O decreto do presidente Michel Temer, que instituiu a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, deixa estagnada no Congresso a tramitação de 149 Propostas de Emenda Constitucional. Isso vem ocupando a cena em pé de igualdade com a própria intervenção, uma vez que se inclui nesse excessivo número de PECs a mais vital de todas elas: a imprescindível proposta da reforma da Previdência (outra, importante, trata do foro privilegiado). A Constituição veda que se promulgue qualquer PEC enquanto durar a intervenção e o governo já anunciou oficialmente que desistiu da reforma previdenciária porque há “impedimento legal”. Tudo isso fez, como nunca se vira, com que essas três letras se tornassem assunto em todo o País nos últimos dias. Vale, pois, indagar: por que somos a Nação das PECs?

A nossa Carta cita 17 vezes a palavra democrático – e tal princípio é muito desrespeitado. Na Constituição dos EUA não consta a expressão democracia, mas seu começo diz tudo: “Nós, o povo…”

A resposta vem na ponta da língua de qualquer atento observador da política pátria: porque a Câmara dos Deputados e o Senado são fracos demais em suas legislaturas. A maioria das PECs é de iniciativa do Poder Executivo e isso se dá devido à tibieza legislativa. A Proposta da Previdência era da mais alta significância, mas há PECs que são formuladas por parlamentares e, ainda que guardem relevância, não a possuem a ponto de figurarem na Carta (como, por exemplo, a imunidade tributária aos fonogramas brasileiros). Para se ter idéia da penca de PECs, também motivada pela vontade que todos os poderes têm de legislar, nossa Constituição completa 30 anos e já passou por 106 emendas. É robusta demais (com temas que deveriam ser leis infraconstitucionais), abrangendo 250 artigos. Uma comparação? Ei-la: a Constituição dos EUA, onde o Congresso é forte e efeciente, tem 229 anos (contando da data que entrou em vigor), possui sete artigos e recebeu em mais de dois séculos apenas 27 emendas, incluídas as dez da “Bill of Rights”. Os EUA seguem uma única Constituição em sua história (a atual), enquanto o Brasil redigiu oito.

Há quem argumente que o pecado original é o fato de a Constituição ter nascido inchada em 1988, a ponto de nela constar até o teto de juros (jamais cumprido). Não se crucifique, porém, a Assembleia Constituinte que a elaborou sob a regência do estadista e deputado Ulysses Guimarães. Vínhamos de 25 anos de ditadura militar e “doutor Ulysses”, para varrer de nossas plagas qualquer possibilidade de outro regime de exceção, fez com que a Carta contemplasse o máximo de pontos possíveis – tanto que é uma das mais avançadas do planeta no capítulo dos direitos fundamentais e das garantias individuais (basta citar um exemplo: “ninguém é obrigado a produzir provas contra si”). Até a palavra “democrático” talvez esteja presente demais (17 vezes), e ainda assim cá vivemos atropelando tal princípio, algumas vezes por meio das próprias PECs (chegaram à casa dos 60% de inconstitucionalidade). A Constituição dos EUA não cita uma única vez a expressão “democracia”. Mas o começo de seu enxuto texto diz tudo: “Nós, o povo…”.

 

 

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