego e fim do auxílio emergencial —, o governo Bolsonaro está dedicado a criar desastres também na frente externa. Na última semana, o deputado Eduardo Bolsonaro e as milícias bolsonaristas lideradas por ele partiram para mais um ataque contra a China, nosso principal parceiro comercial. Por meio de uma rede social, o filho 03 acusou o Partido Comunista da China e empresas chinesas de praticarem espionagem e defendeu a iniciativa dos EUA de criar uma aliança internacional que discrimina a tecnologia 5G da Huawei, líder mundial na área. A agressão foi repudiada pelo governo chinês e deu início a uma nova crise diplomática.

PÁRIA Ernesto Araújo exalta o isolamento e ataca a China. Para negociar com Joe Biden, Bolsonaro pode rifá-lo (Crédito:Bruno Santos)

A temperatura já tinha subido no dia 10, quando o Itamaraty anunciou a adesão ao “Clean Netword “ (rede limpa), programa do governo Trump que visa impedir que outras nações adotem a tecnologia da gigante chinesa. Em seguida, trocou o comando do Departamento de China no ministério. Os argumentos ligados ao interesse estratégico e à segurança nacional para afastar os chineses são risíveis vindos de um governo que não conseguiu nem garantir energia elétrica para um dos estados da Federação por quase um mês. Com a nova investida de propaganda do clã Bolsonaro, fica sacramentado o desatino. Além do óbvio contrassenso de seguir a iniciativa de um presidente em fim de mandato, que foi derrotado nas urnas e terá suas diretrizes enterradas pela nova administração, o governo brasileiro também compromete a chegada da nova tecnologia que vai revolucionar a indústria e as comunicações.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quer tirar Eduardo Bolsonaro da Comissão de Relações Exteriores e criar uma comissão para o 5G

Cerca de 40% dos equipamentos utilizados pelas operadoras brasileiras, que poderão ser aproveitados para o 5G, já são da Huawei, que tem preços menores e condições mais vantajosas. Por isso, essas empresas torcem para que o jogo de cena ideológico não prospere. Refazer a infraestrutura para agradar o trumpismo terá um custo enorme que diminuirá ainda mais a competitividade nacional. Afastar a China também comprometerá a participação das companhias nas cadeias mundiais de produção e colocará em risco o agronegócio. Este ano, a China respondeu por 33,5% das exportações do Brasil, com um saldo de US$ 58,5 bilhões. Mas isso não importa para o bolsonarismo.

A desfaçatez do filho do presidente, feita sob medida para mobilizar a base ideológica do governo, alarmou a ala militar. O vice, Hamilton Mourão, que a duras penas tenta criar pontes com o país asiático, ficou vendido. Até o general Augusto Heleno (GSI), que está entre os fardados mais próximos do bolsonarismo, reprovou a traquinagem.

China pode retaliar

A repercussão fez Eduardo Bolsonaro apagar a mensagem, mas o estrago já estava feito. Pela primeira vez, o governo chinês ameaçou concretamente partir para retaliações comerciais. “Tais declarações infundadas não são condignas com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara”, disse a embaixada, citando a posição do filho do presidente, que agora está ameaçada. “Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China, e evitar ir longe demais no caminho equivocado. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas”, afirmou a nota. O Itamaraty agravou o conflito ao dizer que as críticas ao filho do presidente foram “ofensivas e desrespeitosas”. O mal-estar chegou ao Congresso. “Até quando vamos dar asas a esse irresponsável? O pior é que o pai nada faz. Estão colocando em risco o País com essa ideologia insana”, disse o deputado Fausto Pinato, presidente da frente parlamentar Brasil-China. “Eduardo Bolsonaro vive cometendo desatinos e envergonhando o Parlamento perante parceiros históricos, como a China. Sua declaração joga luz à necessidade urgente de destituí-lo da presidência da Comissão de Relações Exteriores”, disse o deputado Rubens Bueno, vice-presidente do Cidadania. “Ele não estudou a lição básica sobre diplomacia. Não pode trabalhar contra o Brasil do jeito que está fazendo”, afirmou a deputada Perpétua Almeida, que já foi presidente do colegiado.

Devido à pandemia, o filho do presidente só tem autorização da Casa para se manifestar em questões administrativas da Comissão, que está com os trabalhos paralisados. Como desrespeitou as regras e criou uma nova crise, Perpétua pedirá ao plenário a sua destituição, iniciativa que conta com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Os deputados também preparam a instalação de uma comissão especial que vai acompanhar o leilão da tecnologia 5G no Brasil. Perpétua já ganhou o aval de Maia para presidir o novo colegiado. É bom que a Câmara reaja. Governos visionários antecipam mudanças geopolíticas e reorientam suas ações para fortalecer o comércio e ampliar a influência internacional. Mas Bolsonaro pratica o exato oposto. Apega-se a uma ordem global disruptiva e antidemocrática que está acabando. O mandatário ainda está em negação com o afastamento de Donald Trump, seu último fiador internacional. Restará como o único líder populista de extrema direita entre as grandes nações.

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