IMPACTO NO COMÉRCIO A pandemia levou a choques na oferta e na procura, o que desorganizou a cadeia de suprimentos (Crédito:Divulgação)

Especialistas se debruçam sobre as previsões para a sociedade no pós-pandemia. Dos hábitos sociais aos escritórios do futuro, que serão híbridos com home-office, várias transformações aos poucos se concretizam. O setor de serviços foi o mais atingido por depender basicamente do contato físico. Mas as indústrias também estão sendo obrigadas a se reinventar. A Covid-19 provocou várias desarticulações na cadeia de suprimentos da indústria. Esse fenômeno começou no ano passado e atingiu inicialmente o setor automotivo, que teve prejuízos mundiais de US$ 60 bilhões (R$ 342 bilhões), estima a consultoria Alix Partners de Nova York. No Brasil, além das montadoras, a escassez de matérias-primas e de componentes atingiu os segmentos de máquinas, celulose, construção, embalagens plásticas, papel e papelão e aço. Não houve paralisação total, mas a escassez continua em 2021. Como a pandemia está descontrolada no Brasil, os problemas só devem ser solucionados a partir do 2º semestre.

O problema, evidentemente, não atingiu somente o Brasil. Quando a pandemia se espalhou na China, em janeiro de 2020, houve um choque na oferta, que se espalhou da Ásia para a Europa e chegou às Américas. O segundo movimento foi um baque na demanda, também no 1º semestre de 2020, provocado pela recessão na maior parte do mundo. Estes efeitos da pandemia, dizem economistas e empresários, desorganizaram a cadeia de suprimentos.

O Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) acompanha mensalmente a indústria, e a cada trimestre pesquisa em 19 setores o que chama de “fator limitativo” para a expansão fabril. “Em janeiro de 2021, a escassez de matérias-primas foi apontada como o principal fator limitador à expansão da indústria”, diz Cláudia Perdigão, economista do IBRE. Segundo ela, a pesquisa indicou que 49,6% das empresas automotivas informaram que em janeiro passado a falta de insumos foi o principal entrave para a atividade. No total, a escassez de matérias-primas atingiu 20% das indústrias brasileiras em janeiro, ante 10,3% em abril de 2020 — quando os efeitos da pandemia se manifestaram na economia. Em janeiro de 2020, antes de a pandemia chegar ao Brasil, apenas 2,5% das indústrias relataram escassez de matérias-primas.

“A escassez de matérias-primas na indústria foi a 20% em janeiro, frente a 10,3% em abril de 2020” Cláudia Perdigão, Economista do IBRE (Crédito:Divulgação)

Menos dependência

Na última semana de março, dez montadoras estavam com a produção parada no país por causa da falta de autopeças e chips ou em razão da pandemia — General Motors, Volkswagen, VWCO, Mercedes-Benz, Scania, Renault, Nissan, Honda, Toyota e Hyundai. A pandemia também prejudicou a importação de veículos. “Nossos estoques de autopeças estão normais, mas temos problemas nos embarques de veículos novos da Coreia do Sul para o Brasil. Isto gera falta de carros nos estoques”, diz José Luiz Gandini, presidente da KIA Motors Brasil. A pesquisadora do IBRE explica que em 2020 outros setores foram muito afetados pela escassez de componentes e matérias-primas. “Também houve escassez de aço”, destaca. “A maior dificuldade das empresas foi encontrar insumos no Brasil, porque as exportações aumentaram com a recuperação da China e dos EUA”, diz.

Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), diz que milhares de pequenos e médios fornecedores quebraram. Segundo ele, o governo, sob pressão do Congresso e da sociedade, agiu rápido em 2020 com o auxílio emergencial, mas errou ao não prorrogar o socorro em 2021. “Outra resposta muito frágil foi a questão do crédito. A falta de financiamento fez muitas empresas literalmente fecharem no 1º trimestre de 2021. Eram produtoras e fornecedoras de insumos”, diz.

As dificuldades atuais devem reverter décadas de integração das cadeias globais de produção e colocaram em xeque o sistema de produção “just in time”, que havia permitido a redução de estoques e barateado o custo. Também podem favorecer a volta do protecionismo e a revalorização das indústrias nacionais. “O turbilhão econômico provocado pela pandemia expôs as muitas vulnerabilidades e aumentou as dúvidas a respeito da globalização. Os gestores das empresas em todos os países precisam olhar as suas redes de fornecedores e entender quais são os seus pontos frágeis”, diz William Shih, professor de Administração na Harvard Business Scholl (EUA). Ele acredita que a globalização é irreversível, mas que nos próximos anos as grandes empresas tendem a reduzir sua exposição aos fornecedores chineses, sem deixar o mercado do gigante asiático, que é grande consumidor e produtor. “Os EUA devem aumentar seu número de fornecedores no México e os países europeus, na Turquia. A tendência é de maior regionalização”, afirma.