A Seleção Brasileira está na contagem regressiva para fazer neste domingo, às 18h, contra o Equador, sua última partida no Grupo B, no Estádio Olímpico de Goiânia. Inaugurado em 3 de setembro de 1941, o palco desta edição da Copa América também guarda marcas do maior acidente radiológico do país. Em 1987, o Olímpico desempenhou uma função social tanto como local de triagem quanto de abrigo para pessoas que estavam contaminadas pela radiação do Césio-137.

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– Quando diagnosticamos que o acidente alcançou tamanha proporção, tivemos de nos mobilizar para buscar um local onde fizéssemos uma triagem. O Olímpico era próximo de onde tudo ocorreu. As pessoas chegavam, eram examinadas com o contador Geiger (dispositivo que detecta o nível de radiação no corpo de uma pessoa). Liberávamos quem não tinha sinais de radiação. Os casos mais graves encaminhávamos para hospitais – recordou, ao LANCE!, Antônio Faleiros, secretário de Saúde do governo de Goiás na época.

O ‘PÓ AZUL DA MORTE’: O INÍCIO DE UM PESADELO

Acidente radiológico de Goiânia - Césio 137
Cápsula achada pelos catadores de sucata e que continha o pó de Césio-137 (FOTO: Divulgação)

Em 13 de setembro de 1987, os catadores de sucata Wagner Mota Pereira e Roberto Santos Alves invadiram um terreno desativado, no qual havia funcionado o Instituto Goiano de Radioterapia (IGR). Dentro da peça de cerca de 200 kg de ferro e chumbo que ambos pegaram, havia um recipiente arredondado que continha 19,26 g de Césio 137, utilizado em aparelhos de radiografia.

A peça foi vendida a Devair Alves Ferreira, que era proprietário de um ferro-velho no mesmo bairro. Fascinado com o brilho azul que saía do recipiente, ele passou a distribui-lo para familiares e amigos. Horas após serem expostas à radiação, as pessoas começaram a apresentar sintomas como náuseas, diarreia, vômitos e tonturas. Por absorver a umidade do ar, o Césio-137 também aderia facilmente à roupa, à pele e aos utensílios domésticos.

Devido à demora para autoridades chegarem às causas do acidente, a radiação se propagou pela região. Algumas pessoas chegaram a ter reações mais graves, como perda de cabelo e lesões na pele.

– O pior momento é o diagnóstico, pois não se tinha informações dos reais malefícios do contato com o material radioativo. Além disso, a lembrança da explosão do reator de Chernobyl (desastre nuclear ocorrido em abril de 1986 na cidade da Ucrânia) era muito viva. Nem mesmo a ciência tinha resposta consistente. Portanto, quando me disseram que eu estava contaminado a visão que eu tinha era da morte – afirmou Odesson Alves Ferreira, que perdeu a palma da mão (posteriormente reconstituída com parte da pele que cobre o abdômen) e teve as falanges do dedo indicador da mão amputadas.

Quando foi confirmado o risco de contaminação, o Olímpico de Goiânia abriu suas portas para ajudar a mapear quais foram as consequências em torno do Césio-137 na população. Funcionário do setor de infraestrutura do estádio já naquele ano, Osmar Pereira detalhou como era o ritual.

– Foram filas e filas aqui em torno do estádio. As pessoas anunciavam em carros que o Olímpico era o local de triagem e todo mundo foi para lá. O pessoal tinha medo de “estar” com o Césio, do risco de ter câncer – e apontou:

– Passaram algumas semanas medindo a radiação das pessoas. Algumas nas quais eram detectados índices um pouco maiores, inicialmente eram postas em um contêiner para descontaminação. Às vezes, uma pessoa tinha que retirar uma peça de roupa contaminada e colocá-la no contêiner – completou.

Ao todo, o estádio recebeu 112 mil pessoas. Quem tinha nível de contaminação acima do esperado era encaminhado a um hospital. No Olímpico, foram 249 pessoas detectadas com radiação (120 foram para casa e 129 ficaram em observação).

Além disto, na Febem encontraram casos mais leves de infecção em outras 79 pessoas. No albergue, 30 pessoas tiveram contaminação de alto risco e outros 20 casos de maior gravidade (14 deles foram para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro).

Por volta de 1,3 mil pessoas continuam a ser monitoradas anualmente entre os radioacidentados, entre parentes de primeira e de segunda geração e funcionários com pessoas que sofreram sequelas da exposição ao Césio-137. Os números são do Centro de Registros de Radioacidentados (Cara).

‘ABRIGADOS’ NO OLÍMPICO

Acidente radiológico de Goiânia - Césio 137
O lixo atômico na região foi depositado em Abadia de Goiás  (Foto: Reprodução)

O Estádio Olímpico também se tornou uma solução para quem foi removido das casas próximas ao ferro-velho de Devair. Uma das vítimas do Césio-137, Luiza Odete dos Santos, que teve lesões na pele em virtude da exposição à radiação, passou por uma situação delicada neste período. Mas atenuada por um forte apoio.

– Já tínhamos quatro filhos, todos pequenos, que ficaram no Olímpico, enquanto meu marido e eu estávamos com lesões e fomos encaminhados para o hospital. Para cuidar dos meus filhos, tive a ajuda da minha irmã, que é a mãe da Leide (Lourdes das Neves Ferreira) e ela não apresentava lesões – declarou.

Leide das Neves Ferreira tinha 6 anos e foi a vítima direta com maior dose de radiação. A menina, que ingeriu 6 Gy (gray) da substância, não havia lavado as mãos antes de ingerir um ovo cozido, e gradualmente sofreu inchaço no corpo, perdeu seu cabelo, teve hemorragia interna, danos nos rins e pulmões e acabou falecendo em 23 de outubro.

Os enterros de Leide e de Maria Gabriela Ferreira (a esposa de Devair também morreu em 23 de outubro) foram marcados por tumultos, uma vez que pessoas tentaram impedir o enterro, por receio de contaminação. Dias depois, morreram Israel Baptista dos Santos, de 22 anos, e Admilson Alves de Souza, de 18 anos. Todos foram enterrados em caixões de 700kg de chumbo içados em guindastes.

Luiza Odete recordou onde ficaram outras pessoas próximas a Devair, que sobreviveu à contaminação, mas morreu em 1994 de cirrose hepática.

– Alguns funcionários do Devair foram abrigados lá. Para muitos, o socorro que teve foi este. Já os demais foram para o HDT, o HGG (Hospital Geral de Goiânia)… Meu marido e eu fomos transferidos para o Hospital Naval Marcílio Dias. Meus filhos acabaram nas mãos de pessoas estranhas neste período, foi muito sofrimento – e desabafou:

– A gente sofreu muita discriminação na época, mas não dá para deixar de falar do assunto e fazer com que ele caia no esquecimento. Meus filhos estão bem hoje, mas não gostam de tocar no assunto – completou.

Os rejeitos infectados na região (o ferro-velho ficava a duas quadras do Olímpico) foram recolhidos em contêineres e posteriormente depositados na cidade de Abadia de Goiás.

HOJE, ESTÁDIO EM PLENAS CONDIÇÕES PARA O FUTEBOL

Estádio Olímpico de Goiânia
Olímpico passou por mudanças de lá para cá: demolido em 2005, foi reinaugurado em 2016 (FOTO: REPRODUÇÃO

Mesmo com as cicatrizes deixadas pela tragédia, houve um trabalho muito cuidadoso no Estádio Olímpico. Osmar Pereira, funcionário do estádio na época, exalta a maneira como foi feita a descontaminação.

– Até as barracas onde ficavam os contêineres foram depois destruídas. Descontaminaram a grama toda… – disse.

Secretário de Saúde do governo de Goiás em 1987, Antônio Faleiros também assegura.

– Não existe mais nenhum risco de contaminação no Olímpico. Todas as áreas de Goiânia foram descontaminadas já na época. Em nenhuma área de Goiânia há risco de contaminação em moradores ou transeuntes – frisou.

O Estádio Olímpico passou por mudanças: foi demolido em 2005 e, depois de um longo período, em 2016 foi reinaugurado. Sede do Mundial Sub-17 em 2019 (vencido pela Seleção Brasileira da categoria), o local agora voltará seus holofotes para um novo ato da Seleçao principal na Copa América. Sem esquecer as outras histórias que aquele gramado já abrigou.