Jair Bolsonaro fez mimimi ontem nas redes sociais. Ninguém é de ferro.
Ele reclamou do tratamento que recebe da imprensa e dos adversários: “Se nada faço, sou omisso. Se faço, estou pensando em 2022”. Também cobrou dos críticos soluções para que os milhões de brasileiros atingidos pela paralisação da economia na crise da Covid-19 recebam alguma espécie de apoio do governo, uma vez que o plano de dar calote em precatórios e cortar recursos da educação para financiar o Renda Cidadã foi bombardeado por todos os lados.
Na verdade, há uma solução simples para o dilema do pobre e incompreendido Bolsonaro. Basta… fazer a coisa certa.
Como mexer no teto de gastos virou tabu no governo (um dos “trilhos do Ministério da Economia”, segundo a mesma postagem do presidente) só restam duas alternativas que não envolvam calotes e pedaladas fiscais: cortar despesas de custeio do governo e reestruturar programas sociais.
Cortar despesas de custeio de maneira relevante significa mexer na remuneração dos funcionários públicos. Como essa é uma categoria com bastante força política, é preciso coragem para enfrentá-la. Bolsonaro não mostrou essa coragem. Ficou meses sentado sobre o projeto de reforma administrativa preparado por sua equipe econômica, e quando finalmente o enviou ao Congresso, repetiu mil vezes que não pretendia mexer com os atuais servidores.
Não é o comportamento de quem não está nem aí com a reeleição.
Bolsonaro ainda tem uma alternativa para reduzir os custos da máquina pública no curto prazo. Ele pode se transformar no garoto propaganda da PEC Emergencial, que já está no Congresso. Diante do cenário de calamidade fiscal, ela autoriza o governo a tomar medidas como congelamento de salários, a suspensão de contratações e concursos, e o corte de jornada de trabalho com a redução proporcional da remuneração (como aconteceu na iniciativa privada durante a pandemia).
Mais uma vez, requer coragem. Requer não pensar em 2022. Será que o “desapegado do Planalto” realmente está disposto a isso?
O debate sobre a reestruturação de programas sociais foi interditado por Bolsonaro no dia em que ele deu piti em um vídeo, dizendo que não aceitaria “tirar de pobres para dar a paupérrimos” e que não queria mais ouvir falar em Renda Brasil – o atual Renda Cidadã.
Essa reformulação, no entanto, já vem sendo pensada há muito tempo por economistas competentes, gente que passou a vida estudando programas sociais – ao contrário de Bolsonaro e Paulo Guedes, que costumavam sacar o revólver cada vez que alguém falava em assistencialismo perto deles.
Há boas propostas na praça. Citemos apenas uma delas, divulgado há quinze dias pelo Centro de Debate de Políticas Públicas. Ela propõe a fusão do Bolsa Família com outros benefícios pouco eficientes, como o seguro defeso e o salário-família. Estima-se que R$ 57 bilhões ficariam disponíveis dessa maneira.
Adotar uma solução desse tipo pede cuidado e habilidade técnica. São duas características pelas quais Bolsonaro não é conhecido. Sem saber direito onde está pisando, ele só pode reagir com medo e irritação, diante da perspectiva de prejudicar gente vulnerável com um trabalho mal feito e pagar o preço em popularidade.
A rigor, existe uma terceira possibilidade para o governo Bolsonaro: propor uma discussão honesta sobre a flexibilização do teto de gastos. Se ela viesse acompanhada de indicações inequívocas de que o governo vai acelerar a reforma administrativa e a reforma tributária, poderia haver alguma boa vontade. Venho martelando essa tese há algum tempo. Mas Paulo Guedes não quer. E da parte de Bolsonaro demandaria, adivinhem, coragem.
PS: O caos americano é melhor do que a chatice brasileira – O debate entre os candidatos presidenciais americanos Donald Trump e Joe Biden, que aconteceu na noite desta terça-feira, foi muito criticado por ser “caótico”. Prefiro aquele caos à forma estéril de debate que foi adotada no Brasil por pressão dos marqueteiros políticos. Essa fórmula procura eliminar todos os riscos de um escorregão dos candidatos. O que sobra são falas decoradas e cronometradas, que pouco informam e animam ainda menos. O debate americano deixou Trump e Biden mais livres para mostrar quem são. Mesmo as interrupções constantes de Trump durante as falas do adversário carregavam uma mensagem. E não é verdade que não sobrou espaço para alguma discussão sobre temas como saúde, segurança e meio ambiente. Não foi um espetáculo bonito – mas tampouco passou em branco, como é comum no Brasil.