A aprovação da PEC que autoriza uma nova rodada do auxílio emergencial afastou uma crise de confiança na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas as principais medidas de controle das despesas que ficaram no texto – aprovado em dois turnos pelo Senado – viraram muito mais uma promessa de ajuste fiscal para o futuro.

A proposta foi aprovada com perdas e ganhos em relação ao projeto inicial de Guedes, que pretendia atrelar a concessão do auxílio a um novo regime fiscal capaz de sinalizar a sustentabilidade das contas públicas.

Se por um lado Guedes e sua equipe tiveram uma vitória ao conseguir implodir a tentativa de retirar o Bolsa Família do teto de gastos, por outro houve prejuízo no acionamento dos chamados “gatilhos” de corte de despesas em caso de novo decreto de calamidade. Os danos nessa frente afastaram qualquer possibilidade de um ajuste mais significativo para compensar o aumento do endividamento para bancar medidas de combate à pandemia.

Pela proposta aprovada, União, Estados e municípios são obrigados a adotar os gatilhos somente durante a duração da calamidade, e não mais pelos dois anos seguintes como queria a equipe econômica. Com isso, a possibilidade de estender o congelamento dos salários dos servidores, garantido apenas até o fim de 2021, fica afastada. O revés veio após intensa articulação política de várias categorias do funcionamento junto ao Senado.

Outro ponto negativo apontado por economistas é que, mesmo pelo lado da emergência fiscal, o ajuste ficou mais distante no horizonte. A referência para o acionamento automático dos gatilhos que ajudarão a cumprir o teto é considerada elevada: é preciso que despesas obrigatórias alcancem 95% dos gastos totais. Hoje, esse patamar está em 93,4%. A previsão do próprio Tesouro é que o nível de 95% só deve ser atingido em 2024, com acionamento dos gatilhos em 2025.

“É uma promessa de ajuste de futuro. Tem de ver se isso vai se concretizar”, avalia o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal do Ibre/FGV. Pires ressalta que Guedes fez uma aposta muito grande na necessidade da PEC em troca de dar o auxílio e, ao final, correu o risco de arranhar a credibilidade se nenhuma medida fosse aprovada. “O ajuste fiscal ficaria muito desacreditado.”

Além de o “sarrafo” de 95% para acionar os gatilhos do teto ter ficado alto, a regra tampouco resolveu o problema crescente do achatamento das despesas discricionárias, que incluem o custeio da máquina e os investimentos e são alvo de cortes quando as obrigatórias crescem em ritmo mais acelerado.

Os especialistas alertam que há um risco não desprezível de se chegar a uma situação insustentável de funcionamento da máquina sem que as medidas de ajuste tenham sido disparadas. A criação de mais um regra fiscal também é apontada como um ponto negativo.

“É preciso ter claro que a aprovação da PEC não vai produzir ajuste fiscal de imediato”, reforça o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto. “(O texto) Não produz um ajuste fiscal que possa ajudar a complementar o teto de gastos nos próximos quatro a cinco anos.” Ainda segundo ele, sob essa proposta, a dívida pública vai continuar crescendo.

O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, também critica o fato de o ajuste ter ficado muito para frente. “Fez tudo isso (a PEC para ter o auxílio) para ter gatilhos e não vai ter os gatilhos”, diz. Apesar disso, ele reconhece que a autorização para Estados e municípios usarem as ferramentas de ajuste quando suas despesas correntes chegarem a 95% das receitas correntes, sem necessidade de recorrer aos Legislativos locais, é um importante mecanismo de via rápida para ajustes. Embora a regra seja facultativa, há um incentivo para adotá-la: a possibilidade de aval do Tesouro em empréstimos mais baratos.

‘Manobras fiscais’

A PEC também tem o mérito de pôr fim a manobras feitas por Estados e municípios para maquiarem despesas com pessoal e cumprir artificialmente os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A “criatividade contábil”, feita com apoio de Tribunais de Contas, abriu uma verdadeira avenida para reajustes dentro dos orçamentos estaduais e municipais, resultando em brutal aumento na folha de salários na última década. A PEC harmoniza os conceitos para o cálculo das despesas com pessoal, adotando os critérios definidos pelo Tesouro.

Com larga experiência em texto legislativo, Mendes afirma que a proposta, ao prever os gatilhos de ajuste em situações de calamidade nacional, criou ao mesmo tempo uma série de exceções sob uma redação que “vai dar pano para manga em interpretação”.

Mendes lamenta a retirada do dispositivo que permitiria a governadores e prefeitos fazerem bloqueios em despesas do Legislativo e Judiciário em caso de frustração de receitas, algo que já é feito na União por meio de acordo entre os Poderes. Nos Estados e municípios, esse tipo de acerto é difícil, e o Executivo local acaba arcando sozinho com os cortes, levando a situações em que sobra dinheiro no caixa do Judiciário, por exemplo, mas professores estão com salários atrasados.

Uma medida que divide opiniões é a previsão de um programa de corte de metade das renúncias tributárias (hoje em 4% do PIB) em oito anos. “Isso é totalmente inócuo, não ajuda em nada, atrapalha. Não vão mandar esses projetos”, prevê Mendes. Para ele, o fato de colocar na Constituição não obriga o presidente a enviar a proposta de redução das isenções. Ele destaca que as exceções previstas na PEC, de incentivos que não fazem parte da meta de redução, chegam a quase metade do total de renúncias, o que concentra o corte em todo o resto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.