Perfis no Instagram de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais estão conectando diretores e produtores de filmes independentes, muitas vezes de faculdades, com atores que buscam uma colocação na área ou que já têm experiência, mas querem mais oportunidades e crescer seu networking.
A página mais recente é a Casting Universitário MG, criada pela atriz Nicole Gomes. Ela, que começou a atuar muito nova e fundou e integrou o grupo Bando Teatro, que se apresentou em Sescs (Serviço Social do Comércio) e teatros do Rio de Janeiro, e que já estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa e na Universidade da Califórnia em Los Angeles, voltou para o Brasil com o desejo de construir pontes entre as cenas culturais do País e do exterior.
“Quando voltei ao Brasil, comecei a buscar formas de me reconectar com o mercado brasileiro e colaborar com pessoas da área. Produções de curtas-metragens são uma excelente porta de entrada, porque geralmente reúnem artistas e realizadores com ideias novas, muitos dos quais futuramente estarão à frente de grandes projetos no mercado”, explica.
Foi nesse processo de busca por oportunidades que ela descobriu as páginas Casting Universitário SP e Casting Universitário RJ. “Achei a iniciativa incrível! Inclusive, foi por meio da página de São Paulo que consegui meu primeiro papel em um curta brasileiro, o filme Tilápia”, conta.
A página que começou tudo e que inspirou as outras pelo Brasil, foi a de São Paulo, administrada pela arte educadora, atriz bailarina e preparadora de elenco Flávia Trapp, e pela atriz e produtora cultural Gabriela Cortez.
Flávia, que começou na dança aos cinco anos, fez técnico em dança no studio Luciana Junqueira, de Ribeirão Preto, licenciatura em artes cênicas pela USP (Universidade de São Paulo), e agora cursa bacharelado em artes cênicas pela mesma instituição, teve a ideia de criar o casting universitário por uma carência que sentia quando estava no segundo ano da graduação. “Os meus primeiros dois anos de faculdade, apesar de eu ter prestado artes cênicas, foram muito audiovisuais, por conta da pandemia. Esses dois primeiros anos foram feitos praticamente por Zoom. Isso fez com que eu me interessasse muito pelo estudo de atuação através da câmera”, conta.
Ela percebeu, então, que Gabriela, que estava na mesma sala que ela e que tinha mais proximidade com o audiovisual, poderia lhe dar uma orientação de como se aproximar da área que queria. “Ela me trouxe que participava muito do mercado universitário, porque, dentro das faculdades de cinema, os alunos se formam para estar atrás das câmeras, né? A maioria das pessoas estão interessadas em estar atrás da câmera. Apesar disso, eles têm trabalhos práticos que eles precisam entregar todo semestre em diversas matérias ou trabalho de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)”, diz.

Gabriela Cortez e Flávia Trapp, criadoras do Casting Universitário SP – Foto: Divulgação
Para isso, eles precisavam de atores. Mas, até então, a seleção dos profissionais era feita de forma mais simples, com mensagens de WhatsApp convocando pessoas, ou por meio de stories em páginas de Instagram pessoais. “Rolava uma dificuldade de acesso. Nessa eu comecei a fazer um curta ou outro, mas não chegava nos atores. Aí veio a ideia. E como a Gabi era uma pessoa que eu trocava muito sobre isso, eu cheguei pra ela um dia e falei: ‘E se a gente criasse um Instagram para divulgar?’”, relembra.
Todos os criadores das páginas que surgiram depois da criada por Flávia e Gabriela pediram a autorização da página inicial para que seguissem a mesma premissa nos outros Estados. No caso de Nicole, por exemplo, ela diz que, ao se deparar com a página de São Paulo e do Rio, ficou feliz em encontrar esse tipo de rede, mas sentiu falta de algo semelhante em seu Estado.
“Minas Gerais é tão grande e tão rico em produção cultural. Foi aí que tive a ideia de criar o Casting Universitário MG. Entrei em contato com as meninas da página de SP, que foram super receptivas. Trocamos experiências e, claro, pedi a ‘bênção’ delas antes de lançar o perfil”, relata.
Algo semelhante aconteceu com o ator Vitor Pastore. Ele, que começou a fazer teatro aos 16 anos no Teatro Miguel Falabella e fez CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), teve a ideia de abrir a página do Rio de Janeiro após ver o perfil de São Paulo. “Eu estava em SP a passeio e passou uma chamada de elenco para mim que elas postaram. Eu achei incrível a ideia da página e pesquisei se havia algo parecido no Rio e não tinha! Ao mesmo tempo, eu já queria mais e mais adentrar no meio do audiovisual como ator”, explica.
“Eu falei com as meninas e trouxe a página pro RJ pra fazer o link entre as produções universitárias e os atores, que era algo que eu também sentia que não existia muito. Os estudantes de cinema precisam de atores, mas onde eles iriam achar?”, questiona. Desde então, ele e a também atriz Julia Johnsson administram a página carioca.
Todos os administradores das páginas têm um objetivo em comum: tornar a conexão entre atores, diretores e produtores mais simples, direta e confiável. De acordo com Nicole, por exemplo, o casting universitário é importante porque descentraliza o acesso a oportunidades e aproxima quem está começando de quem já está no mercado. “Ele cria uma ponte direta entre produções independentes e atores que estão em formação ou retomando a carreira, como foi o meu caso”, diz.
“Muitas vezes, quem está produzindo curtas ou projetos acadêmicos não têm acesso a grandes agências ou plataformas pagas, e o mesmo vale para atores fora do eixo tradicional. As páginas ajudam a romper essa barreira, permitindo que mais talentos sejam colocados em prática. Além disso, são espaços de experimentação, de troca, de rede. E o mais bonito é que são feitos de forma colaborativa, por quem entende as dores e os desafios de tentar viver de arte no Brasil”, conta.
Essa troca de experiências também é salientada por Vitor. “É uma forma de todos criarem portfólio e a página facilita essa conexão. Ainda mais que quase todas essas produções são independentes. Além disso, o networking que é possível ser feito entre cineastas e atores. É um meio que se precisa de contato”, analisa.

Julia Johnsson e Vitor Pastore administram a página do Rio de Janeiro – Foto: Tercianne Melo
De acordo com Flávia, a importância do casting universitário está atrelada ao motivo de ele ter nascido. “Existe uma necessidade de unir os alunos de artes cênicas com os alunos de cinema, em primeiro lugar, porque eu sinto que são mundos que ainda vivem muito separados e que esse networking é muito interessante para ambas as áreas”, explica.
“É uma oportunidade também para os alunos de arte cênicas terem um contato com a câmera. Na própria USP, por exemplo, a gente não tem aula de atuação para a câmera atualmente e existem outros técnicos e outras faculdades que não oferecem essa oportunidade. Muitas vezes, quando o ator está ali ingressando no meio do teatro, ele tem uma curiosidade de experimentar o cinema”, conta.
“E para os alunos de cinema, é uma necessidade ter o ator bem capacitado e que possa entregar um bom trabalho. Sem contar que esse mercado de casting universitário é muito importante para os atores em si, porque existem TCCs de cinema que têm muita verba, que realmente estão remunerando atores, dando oportunidade de trabalho para atores que já têm uma carreira formada. E, por outro lado, também estão dando oportunidades para atores iniciantes. Porque projetos, dentro da faculdade de cinema, que são menores, de semestres iniciais, que não têm tanta verba, conseguem contratar um ator mais iniciante, por um cachê baixo, só que esse ator iniciante vai conseguir ter uma primeira oportunidade”, relata.
O processo para que as chamadas de elenco sejam colocadas nas páginas é bastante semelhante entre elas. O contato é feito pelo direct do Instagram ou por meio de e-mails e é, geralmente, pedido que sejam enviadas a arte do casting, com o perfil esperado dos atores e em formato de post para Instagram, informações do curta (nome do projeto, semestre e faculdade), detalhes do casting (prazo de envio, e-mail ou link de formulário/QR Code para envio do material) e se há ou não cachê envolvido.
Além disso, os administradores das páginas contam que a preocupação com a segurança de seus seguidores é levada em conta. “Em geral, as chamadas que recebo vêm de pessoas que já fazem parte de grupos de casting e estão vinculadas a coletivos, faculdades ou turmas específicas. Isso já ajuda a garantir certa confiabilidade. Mas sempre busco verificar quem está por trás do projeto, se existe uma página oficial, qual é a instituição envolvida e se a proposta parece legítima”, diz Nicole.
“Mas, claro, depois que o casting é realizado, não tenho controle sobre o que acontece no set, como são conduzidas as diárias, por exemplo. Por isso, incentivo tanto a produção quanto os atores a darem feedbacks. É essa troca que ajuda a manter a página segura e responsável, além do bom senso de todos os envolvidos. É um esforço coletivo de cuidado e ética”, conta a atriz.
De acordo com Flávia, a questão da segurança é algo que ela se preocupou, desde o início do projeto. “Mas nunca foi uma grande questão na prática. A gente sempre recebeu projetos muito confiáveis, os atores que seguem a gente sempre trazem feedbacks muito positivos”, diz.
No entanto, ela afirma que alguns cuidados são sempre tomados. “Primeiro, sempre tem que estar afiliado a uma faculdade. Pra ter certeza disso, a gente sempre confirma qual o semestre que a pessoa está, qual a faculdade que ela está fazendo, dá uma olhada no perfil que mandou a mensagem pra gente, pra ver se é um perfil realmente ativo, com foto de perfil, com publicações antigas, com seguidores em comum”, explica.
Além disso, como as administradoras têm contato direto com pessoas que trabalham nas instituições, elas fazem um trabalho de checagem para tentar, ao máximo, garantir a segurança de todos os envolvidos.
No entanto, Vitor lembra que nem sempre o “sucesso” está garantido. “Como todo projeto, até algo grande e com dinheiro, pode ser uma furada. É o risco que se corre como artista de aceitar fazer parte de algo. O produto final pode ser bem diferente do que você esperava”, brinca.
Em comum, todos eles têm a intenção de fortalecer o cinema independente no Brasil. “É nesse espaço que surgem as vozes mais diversas, autênticas e potentes do nosso audiovisual”, diz Nicole.
“É no cinema independente que conseguimos contar histórias fora do padrão das grandes produções como histórias regionais, de minorias, de novas perspectivas, que dificilmente teriam espaço nas grandes mídias. Além disso, o filme independente é uma escola prática. É onde muitos artistas e técnicos começam, aprendem a lidar com diferentes funções e constroem redes que, muitas vezes, se estendem por toda a carreira”, explica a atriz.

Nicole Gomes mostra a página de Minas Gerais – Foto: Divulgação
“Acredito que todos precisam começar de alguma forma. E grande parte dessa galera tem muita vontade de fazer o cinema brasileiro acontecer. Essas produções geralmente tem baixíssimo orçamento, o que torna as coisas mais difíceis. Mas, do cinema independente, podem sair os grandes futuros cineastas e atores também”, pondera Vitor.
“O que a gente espera é estar cada vez mais conectado às pessoas e nos conectando a essa área. Acho que existe uma expectativa de poder ter mais tempo para dedicar pro casting, para fazer uma produção de conteúdo de educação, tanto para portfólio, quanto para questões de ética no set, existe esse desejo de tornar a página mais remunerada para a gente poder dedicar mais do nosso tempo para isso”, planeja Flávia.
“Acredito que temos potencial para nos tornarmos uma ferramenta forte de conexão e fomento cultural, fortalecendo não só artistas, mas toda a cadeia criativa envolvida nessas produções”, finaliza Nicole.