O presidente Jair Bolsonaro considera-se um grande líder. Justo ele, um grande líder? A explicação está em uma das mais elaboradas composições de Caetano Veloso e Gilberto Gil: “Narciso acha feio o que não é espelho”. O capitão Bolsonaro é narcisista. Narciso agora sem o espelho do lago da grande popularidade, mas continua narcisista. Ainda no campo de ele se achar um gênio da liderança, recordemos também de uma boa frase do general norte-americano Herbert Norman Schwarzkopf Jr., que comandou as forças internacionais de coalizão que atuaram contra o Iraque: “noventa e nove por cento das falhas de liderança são falhas de caráter”. Ou seja: da música ao militar citados conclui-se, pelo encadeamento lógico do raciocínio, que Bolsonaro é um péssimo líder. Bastam dois exemplos: olha somente para o próprio umbigo (narcisismo) e dá de ombros (mau-caratismo) frente a morte de seiscentos mil brasileiros na pandemia. No mesmíssimo raciocínio e dentro da weberiana “racionalidade” científica “da ação social”, por que o País segue, então, com esse arremedo de líder? Por que foi tão pouco significativa a manifestação contra ele, convocada pelo “Vem Pra Rua” e “Movimento Brasil Livre”? A resposta ficou clarificada na dinâmica do próprio protesto que pediu o seu impeachment e o não retorno de Lula ao Palácio do Planalto. Senão vejamos: 1) a direita está dividida, e isso é bom para nós que defendemos a democracia, se pensarmos nas eleições do ano que vem. 2) a esquerda está dividida, e isso é igualmente bom para nós, democratas, na perspectiva eleitoral. 3) o centro, representativo da democracia e do liberalismo, também se divide, só que isso é ruim, se olharmos para o sufrágio que se aproxima. Por que é ruim? Mais uma vez a resposta é simples: porque o sonho de um Brasil melhor, de um Brasil inspirador da delicadeza social, de um Brasil estável politicamente, de um Brasil próspero na economia, de um Brasil dando aos brasileiros a dignidade de ter emprego e não viver na insegurança alimentar, esse Brasil não virá de nenhuma ala que não seja democrata e liberal em sua plenitude. Virá, e somente virá, com um candidato não narcisista, com um candidato não mau-caráter, com um candidato que seja eleito estaqueado em um programa que contemple verdadeiramente os valores republicanos e os direitos individuais. Por isso, a chamada terceira via tem de se unir, tem de construir a sua bandeira, compor o seu enredo, ir pra cima na avenida, ir pra cima de seus adversários da banda da direita e da banda da esquerda. O que se propõe, aqui, não é uma frente ampla reunindo centro e extremos para exigir o impeachment — que não sairá enquanto Arthur Lira estiver na função de presidente da Câmara dos Deputados. Propõe-se, isso sim, uma frente que englobe todas as tendências do próprio centro. Essa frente deve, o quanto antes, mostrar seu rosto. A direita dividida jogou Bolsonaro para a extrema-direita, poltrona política incômoda para quem a experimentou ao longo da vida republicana: Floriano Peixoto, no início da Velha República; Getúlio Vargas, com o seu erro narcísico do Estado Novo, sete anos após o salutar rompimento da aristocrática alternância de poder entre os prepostos do setor agrário de São Paulo e das Minas Gerais; o general Sylvio Frota, já nos derradeiros suspiros (para nossa festa e alegria) da ditadura militar. Ficou explicado, assim, porque é útil à frente centrista a divisão da direita. Vamos, agora, à esquerda dividida.

Ela se enfraquece com seus eternos desentendimentos internos, mas, de qualquer forma, gostará de ver Bolsonaro chegar às urnas porque, mesmo fracionada na práxis, poderá tirar proveito da polarização e exercerá o pragmatismo de tentar eleger o extremista Lula. Lula precisa de Bolsonaro e vice-versa. Com a licença de Glauber Rocha, aí não será “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, mas, sim, “O Diabo e o Diabo na Terra Sem Sol”. Deus nos acuda, Deus apiede-se de nosso corpo e alma se tivermos somente essas duas opções – Bolsonaro e Lula – para o futuro do País. Pelo que foi exposto, caros republicanos e caras republicanas, gente brava e boa desse Brasil, é preciso, é urgente, é indispensável, é missão histórica que todos os setores que traduzam o sentido ideológico do posicionamento ao centro esqueçam, nesse momento, de eventuais rusgas tão comuns na prática da vida pública. Mais: as-similem um grande ensinamento que salta da teoria sociológica para a realidade: em política as coisas nunca são, as coisas sempre estão sendo. Nada a ver com a oportunista adaptação que Karl Marx fez da dialética, colocando-a na camisa de força do materialismo histórico (vocês viram quem passou correndo?… É falar em camisa de força que Bolsonaro foge)… Mas voltemos ao que interessa, conservemos, cara leitora e caro leitor, o nosso foco — dispersar só ajuda a direita e a esquerda. Como dizíamos, em política as coisas não são, as coisas sempre estão sendo, e a terceira via carece de tal entendimento. Reiteremos: a frente deve envolver somente candidatos da própria terceira via, para lançar um nome com o apoio de seus demais integrantes. Essa compreensão é nascida de outra dialética, dessa vez saudável: a dialética hegeliana. Por meio dela chegaremos – superadas teses e antíteses – a uma síntese: a síntese definidora de quem concorrerá à incumbência de tocar o Brasil para frente. Tem de ser já, caso contrário não dará tempo de enterrar o radicalismo. O patriotismo e a nobreza daqueles que se propõem a liderar uma nação exigem que os membros do recorte político a que se chama centro vejam que do outro lado da praça há dois inimigos perigosos a pisotear a grama: o fascismo de direita e o totalitarismo de esquerda. Em ambos os casos o que existe é o “estadismo”, na terminologia da filósofa norte-americana Ayn Rand, quando ela dissertou sobre a intervenção do Estado nas atividades econômicas dos países. Para quem se dedica à política, o natural desejo de ser eleito presidente é o animus. Existem períodos, no entanto, nos quais o fantasma do retrocesso ameaça as instituições. Nesses instantes, a união de democratas com democratas, já no primeiro turno, é imprescindível. Ou seja: um candidato no bloco do centro, com apoio de todos os outros também de centro, reunirá maiores chances de derrotar Lula e Bolsonaro. A eleição de 2022 será atípica: não oporá homem contra homem, mas, sim, o Brasil de todos os brasileiros contra os usurpadores da res publica. Embora convocados pelo “Vem Para Rua” e “Movimento Brasil Livre”, que se declaram direitistas, era para aqueles que trazem o equilíbrio enquanto desideratum terem tomado conta dos protestos – e, isso, para o bem do Brasil. Esquerda e direita aparelham o Estado, o transformam em implacável Leviatã intervencionista nos direitos fundamentais dos indivíduos e na atividade econômica das nações. Abarrotam o Estado com burocratas, com os “intelectuais de gabinete” que inevitavelmente nos trazem à lembrança o filósofo, escritor e crítico literário norte-americano Rusell Kirk, autor de “The conservative mind” — concordemos ou não com seus conceitos. Por intermédio dos “intelectuais de gabinete” a eficiência técnica passa a não contar, eles são ideólogos disfarçados de ministros, bajuladores medíocres e oportunistas que se alinham aos regimes totalitários. É mister, mais que cortar o mal pela raiz, nem deixar formar a raiz. Kirk era conservador, queria certos freios no livre mercado, mas mantinha uma conceituação positiva em relação aos liberais clássicos e concordava com eles na necessidade de aniquilar a “ameaça da demagogia populista”. Falando-se em demagogia, falando-se em populismo, olhemos para a Itália, por exemplo, do início do século passado, logo após o término da Primeira Guerra Mundial. Corria o ano de 1919, e foi fundada a “Fasci Italiani di Combattimento”, integrada por veteranos do conflito — no intervalo de dois anos elegeu trinta e cinco parlamentares. Os democratas não ouviram os teóricos que lhes propunham a formação de uma frente, composta somente por indivíduos dessa mesma ideologia, ainda que tivessem discordâncias acadêmicas ou práticas. Foi assim, em meio à inação, que o genocida Benito Mussolini chegou em 1936 à chefia do governo. Deu no que deu. Kirk, apesar de seguir em alguns pontos a inflexível escola do conservadorismo de Edmund Burke – com o qual é impossível concordar, sobretudo no que diz respeito ao repúdio à Queda da Bastilha -, elegeu algumas importantes características que devem compor um líder. Dentre elas, estão: “limites sobre o poder”; “respeito à diversidade”; e “não narcisismo”.