Ariano Suassuna em 2006: ele levou 33 anos para escrever o romance de Dom Pantero, seu alter ego (Crédito:PITI REALI )

Quando a saúde começou a falhar perto dos 80 anos, o escritor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014) se apressou em finalizar aquele que pretendia que se tornasse o livro de seus livros, “Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores”, agora lançado pela editora Nova Fronteira. Ele o escrevia, e desenhava, desde 1981, sempre insatisfeito com o resultado. Uma atividade cansativa, mas prazerosa. “Meu pai era muito exigente como criador artístico e de uma disciplina rigorosa. Gostava mesmo era do exercício da escrita”, diz o artista plástico Manuel Dantas Suassuna, um dos cinco filhos e herdeiros do escritor, além de parceiro literário. “Dizia que era o livro da vida dele. Finalizou-o poucos dias antes do seu Encantamento”. Dantas conta que o pai consumiu os dias concluindo as ilustrações do romance. Chegou a inserir nele personagens de outros livros, para que todos os seus textos fizessem parte de uma espécie de obra total definitiva — ou quase, já que isso só existe na mente do artista.

“Burilava o texto incessantemente”, diz o professor Carlos Newton Júnior, aluno e colaborador. Newton digitou no computador as últimas versões do livro. “Se pudesse, Suassuna estaria até hoje reescrevendo o texto e preparando suas ‘aulas-espetáculos’. Porque a obra e o protagonista eram ele. Eis aí a mensagem do romance.”

Ariano Suassuna em 2006: ele levou 33 anos para escrever o romance de Dom Pantero, seu alter ego

“É um livro profético e não um romance convencional.”
Raimundo Carrero, escritor

Mais inéditos

Sasssuna batizou o conjunto de suas obras de “A Ilumiara”. Conforme explica no início de “Dom Pantero”, a palavra designa uma suma criativa: “Castelo, Obra, Fortaleza, ou Marco”. Sua “ilumiara” compreende três dezenas de livros, entre volumes de poesia, 15 peças de teatros e meia dúzia de romances. Muitos deles são inéditos e estão sendo organizados pelos herdeiros. Entre eles figuram os romances “O Sedutor do Sertão”, escrito em 1966, a ser lançado em 2018, e “As Infâncias de Quaderna”, capítulo do nunca lançado terceiro volume do romance mais famoso de Suassuna, o inconcluso “A Pedra do Reino” (1971), que também refez até a morte; a última versão foi relançada em junho.

Ilustração de Ariano Suassuna para “Dom Pantero’, representando o pai, João Suassuna – o Cavaleiro João Canuto no romance

Desejava que “Dom Pantero” enfeixasse a sua produção integral e lhe desse coesão e coerência. O livro se divide em quatro cartas, em que se misturam todos os gêneros, da poesia à crônica, chegando ao hipertexto digital. No livro, um QR Code remete o leitor a uma aula-espetáculo sobre seu tema favorito: cultura brasileira. A narrativa acompanha a história do escritor frustrado Dom Pantero, que planeja inutilmente terminar a “Ilumiara”. “É uma autobiografia poética”, diz Newton. “Vida e obra de Ariano estão lá, só que distorcidas.” Os especialistas afirmam que o livro deve provocar um impacto nos estudos literários. “Trata-se do romance nacional mais pós-moderno”, afirma Newton. “Nunca um autor brasileiro teve coragem de misturar tantos registros e embaralhar vida e sonho”. Segundo o escritor Raimundo Carrero, a obra vai além de romances consagrados. “Insere-se no quadro das obras essenciais da literatura brasileira, abrindo um novo caminho que supera, em muitos sentidos, ‘Dom Casmurro’, ‘Grande Sertão: Veredas’ e até ‘Viva o Povo Brasileiro’, de João Ubaldo Ribeiro, que se apresentam como obras mágicas e proféticas da nossa literatura”, afirma Carrero, “Por isso, ‘Dom Pantero’ se aproxima das obras dos grandes russos —Tolstoi e Dostoievski — passa por ‘Os Sertões’ de Euclides da Cunha e procura a transcendência de um Cervantes.”