Lucas Rizzi SÃO PAULO, 4 MAR (ANSA) – O papa Francisco inicia nesta sexta-feira (5) uma das viagens mais simbólicas – e perigosas – de seus oito anos no comando da Igreja Católica.   

Em plena pandemia do novo coronavírus, Jorge Bergoglio faz a primeira visita oficial de um pontífice ao Iraque e sua primeira viagem internacional desde novembro de 2019, com a missão de ser o terapeuta de um povo martirizado por anos de guerras, além de mensageiro de paz no berço das três grandes religiões monoteístas.   

“Vou como peregrino penitente para implorar do Senhor perdão e reconciliação depois destes anos de guerra e terrorismo, para pedir a Deus a consolação dos corações e a cura das feridas”, diz o Papa em uma mensagem aos iraquianos divulgada nesta quinta-feira (4).   

“Vou como peregrino de paz mendigando fraternidade, animado pelo desejo de rezarmos juntos e caminharmos juntos, incluindo os irmãos e irmãs de outras tradições religiosas, sob o signo do pai Abraão, que reúne numa única família muçulmanos, judeus e cristãos”, acrescenta.   

Vacinado com as duas doses da fórmula da Pfizer, Francisco embarca para o Iraque em um momento delicado da pandemia de Covid-19, com a comunidade científica ainda tentando entender o impacto das variantes do novo coronavírus e países correndo contra o tempo para imunizar suas populações.   

O Iraque, que não vacinou uma única pessoa até o momento, registrou na última quarta (3) seu maior número de casos em um único dia (5.173), segundo a Universidade Johns Hopkins, mas o Vaticano garante que não haverá aglomerações.   

Terra de Abraão – Viajar ao Iraque já era um sonho de São João Paulo II, que não pôde realizá-lo por questões de segurança, e também um desejo do próprio Francisco, que sempre dedicou mensagens ao país árabe em seus discursos e homilias.   

“Foi lá, segundo a Bíblia, que começou o mundo, a humanidade.   

Francisco está indo para o útero do mundo, onde aconteceram o dilúvio, os mitos da criação e de Abraão”, diz, em entrevista à ANSA, o professor Fernando Altemeyer Júnior, do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).   

Uma das etapas da viagem de Bergoglio, no sábado (6), é a planície de Ur, local que, segundo a tradição bíblica, é a terra natal de Abraão, o pai das três grandes religiões monoteístas: Cristianismo, Islã e Judaísmo. A planície será palco de um encontro inter-religioso presidido pelo Papa, logo após um reunião em Najaf com o influente clérigo xiita Ali al-Sistani.   

“Será um diálogo de altíssimo nível com o Islã lúcido. Ali se espera que ele diga de novo: ‘Fratelli tutti’ [‘Todos irmãos’, nome da última encíclica de Francisco]. Isso é muito importante para os islâmicos. Se ele então disser ‘somos todos filhos de Abraão’, será a chave de tudo”, acrescenta Altemeyer.   

De acordo com o professor, a oração do Papa na planície de Ur deve ser um momento simbolicamente tão forte quanto sua caminhada sozinho por uma Praça São Pedro vazia, em abril passado, devido à pandemia do novo coronavírus.   

“Todos esses encontros concretizam em palavras, gestos e ações o necessário e urgente diálogo ecumênico e inter-religioso na construção da fraternidade, tema tão caro ao papa Francisco em todo o seu pontificado. Todo esse profundo e rico simbolismo dá a marca dessa visita, na qual novos muros de divisão e discórdias serão desconstruídos, e novas pontes de diálogo e reconciliação serão abertas”, reforça o padre Marcus Barbosa Guimarães, assessor da comissão para ecumenismo e diálogo inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).   

Durante sua viagem, que termina em 8 de março, Bergoglio também passará pela capital Bagdá; por Irbil, no Curdistão iraquiano; por Mosul, antigo bastião do Estado Islâmico no país; e por Qaraqosh, maior cidade cristã no Iraque e também devastada pelo EI.   

Além dos diálogos com líderes de outras religiões, Francisco se encontrará com antigas comunidades do catolicismo oriental que estão em comunhão com a Igreja de Roma, mas celebram seus ritos de maneiras diferentes.   

Os católicos correspondem a 1% dos quase 40 milhões de habitantes do Iraque. Desse total, de acordo com uma pesquisa feita pelo professor Altemeyer, 258 mil seguem o rito caldeu; 54 mil, o rito siríaco; 5 mil, o rito latino; 1,6 mil, o rito armênio; e 400, o rito greco-melquita.   

Tensões – Hoje o Estado Islâmico não controla mais nenhum território no Iraque, porém o país ainda é um caldeirão de tensões que opõem não apenas grupos religiosos, mas principalmente potências geopolíticas.   

Há pouco mais de um ano, os Estados Unidos mataram o poderoso general iraniano Qassem Soleimani em um bombardeio no Aeroporto de Bagdá, enquanto Teerã reagiu com um ataque aéreo contra uma base americana no Iraque.   

Na última quarta, apenas dois dias antes da chegada do Papa, foguetes de fabricação iraniana atingiram outra base usada pelas tropas dos EUA no país árabe. “Essa visita é um ato muito corajoso que reforça a esperança em todos, especialmente nesses momentos de tantas polarizações e extremismos que estamos vivendo”, afirma o padre Guimarães.   

Para Altemeyer, a viagem de Francisco em plena pandemia e com o Iraque longe de estar pacificado expressa um sentido de urgência. “O Papa tem algumas urgências: Pequim, Moscou, o Iraque e aquela região, talvez até o Irã no futuro. Lugares por onde está passando o futuro da humanidade”, salienta.   

Segundo o professor, Bergoglio chegará no Iraque como um “terapeuta de muitos povos”, alguém que “vai passar unguento nas feridas” de uma comunidade massacrada pela guerra e pelo terrorismo. “Esse é um momento do bispo de Roma cuidando de cristãos muito machucados. É uma viagem inédita, única, ainda mais no contexto da pandemia”, diz. (ANSA).