A Internet das Coisas atualmente já conecta lâmpadas, geladeiras, microondas e outros objetos. Mas pra onde vai essa tendência? Qual o killer app que vai popularizar o conceito? E as smart cities, como ficam? Conversamos sobre esses e outros assuntos com José Palazzi, diretor-sênior de vendas da Qualcomm para a América Latina. Confira o bate-papo.

José Palazzi, da Qualcomm (Crédito:Divulgação)

Quando falamos de IoT no lado do consumidor, normalmente falamos de casas conectadas. Mas esse papo de “acende a luz, apaga a luz” aparentemente não é suficiente para popularizar o conceito. Está faltando um killer app?

O que acontece nesse segmento hoje é uma combinação de coisas interessantes. Quando os assistentes de voz apareceram, eram uma verdadeira coqueluche, uma esperança de que o usuário fosse requerer gradativamente features novos ou novas formas de uso.

Mas realmente, se não houver killer apps ou algo que puxe o mercado, o usuário tende naturalmente a ficar em uma zona de conforto. “Compro a lâmpada e falo ‘Ok Google liga a lâmpada’, e só.

Então, começamos agora a ter novas aplicações de IoT. Temos TVs que usam comandos de voz para trocar de canal. Temos aqui no Brasil câmeras que ‘sabem’ o que é uma porta aberta, uma porta fechada. Ao ponto do usuário perguntar para o assistente de voz o seguinte: ok Google, eu deixei a porta da sala aberta ou fechada? E ele poder dizer a porta estava aberta, sem precisar instalar um sensor na porta. Pode-se ainda usar o assistente para abrir a porta, remotamente. Com isso, a indústria de fechaduras aqui no Brasil já começa a fazer fechaduras que tenham este recurso.

E o que podemos esperar da evolução destes equipamentos?

Há mais coisas pelo caminho, Aqui em casa tenho um protótipo que batizamos internamente de Jarvis.

Ele é é um espelho. Eu converso com ele e posso fazer perguntas de assistente de voz. O Jarvis tem uma câmera, e eu ‘ensinei’ para ele o que é um padrão de janela aberta, de janela fechada. Eu dei para ele skills como, por exemplo, ‘checa no Google se vai chover hoje’.

Então eu ensinei para ele um padrão que diz o seguinte: se a previsão é de chuva, ele vai me dizer ‘sua janela está aberta e hoje vai chover’. Está entendendo onde a gente quer chegar? Ou seja, acredito que a definição do IoT é máquina conversando com máquina, a máquina local e a máquina em nuvem. Essa ‘conversa’, vai melhorar a qualidade de vida do cidadão.

A máquina vai aprender meus padrões, e eu não vou precisar perguntar se vai chover. Ela vai me dizer e me aconselhar a tomar providências, ou ela mesma tomar as ações adequadas.

Então, voltando à questão do killer app, o potencial aí está no uso da visão computacional agregada aos assistentes de voz sistemas para que se traga conforto ao usuário, que vá além do controle remoto. O potencial surge quando o equipamento começa a entender seu comportamento e vai trazer o conteúdo na medida do que você precisa.

Nessa visão, os equipamentos levam as informações até você ao invés de toda hora você precisar ficar pedindo.

Sim, é por aí. E tem ainda um grande avanço nessa ideia. Em um primeiro momento, imaginava-se que a gente ia precisar ter um monte de sensores pra tudo, como sensor de fogo, sensor de calor etc. Hoje, porém, todas essas capacidades de sensor estão sendo tranferidas para a câmera. Por meio de visão computacional, a câmera ‘sabe’ por exemplo se a porta está aberta, se há fogo no ambiente, se há pessoas na sala. Com isso, ela substitui uma série de sensores que seriam necessários para detectar essas situações. Isso simplifica muito a instalação e o uso dos acessórios.

Há ainda um outro aspecto. Creio que o IoT do futuro não vai ser baseado em trocar gadgets a toda hora. O que acho que ocorrerá é que as pessoas vão começar a ‘educar’ suas máquinas de IoT, ao longo do tempo. Com auxílio da nuvem, os acessórios ficarão ‘mais inteligentes’, sem a necessidade de troca. Tendo o processamento distribuído um pouco aqui um pouco na nuvem, o céu é o limite.

Esse processo de ‘educação’ dos equipamentos, do lado da indústria tem também uma questão de tornar esse processo o mais simples possível. Para que essa educação não seja um fardo pras pessoas.

Sim, sem dúvida. Voltando ao exemplo do Jarvis e da janela aberta, não há uma linha de código pra isso. É tudo intuitivo conversando com ele. Quando você começa a fazer isso muitas vezes, a máquina aprende.

Indo para o tema smart cities. É um tema mais complexo, por conta de escala e questões regulatórias. Recentemente o Google cancelou um projeto ambicioso de smart cities em Toronto, em parte por resistências de setores da sociedade preocupados com a privacidade dos dados. Como você vê esse aspecto?

Esse é um ponto delicado. As pessoas têm direito a privacidade. Isso é uma questão muito séria principalmente quando falamos de imagem.

Essas câmeras que mandam foto pra nuvem para comparar com uma tabela, pra dizer se você pode entrar naquele prédio, pra dizer eu encontrei alguém na rua, esse é um problema sério. É possível que alguém levante a mão e diga ‘eu não dei o direito de usar o meu nome’.

Por isso, acreditamos que o futuro dos sistemas de imagem de segurança é ter inteligência na câmera, e não na nuvem. Se você entra num prédio e tiram uma foto sua e mandam essa foto pra nuvem, quem garante que essa foto não vai parar em lugar nenhum? Esse é seu receio como cidadão que pode naturalmente virar e falar assim: opa, eu não quero autorizar o uso da minha imagem.

Mas, se eu tiro uma foto sua apenas para ser usada naquele local, e haja um aviso dizendo o seguinte: “Todo o material aqui gerado está sendo usado dentro do estabelecimento. Não vai pra nuvem”. Aí é outra situação. Eu posso ainda mandar apenas a informação: “o André passou aqui hoje as 5:33 do dia 28/7”, sem a foto. Então a visão é que em alguns casos a inteligência não esteja na nuvem, mas sim no local.

Ainda nesse tema de smart cities, com relação a conversas com poder público, com administrações de cidades, que tipo de aplicações têm despertado mais interesse?

Por incrível que pareça, não é encontrar pessoas, não é Big Brother. Vemos que as municipalidades, os governos, estão interessados em trazer qualidade de vida à população pelo uso da tecnologia.

Um exemplo. Uma câmera que hoje monitora se existem carros naquele cruzamento, também observa se o farol acende 1 minuto no vermelho, 30 segundos no amarelo e 1 minuto no verde. Se algum deles não acontecer, como a câmera aprendeu aquele padrão, ela reporta uma mensagem dizendo: queimou aquele farol, vai lá e conserta ou por exemplo. Isso já está sendo testado.

Outro exemplo são lâmpadas inteligentes de rua, que aprendem a ligar ou baixar o brilho quando não tiver ninguém e voltam a um brilho maior quando tá passando gente.

Também já há em testes câmeras que detectam ambulâncias e podem mudar a prioridade dos sinais de trânsito, para facilitar o caminho da ambulância. Então a mesma câmera que conta os carros, também é usada para monitorar sinais, alertar para manutenções. Assim, o investimento passa a ser mais justificável, na medida que mais tarefas possam ser feitas com aquele dispositivo.

Pelo visto então o maior interesse da área pública está nessas tarefas de governança das cidades. Até porque nessas funções não é necessário identificar indivíduos, o que simplifica questões jurídicas e de privacidade.

Sim, é por aí. Um outro exemplo. Nesses tempos de pandemia, uma necessidade é detectar a temperatura das pessoas. E tem havido uma demanda recente por câmeras térmicas, para uso em fábricas, por exemplo. Essas câmeras não reconhecem o rosto de ninguém, mas podem identificar que em um determinado local há muitas pessoas com temperatura acima da média. É uma informação importante para tomada de decisão na área de saúde.

Essas câmeras podem ser usadas em restaurantes, por exemplo. Para identificar se um cliente está com febre, sem ter que usar aquele medidor na mão do funcionário. Ela não vai tirar uma foto dele, mas um funcionário do restaurante pode avisar ao cliente que ele está com uma temperatura acima do normal.

No ano passado, a Qualcomm anunciou um fundo para startups de IoT em conjunto com o BNDES. Como está essa iniciativa?

Esse fundo tem como objetivo apoiar startups brasileiras de IoT. Até o presente momento, o fundo tem 40 milhões de reais, mas temos interesse em captar outros participantes e fazer o fundo chegar a quatro vezes esse valor.

Ainda não temos as startups selecionadas, mas estamos de olho em alguns segmentos. Alguns deles são o agronegócio, automação industrial e transporte, soluções de logística.