Países do golfo investem bilhões para se transformar em hub digital

Países do golfo investem bilhões para se transformar em hub digital

"ACatar e Arábia Saudita anunciaram projetos para a construção de novos cabos digitais terrestres, que visam diminuir dependência de estruturas submarinas no Mar Vermelho e impulsionar o papel estratégico da região.As cifras indicam um investimento colossal. São 500 milhões dólares (cerca de 2,6 bilhões de reais), que a empresa de telecomunicações Oooredoo planeja aportar nos próximos anos na construção de um novo cabo terrestre de fibra ótica. O projeto prevê que a estrutura conecte a Península Arábica à Europa, com início em Omã, passando pelo Iraque e pela Turquia, até chegar em Marselha, na França. As informações são da agência de notícias estatal QNA, do Catar.

Além disso, há notícias sobre uma possível negociação entre a Arábia Saudita e a Síriapara a construção de uma nova estrutura de conexão, cujos cabos ligariam a Península Arábica – mais especificamente, o reino saudita – ao continente europeu.

Chama atenção o fato de Catar e Arábia Saudita estarem tentando estabelecer uma conexão por via terrestre, afirma Ayad Al-Ani, especialista em organização e transformação, à DW.

"Essa conexão terrestre pressupõe que tanto o Iraque quanto a Síria sejam considerados países de trânsito seguros, nos quais é possível investir. Isso integrará ambas as nações mais fortemente ao sistema internacional de troca de dados, o que também pode beneficiar a economia digital local, gerando eventuais reflexos no desenvolvimento econômico desses países", diz.

Reação a crises recentes

A construção da nova rede também foi motivada por crises recentes, indicou Aziz Al Uthman Fakhroo, CEO da Ooredoo, à agência QNA. Segundo ele, a estrutura de cabos terrestres fortalecerá a resiliência das redes globais e criará rotas alternativas. Isso permitiria contornar as dificuldades atuais no Mar Velho e no Estreito de Ormuz, que fica entre o Golfo de Omã e o Golfo Pérsico.

As duas regiões passam atualmente por situações delicadas do ponto de vista das telecomunicações. O Estreito de Ormuz separa a Península Arábica do Irã – e este, por sua vez, de nações com os quais ogoverno iraniano mantinha até recentemente uma rivalidade considerável, como Arábia Saudita e Emirados Árabes. Nos últimos anos, houve confrontos violentos, especialmente com os sauditas. Já o Catar possui boas relações com os iranianos.

Já a situação no Mar Vermelho é mais complicada. O estreito de Bab al-Mandab, localizado na região, recebe anualmente cerca de 22 mil embarcações. E há congestionamento também na rede digital – são 15 cabos submarinos que passam por lá. De acordo com a empresa Hong Kong Global Communications (HGC), 80% do tráfego de dados entre Ásia, África e Europa é transmitido por ali.

Ataques à infraestrutura digital

Esses cabos submarinos foram alvo de seguidos ataques – ou pelo menos é o que se especula, já que nem sempre é possível comprovar que os danos foram intencionais.

O primeiro problema ocorreu em 2008. De acordo com um estudo da Escola de Estudos Internacionais Henry Jackson da Universidade de Washington, cinco cabos foram danificados na ocasião. Três deles conectavam a Ásia e a Europa. Como consequência, o Egito perdeu 70% da conexão com a internet e a Índia, de 50% a 60%. Até hoje não se sabe se o dano foi intencional.

Durante a guerra em Gaza, os rebeldes houthis no Iêmen apoiaram o Hamas. Eles não só atacaram durante meses a navegação internacional pelo Mar Vermelho, mas também danificaram, na primavera de 2024, quatro dos 15 cabos que passam pelo local, incluindo o Asia-Africa-Europe 1, que conecta os três continentes, segundo a HGC.

No total, cerca de um quarto do tráfego de dados foi afetado. Em um comunicado, a HGC explicou como a comunicação intercontinental foi mantida: parte dos dados foi redirecionada para a Europa através da China continental, outra parte através dos EUA e uma terceira parte através dos cabos submarinos do Mar Vermelho que seguiram intactos.

Expansão no setor de telecomunicações

Os dois projetos de telecomunicação devem servir também para prevenir incidentes como esse. Segundo disse Al Uthjman Fakhroo, da Ooredoo, à QNA, a região é um centro logístico e digital por onde passam mais de 30% dos dados mundiais e 90% dos dados trocados entre Europa e Ásia.

O Catar vem expandindo sistematicamente o seu setor de telecomunicações. Recentemente, as empresas Qatar National Broadband Network (QNBN) e Gulf Bridge International (GBI) anunciaram a fusão das suas respectivas divisões de telecomunicações. A QNBN é especializada em fibra ótica, enquanto a GBI se dedica a cabos submarinos e terrestres. Com a fusão, combinando ambas as especialidades, as duas empresas pretendem transformar o Catar em uma das principais plataformas para o tráfego internacional de dados, afirma o jornal catari "The Peninsula".

Esses projetos não se limitam apenas à infraestrutura, mas são também interligados com tecnologia digital própria, como centros de dados, afirma Ayad Al-Ani. "Atualmente, a infraestrutura por si só já é considerada uma importante fonte de receita. Mas, em conjunto com centros de dados e desenvolvimento próprios, ela fornece os requisitos para uma economia digital bem-sucedida", diz ele.

De acordo com a Gulf Bridge, o Catar vem tentando atrair empresas de IA da Europa e da Ásia, oferecendo a elas um hub para conexões no Oriente Médio. Em última análise, a fusão da QNBN e da GBI visa expandir a presença global do país, ressaltou o jornal "Gulf Times". O objetivo é atender à crescente demanda por conexão digital além das fronteiras.

O Catar, assim como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, também aposta nessas redes para uma era pós-combustíveis fósseis, destaca Ayad Al-Ani.

Esses países não estão estrategicamente bem posicionados no ponto de encontro de três continentes – Ásia, África e Europa.

"Além disso, a região dispõe de energia solar praticamente ilimitada para o funcionamento de centros de dados, que é relativamente barata. Isso é uma vantagem considerável neste setor de alto consumo energético. Não são necessárias usinas nucleares adicionais, como no caso dos EUA, por exemplo."