O Papa Francisco inicia neste sábado (22), em Vilnius, uma viagem pelos Países Bálticos, radicalmente transformados desde a queda do comunismo, em um momento no qual a Igreja Católica enfrenta uma série de escândalos de pedofilia.

Em quatro dias, o sumo pontífice percorrerá Lituânia, Letônia e Estônia, países que ainda apresentam as cicatrizes das ocupações alemã e soviética.

“Esta visita reflete a ideia do papa de visitar as periferias mais do que os centros estabelecidos de poder e riqueza”, declarou à AFP o colunista lituano Donatas Puslys.

Além disso, essa viagem o levará muito perto da Rússia, cuja capital o papa quer visitar há anos, um projeto no qual a diplomacia do Vaticano trabalha arduamente.

Francisco visita os três Países Bálticos no centenário de sua independência, que obtiveram ao fim da Primeira Guerra Mundial.

O último século esteve marcado pela invasão nazista, que destruiu quase todas as comunidades judaicas, e a longa ocupação soviética.

A Igreja Católica, martirizada com centenas de padres detidos e deportados ao Gulag, teve um papel importante na resistência pacífica ao regime totalitário stalinista, sobretudo na Lituânia, onde, segundo o Vaticano, quase 80% dos 2,8 milhões de habitantes se definem como católicos.

Na Letônia não são mais do que 21% de uma população de 1,9 milhão, e na Estônia, 0,5% de seus 1,3 milhão de habitantes.

O papa quer “estar perto dessas igrejas perseguidas” no passado, afirmou na quarta-feira o seu porta-voz, Greg Burke.

– Antigo edifício da KGB –

“A Igreja foi uma fortaleza para todos os dissidentes, não apenas católicos. Resistiu à sovietização e defendeu os direitos dos fiéis”, afirmou a historiadora Terese Birute Burauskaite.

Francisco visitará duas celas e uma sala de execução do antigo edifício da KGB, a polícia política soviética, em Vilna, e rezará no memorial das vítimas do Holocausto.

O falecido papa João Paulo II visitou os Países Bálticos em 1993, dois anos após recuperarem a independência.

Desde então, foram incorporados à União Europeia, à zona do euro e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em um esforço para esquecer meio século de ocupação soviética.

Registraram um rápido crescimento econômico, mas também apareceram as desigualdades sociais e uma migração maciça dos jovens para o Ocidente, o que apresenta um sério problema.

Na Lituânia, o caráter católico do país é facilmente visto, com cruzes e capelas que povoam os campos. Além disso, a Igreja continua sendo influente na vida política.

Um exemplo é a sua oposição à ratificação da Convenção de Istambul contra a violência às mulheres, julgando que o texto propõe uma “ideologia de gênero” e poderia socavar a família tradicional.

Ainda assim, sua imagem se viu manchada atualmente pela crise mundial devido aos abusos sexuais dos sacerdotes contra menores de idade. O próprio papa foi fortemente criticado por ter ignorado, segundo seus críticos, as acusações contra um cardeal americano.

“Esses acontecimentos poderiam fazer sombra à visita do papa à Lituânia, pois a Igreja Católica não é uma comunidade local, mas global”, advertiu a socióloga Milda Alisauskiene.

– ‘Emoções pessoais’ –

“Mas os fiéis lituanos viverão, sobretudo, suas emoções pessoais quando virem o papa”, afirmou.

Na Letônia, um padre católico foi preso este mês ao ser acusado de estuprar uma pessoa com deficiência mental. Em março, a Igreja na Lituânia admitiu um caso de abuso sexual ocorrido nos anos 1970.

Se o papa decidir falar sobre essa questão, suas palavras serão ouvidas em todos os continentes.

Letônia, na segunda-feira, e Estônia, na terça, serão duas etapas particulares, pois os católicos são pouco numerosos e o sumo pontífice se reunirá com protestantes e ortodoxos. Na Letônia, os fiéis de Roma estão concentrados na região de Latgale, no sudeste do país. Lá, o papa visitará a Basílica de Assunção de Aglona, centro do Catolicismo do país.

Os 6.000 católicos estonianos esperam que a sua visita contribua para que o país possa ter o seu primeiro santo, o jesuíta alemão Eduard Profittlich, um bispo preso pelos soviéticos e condenado à morte, mas que faleceu em 1942 estando detido.

Se for finalmente canonizado, a comunidade católica estoniana provavelmente será a menor do mundo a ter o próprio santo.