Para quem prefere cinema a futebol, a noite do Oscar é a final da Copa do Mundo. Todo ano tento assistir ao máximo de filmes indicados pela Academia, não apenas como dever profissional, mas também para fazer minhas tradicionais apostas e comentários. Ao longo do ano, publiquei muito conteúdo sobre cinema na ISTOÉ, e reproduzo parte desse material aqui com o objetivo de organizar em um único lugar o que estava espalhado em diversas matérias. Ao final do texto, minhas apostas sobre os vencedores – e quem, na minha opinião, deveria ganhar.

Oscar 2022

Nas plataformas de streaming ou nas salas de cinema, ganhar um Oscar traz credibilidade e garante o sucesso de um filme. Os grandes favoritos na cerimônia que acontece nesse domingo 27 são duas produções opostas pelo tempo: O Ataque dos Cães, indicado em doze categorias, retrata os valores do passado por meio de um enredo situado no velho oeste americano; Duna, que concorre a dez prêmios, remete à visão distópica de uma sociedade futurista em frangalhos.

A disputa é uma boa analogia à própria indústria cinematográfica: os grandes estúdios tradicionais estão perdendo cada vez mais terreno para as novas plataformas de streaming. Aqui, no entanto, as posições estão invertidas: o faroeste de Jane Campion é uma produção da Netflix, enquanto a ficção científica de Dennis Villeneuve é assinada pela Warner Bros. O longa da neozelandesa, porém, leva vantagem: Jane já venceu o Globo de Ouro e o Leão de Prata, do Festival de Veneza, como melhor diretora.

Outras apostas do Oscar são Amor, Sublime Amor, musical de Steven Spielberg, e Belfast, drama autobiográfico de Kenneth Brannagh: ambos concorrem em sete categorias. O Brasil estará representado por Onde Eu Moro, documentário de Pedro Kos indicado como curta-metragem. A festa será transmitida pela plataforma Globoplay e pelo canal TNT, na TV paga.

Homenagem a Coppola e James Bond

A festa do Oscar anunciou duas atrações especiais: homenagens a O Poderoso Chefão (foto), de Francis Ford Coppola, que comemora 50 anos em 2022, e à franquia do agente secreto 007, personagem que faz 60 anos. Entre as novidades haverá também uma nova categoria votada pelo público, estratégia da Academia para tentar reverter os baixos índices de audiência da cerimônia. O evento terá uma performance curiosa: a canção We Don’t Talk About Bruno, do filme Encanto. Apesar de ocupar o primeiro lugar das paradas, não foi sequer indicada.

 

Mães Paralelas: Mais um Almodóvar genial

A história do cinema na Espanha começa em 1920, ano em que Luis Buñuel funda o primeiro cineclube do país. Menos de uma década depois, em parceria com o pintor Salvador Dalí, o diretor revolucionaria a sétima arte com O Cão Andaluz, clássico do surrealismo que influencia gerações até os dias de hoje. Os anos 1970 foram dominados por gigantes como Carlos Saura, José Luis Garci e Fernando Trueba, até que entrou em cena um jovem nome que mudaria tudo mais uma vez: Pedro Almodóvar.

O artista mais relevante da Espanha ganhou o mundo após Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, em 1988, comédia estrelada por Carmen Maura, Rossy de Palma e Antonio Banderas. Depois de ser agraciado com dois Oscars por Tudo Sobre Minha Mãe (Filme Estrangeiro) e Fale com Ela (Roteiro Original), Almodóvar continua produzindo quase um filme por ano. O mais recente, que acaba de chegar aos cinemas e à Netflix é Mães Paralelas, drama estrelado por Penélope Cruz. Sua sétima parceria com o diretor rendeu a ela o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza e uma indicação ao Oscar. O reconhecimento definitivo de que os espanhóis estão em alta é a indicação pela Academia de Javier Bardem, marido de Penélope, ao prêmio de Melhor Ator por Being the Ricardos.

Mães Paralelas conta a história da relação entre duas mulheres que dão à luz no mesmo dia, mas também aborda um tema que ainda incomoda a população na Espanha: os corpos das 100 mil vítimas da ditadura de Francisco Franco que continuam desaparecidos. Ao mesmo tempo em que Almodóvar projeta o futuro do país, com um olhar sensível sobre a maternidade, resgata o passado ao expor o drama das famílias que não conseguem – de forma literal e metafórica – enterrar o seu passado.

Amor, Sublime Amor: Orgulho e preconceito

Quando “Amor, Sublime Amor” (West Side Story) estreou na Broadway, em 1957, foi uma verdadeira revolução: com músicas de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim, o espetáculo trazia o romance de “Romeu e Julieta”para as ruas decadentes do Upper West Side, em Nova York. A sacada genial do autor da história, Arthur Laurents, foi trocar as famílias rivais na trama de Shakespeare, Montéquio e Capuleto, por gangues de americanos, os Jets, e porto-riquenhos, os Sharks, adicionando uma complexa camada social à tragédia original do dramaturgo inglês. O sucesso foi tão grande, que apenas quatro anos depois o musical ganhava uma versão cinematográfica estrelada por Natalie Wood, Richard Beymer e Rita Moreno.

De lá para cá, passaram-se seis décadas. Muita coisa mudou desde que o filme de Jerome Robbins e Robert Wise chegou aos cinemas, mas o preconceito e a discussão sobre a presença dos imigrantes latinos na sociedade americana ainda existe. Diante disso, Steven Spielberg tomou uma decisão arriscada: dirigiu o remake de um filme perfeito, vencedor de dez Oscars. O diretor reconheceu que sua tarefa era assustadora: “É muito intimidante pegar uma obra-prima e recriá-la por meio de um olhar diferente, sem comprometer a integridade de um dos grandes musicais da história. Ele tem cativado o público por décadas porque não é apenas sobre o amor. É uma obra com significado cultural e a premissa não perdeu sua relevância ao longo do tempo: a ideia de que o amor transcende o preconceito e a intolerância”.

O filme ganha tom de tributo póstumo com a morte de Sondheim, aos 91 anos, na última sexta-feira 26. Há outra homenagem, mas em vida: a atriz porto-riquenha Rita Moreno, que interpretou Anita na versão original, agora é Valentina, proprietária da farmácia onde trabalha o jovem Tony (Ansel Egort). Ex-líder dos Jets e recém-saído da prisão, o “Romeu” se apaixonará por Maria (Rachel Zegler), irmã do líder dos Sharks, Bernardo (David Alvarez). O relacionamento proibido colocará ainda mais fogo na disputa entre as gangues que brigam pelas ruas de Nova York.

Apesar dos avanços tecnológicos, a versão de Spielberg é bem parecida com a original. As coreografias ganharam mais cenas aéreas – os drones facilitaram a vida dos cineastas – e algumas mudanças de locação. Por que, então, lançar esse filme agora? O próprio Spielberg responde: “Acredito que grandes histórias devem ser contadas e recontadas ao longo dos anos, para refletirem diferentes perspectivas e períodos”.

O ator David Alvarez, que interpreta Bernardo, líder dos porto-riquenhos, afirma que a história é universal: “Um filme assim poderia ser lançado todos os anos porque diz algo sobre nós, não importa a época. É sobre amor, mas também sobre a divisão que o ódio pode causar. É importante mostrar às novas gerações o que é essencial para nós como seres humanos”.

Para Mike Faist, ator que faz o papel de Riff, líder dos brancos, o filme é um espelho da comunidade. “O que nos divide é o medo, sentimento universal que extrapola o tempo. Se formos capazes de superar isso e ouvirmos, uns aos outros, podemos conquistar qualquer coisa.” Alvarez, porém, acredita que assistir ao filme atualmente é diferente. “Hoje vemos imigrantes de países que estão entrando em colapso. Não apenas em Porto Rico, como no filme, mas em Cuba, Síria, Líbia e outros lugares ao redor do mundo sabem o que é imigrar para um novo lugar para começar de novo.” A atriz Rita Moreno, primeira latina a ganhar um Oscar, em 1961, acha que o filme tem uma mensagem social: ‘Amor, Sublime Amor’ tem um lugar importante não apenas na história do cinema, mas na sociedade.”

Bem-vindo ao mundo de Duna

Um dos filmes mais esperados do ano finalmente estreia nos cinemas: “Duna”, de Dennis Villeneuve, é inspirado no best-seller de ficção científica de Frank Herbert e foi adiado por mais de um ano em decorrência da pandemia. A espera foi recompensada: com boas atuações e efeitos especiais surpreendentes, a produção é uma das favoritas ao Oscar 2022. Não é a primeira vez que “Duna” ganha adaptação às telas. Em 1975, o chileno Alejandro Jodorowsky tentou pôr de pé uma produção ambiciosa, estrelada por Orson Welles, Salvador Dalí e Mick Jagger – com trilha sonora do Pink Floyd e cenários de Moebius e HR Giger. O projeto nunca saiu do papel. Em 1984, David Lynch lançou sua versão, mas o roteiro confuso e cheio de buracos tornou o filme um fracasso. Dennis Villeneuve, pelo contrário, foi bem sucedido: dividiu a trama em duas partes e a transformou numa metáfora atual, com líderes autoritários e nativos oprimidos. Além do visual magnífico, o elenco de peso contribuiu bastante – Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin e Jason Momoa. O enredo conta a jornada de um herói, o nobre Paul Arteides, em um planeta distante. Lá, ele se alia a rebeldes para vingar a morte do pai e liderar a revolução contra o imperador. A parte 2 do filme já foi confirmada, mas ainda não tem data para estrear.

O diretor de “Duna”, o canadense Dennis Villeneuve, é conhecido por sua visão distópica do futuro, como é possível ver nos filmes “A Chegada” e “Blade Runner 2049”. Para ele, a ficção científica não é um estilo esperançoso e asséptico, mas enferrujado e decadente. Villeneuve chegou a esse universo de “Duna” com o auxílio de Paul Lambert, mago dos efeitos especiais que venceu o Oscar por “O Primeiro Homem”. Na visão da dupla, a trama ambientada em 10191 tornou-se uma tragédia shakesperiana encenada em meio a um cenário desértico e opressor – e repleto de criaturas assustadoras.

Licorice Pizza: Protagonista é filho de um astro de Hollywood morto em 2014

A primeira impressão que se tem de Licorice Pizza, novo filme do roteirista e diretor Paul Thomas Anderson, é que ele demora demais para começar. Conta a história do adolescente Gary Valentine (Cooper Hoffman), gênio precoce dos negócios que lucra com a venda de colchões d’água enquanto corteja a divertida Alana Kane (Alana Haim), dez anos mais velha que ele. A trama parece esperar por um fato determinante que possa catalisar a ação e levar o enredo a outro patamar, mas esse momento não chega: “a vida é o que acontece enquanto fazemos planos”, como disse John Lennon. Há uma série de coisas acontecendo naquele verão de 1970, mas Gary e Alana não dão muita atenção a nada por uma simples razão: o que importa para eles é a descoberta do primeiro amor.

O prestígio de Paul Thomas Anderson – PTA, para os fãs – garante um elenco de apoio de peso, com Bradley Cooper, Sean Penn e Tom Waits, mas nem eles nos fazem tirar os olhos do apaixonado casal de protagonistas. No caso de Cooper Hoffman, pelos trejeitos que herdou do pai, o ator Philip Seymour Hoffman, morto em 2014 após trabalhar com Anderson em diversas produções; em relação a Alana Haim, que faz sucesso com as irmãs na banda Haim, há a certeza de que ela terá uma bela carreira pela frente. Afinal, tem talento de sobra para atuar – e quebrar corações.

Paul Thomas Anderson é um dos nomes mais brilhantes da atualidade. Chama a atenção desde os 27 anos, quando escreveu e dirigiu Boogie Nights, sobre os bastidores da indústria pornô na Califórnia dos anos 1970. Com o filme seguinte, Magnólia, veio a consagração: de Tom Cruise a Daniel Day-Lewis, todos os grandes astros queriam participar de seus filmes. Já foi indicado ao Oscar oito vezes, mas nunca levou: Licorice Pizza pode ser sua primeira estatueta, uma vez que está indicado em três categorias: Melhor filme, direção e roteiro original.

 

O Beco do Pesadelo: O sucesso a qualquer preço

Após o premiado A Forma da Água, em 2018, o cineasta Guillermo del Toro tem a oportunidade de levar outra fábula às telas: dessa vez é uma adaptação do livro O Beco do Pesadelo, de William Lindsay Gresham. A nova versão traz Bradley Cooper, Cate Blanchett e Willem Dafoe na história do ambicioso Stanton Carlisle, ajudante de circo que faz qualquer coisa para subir na vida. Com boas atuações e uma trama magnética, a produção é forte candidata ao Oscar 2022. O astro Willem Dafoe falou sobre o filme à ISTOÉ.


O que te atraiu a participar desse projeto?

Guillermo Del Toro. Sempre fui um admirador do seu trabalho. Quando lancei o filme “No Portal da Eternidade”, ele foi mais articulado e poético que eu ou Julian Schnabel, o diretor. Fiquei feliz quando ele me convidou para atuar em “O Beco do Pesadelo” porque estava familiarizado com a produção original e sabia que ele faria um ótimo trabalho.

Qual você acha que é o tema principal deste filme?

Há muitas camadas. É o retrato da ascensão e queda de um homem que, desde o início, tenta quebrar o ciclo que o destino lhe impõe. Dá até para prever o que vai acontecer com ele. Expressa um fatalismo, um julgamento sobre a natureza humana. Tem uma dinâmica de presa e predador, um tipo de ambição, capitalismo. Odeio apontar um tema porque muitas pessoas terão visões diferentes sobre isso.

Você é conhecido por seus grandes papéis como ator de teatro. É importante para um ator de cinema ter essa experiência?

Só posso falar de mim. Não sei, há bons atores de cinema que nunca fizeram teatro. No meu caso ajudou na formação, na abordagem criativa sobre a atuação. Atuo com minha companhia de teatro há 30 anos. Não é apenas um bom treinamento, é uma visão sobre como abordar uma história. Trabalho a partir de uma ação, um impulso físico. Mas qualquer um pode atuar em filmes e ter sucesso. Há o mistério da câmera, da luz. Alguns são fotogênicos, outros não, uns têm uma energia incrível, mas desaparecem na tela. Ainda é um mistério para mim.

O filme é baseado em um livro dos anos 1940, adaptado para o cinema pela primeira vez em 1947. Por que vale a pena assistir a essa história hoje?

São versões diferentes. É uma advertência contra a ambição cega para quem usa outras pessoas para alcançar sucesso ou felicidade. É atual porque sempre temos que viver em sociedade. Quando entram em uma sala, as pessoas começam a comparar seus feitos e a competir, então às vezes acontecem coisas negativas.

Você tem uma forte relação com o Brasil, já produziu filmes aqui. Quais são lembranças mais fortes do País?

Tenho muitos amigos. Minha esposa é uma grande fã de música brasileira. Eu apenas gosto de estar no Brasil. Gosto da música, da comida. Não sou um grande conhecedor das diferentes religiões, dos pontos de vista, mas acho um lugar fascinante. Gosto das pessoas, já estive no País trabalhando e como turista. É sobre amizade e cultura. Não estou dizendo que gosto do Brasil apenas porque essa é uma entrevista para um veículo de imprensa brasileiro. A maior prova é que continuo voltando ao Brasil e espero voltar em breve.

 

Encanto: Animação encantada

A família Madrigal não é formada por heróis, mas todos os seus membros foram agraciados com super-poderes. A garota Julieta tem a capacidade de curar qualquer um com deliciosas receitas culinárias; a linda e perfeita Isabela possui a habilidade mágica de fazer flores e plantas crescerem por todos os cantos; Luisa foi abençoada com a força descomunal de um gigante. Até a casa encantada é capaz de realizar desejos e vontades dos parentes e moradores da região.

Todos os Madrigal exalam magia – todos, exceto a simpática Maribel. Ao longo do filme, é claro, seu super-poder emergirá. “Encanto” imprime um novo sotaque às produções da Disney. O elenco inteiro é composto por personagens latinos e a história se passa em uma pequena cidade da Colômbia. É a primeira produção da Disney alocada na América do Sul desde que Zé Carioca, Pato Donald e companhia estrelaram “Alô, Amigos”, em 1942.

Assim como fez com o mercado asiático em “Raya e o Último Dragão”, repleto de referências à cultura chinesa, dessa vez o foco é a comunidade latina, cada vez mais influente nos EUA. O roteiro de “Encanto” respeita isso – e traz o realismo fantástico que se tornou popular na região graças aos livros de Gabriel García Márquez e Julio Cortázar. Lembrando “Cem Anos de Solidão”, os Madrigal são uma espécie de família Buendía em versão animada, onde os limites entre a realidade e a fantasia estão difusos.

Como toda animação da Disney, o fio condutor é a música. É por meio das canções que conhecemos as jornadas de cada personagem, seus medos e desejos. O grande destaque aqui é que o contador dessas histórias é Lin-Manuel Miranda. Responsável pelo sucesso de “Hamilton”, o porto-riquenho é o mais talentoso compositor de sua geração.

A parceria de Miranda com a Disney começou na trilha sonora de “Moana – Um Mar de Aventuras”, que lhe rendeu indicação ao Oscar de Melhor Canção por “How Far I’ll Go” (“Saber Quem eu sou”). Veio então o convite para colaborar com a trilha sonora de “Star Wars: O Despertar da Força”, outro sucesso. Com o lançamento do canal de streaming Disney+, seu musical “Hamilton” ganhou uma elogiada versão filmada, indicada a 12 prêmios Emmy.

Miranda agora se arrisca até atrás das câmeras: “Tick, Tick… Boom” (Netflix). “Encanto” tem à frente o experiente diretor americano Byron Howard, de “Enrolados” e “Zootopia: Essa Cidade é o Bicho”, vencedor do Oscar de Animação em 2016. Ele é um dos poucos não-latinos na liderança criativa de “Encanto” – algo bem diferente daqueles tempos em que Pato Donald visitou o Brasil.

“Sonhava com um projeto latino da Disney”

ISTOÉ – A Disney lançou projetos globais como “Raya e o Último Dragão”, voltado ao mercado chinês, e “Encanto”, para os latinos. É importante para as crianças verem sua origem retratada em um filme da Disney?

LIN-MANUEL MIRANDA – Talvez a Disney tenha pensado nisso, mas nunca sequer utilizamos a palavra “mercado” no desenvolvimento desse projeto. Eu sempre quis participar de um projeto da Disney que se passasse na América Latina. Mais que qualquer outra coisa, queríamos que fosse sobre a família.

É um conceito difícil de levar para a tela, especialmente em uma animação, que trata geralmente de uma busca pessoal, uma jornada. É comum perder o foco nos outros personagens e se concentrar apenas no sonho do protagonista. Foi aí que pensamos: “será possível ter doze personagens em um filme da Disney, com toda a complexidade dessas relações?” Foi o que fizemos.


Por que a Colômbia foi escolhida para cenário de “Encanto”?

Porque é um lugar central para a América Latina e traz um caldeirão de influências e estilos musicais. Visitamos o país durante a preparação para o filme e nos apaixonamos imediatamente pela cultura. Foi um esforço grande para manter a autenticidade e os detalhes corretos, um cenário maravilhoso.

Você fez “Hamilton” e “Encanto”. Qual é a diferença de compor para adultos e crianças?

Nenhuma, é exatamente igual. A diferença é compor para uma animação da Disney, algo que intimida porque você sabe que fará parte de um legado que inclui algumas das melhores canções feitas para o cinema em todos os tempos. A última canção que escrevi para “Encanto” é a que Mirabel fala sobre seus sonhos, “Waiting on a Miracle”. Você sabe que ela não pode apenas ser boa, tem que ser do nível de “Into the Unknown”, de “Frozen”, “Reflection”, de “Mulan”, “Out There”, do “Corcunda de Notre Dame”, “Part of Your World”, de “A Pequena Sereia”… É assustador!

Grande parte do trabalho consiste em deixar isso de lado e tentar encontrar seu caminho. A única forma que conheço de escrever canções é me colocar na pele do personagem, tentar sentir o que ele sente. Aí converso comigo mesmo até que extrair a verdade. Isso é igual se eu for Aaron Burr, de “Hamilton”, ou Mirabel Madrigal, de “Encanto”. O trabalho é o mesmo.

De Hamilton a Maribel, os personagens que você dá voz costumam ser fora dos padrões. Você se identifica com isso?

Acho que todo compositor se sente dessa maneira. Também é assim em “Tick, Tick… Boom”, filme que acabei de dirigir. Um dos segredos dos compositores é que há sempre um gravador ligado ao nosso cérebro. É comum ouvir gente chegar para mim e perguntar: “você está prestando atenção no que estou falando ou está pensando em alguma melodia enquanto fala comigo?” Fui um garoto meio porto-riquenho meio mexicano, que cresceu em um bairro de maioria dominicana em Nova York, nos EUA. Frequentei uma escola de maioria branca. Passei verões em Porto Rico, e meu espanhol não era muito bom. Ser fora dos padrões é uma boa receita para um compositor. Se sentir um pouco fora de lugar o tempo inteiro é interessante para quem leva uma vida criativa.

Qual porcentagem dos personagens é autobiográfica?

Toda a equipe de “Encanto” colaborou com histórias pessoais. A canção-tema da personagem Luisa é uma carta de amor – e um pedido de perdão – à minha irmã mais velha, e a todos os primogênitos espalhados por aí. Eles têm mais responsabilidades e levam mais broncas, porque os geralmente não dão tanta atenção aos irmãos mais novos. Há um peso em ser o irmão mais velho. Sei que minha irmã sentia isso, e pensei muito nela na hora de compor. Há um trecho em outra canção, “Nós não falamos sobre Bruno”, em que os personagens se interrompem o tempo inteiro – é exatamente como meus pais agiam quando tentavam contar uma história. Todos esses detalhes vieram de experiências pessoais que buscamos para encontrar esses momentos.

Agora que já se passou alguns anos da febre de “Hamilton”, qual você acha que foi o segredo do enorme sucesso desse musical?

Não sei. Não acho que seja por causa do patriotismo ou da independência dos EUA, mas sobre o que fazemos com o nosso tempo nesse planeta. Hamilton e os outros personagens usaram o tempo que tinham para atingir seus objetivos. Quando escrevi as letras, costumavam pensar: “e o que eu estou fazendo com o meu tempo?” É isso que fica na cabeça quando você sai do espetáculo. Você olha para a sua vida e avalia o que está fazendo com seu tempo. Afinal, temos uma única vida e acho que as pessoas se identificam com isso. O musical as obriga a refletir sobre questões de suas próprias vidas.

Bem, você está fazendo bastante com seu tempo: participou de quatro filmes lançados apenas em 2021…

É verdade, foi esse o impacto que compor “Hamilton” teve em mim. Acho que é o “molho extra” que as pessoas buscam. Em um trecho de “Encanto”, Mirabel diz que “mesmo em nossos momentos mais sombrios, há luz onde menos esperamos”. A humanidade está vivendo um desses momentos com a pandemia?

Como Charles Dickens disse em “Um Conto de Duas Cidades”, “foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. Criar é um lugar seguro para mim, mesmo quando o resto do mundo está pegando fogo. Não consigo controlar os problemas e sofrimentos dos outros, mas posso controlar o que trago para o mundo, o que coloco na página em branco. Esse tem sido meu foco na fase mais recente da pandemia. No início eu estava tão deprimido e louco como todo mundo. Me reconectar com minha criatividade tem sido um jeito de superar a pandemia.

Você se sente um porta-voz da comunidade latina nos EUA e no mundo?

Espero que não! Tenho sorte porque faço o que amo para viver e, assim, consigo abrir mais portas para que outros latinos possam fazer o mesmo. Estou aqui porque vi Raul Julia, Rita Moreno, Rubén Blades, o grande Carlos Vives, e eles me mostraram que era possível viver de contar histórias por meio da música. Espero que o meu trabalho incentive mais gente a ver que isso é possível. Continuarei a trabalhar para abrir mais portas porque sei que não há falta de talento, apenas escassez de oportunidades. É nossa tarefa escancarar essas portas para que os outros possam entrar.

 

007: Sem Tempo para Morrer – Os brutos também amam

“Quando penso que estou fora, eles me puxam de volta para dentro.” A frase é de Michael Corleone em “O Poderoso Chefão 3”, mas define perfeitamente o mais recente episódio de outra franquia lendária. Em “007 — Sem Tempo para Morrer”, novo filme de James Bond, o agente secreto com licença para matar curte a aposentadoria no Caribe quando o Serviço Secreto britânico lhe traz de volta para salvar o mundo de mais um vilão.

O enredo pode soar como “déjà-vu”, mas o 25o filme do espião traz coisas surpreendentes — a começar pelo roteiro, de Scott Z. Burns e Phoebe Waller-Bridge (que também é atriz da série “Fleabag”), a partir de história de Neal Purvis e Robert Wade. Há perseguições alucinantes, cenários incríveis e cenas de ação de tirar o fôlego, como se espera. Existe, porém, uma ênfase inédita na emoção entre os personagens. O contraste entre o lado sentimental e o perfil físico de Daniel Craig — o Bond mais forte e violento até hoje — cria uma bela dinâmica e acrescenta a complexidade que permite ao personagem se manter relevante nos dias de hoje.

Nunca houve tanta presença feminina em um filme de 007 – e não estamos falando aqui apenas das sexy e famosas “Bond Girls”. Se o agente era famoso pela quantidade de beldades seduzidas por cena, agora o sexo foi substituído pelo amor por Madeleine, papel da atriz francesa Léa Seydoux. O elenco feminino tem ainda a cubana Ana de Armas e as britânicas Naomie Harris e Lashana Lynch — a herdeira do codinome “007” após a aposentadoria de James Bond. No elenco masculino constam, mais uma vez, Ralph Fiennes e Jeffrey Wright como M. e Felix, respectivamente, mas quem rouba a cena é Rami Malek, o Freddie Mercury de “Bohemian Rhapsody”. Com a voz mansa e o rosto desfigurado, ele exala a maldade típica dos supervilões e deixa marcada sua presença na história da franquia.

O filme marca a aposentadoria de Daniel Craig no papel que interpretou durante os últimos quinze anos. Nos cinco filmes em que atuou como 007, ele foi o grande responsável por trazer o personagem para o século 21. Além de ser uma despedida digna, “007 — Sem Tempo para Morrer” fecha o ciclo iniciado com “Cassino Royale”, em 2006. “Meu primeiro filme definiu a forma como interpretei esse personagem maravilhoso”, afirma Craig. “Eu queria que Bond parecesse um assassino, porque é isso que ele é. Mas eu queria uma abordagem moderna. Dessa vez senti que havia uma história para terminar e pontas soltas que precisávamos amarrar. Sinto que alcançamos isso. Estou orgulhoso do enorme esforço coletivo envolvido para se fazer um filme de Bond. Ser apenas uma pequena parte disso tem sido uma honra.”

A nova produção traz novidades também na direção: Cary Joji Fukunaga é o primeiro americano a dirigir um filme de James Bond. “É sempre importante colocar o personagem em uma situação impossível, da qual ele tem de tentar sair. Mas, em termos de ação, muitas coisas precisam acontecer para Bond chegar do ponto A ao ponto B. Não estamos reinventando o cinema, mas o colocamos em situações emocionais inéditas” afirma Fukunaga. Os tradicionais fãs de 007 não ficarão decepcionados, mas descobrirão que os brutos também amam.

Bom Oscar a todos!

MELHOR FILME

Belfast
No Ritmo do Coração
Não Olhe para Cima
Drive My Car
Duna
King Richard: Criando Campeãs
Licorice Pizza
O Beco do Pesadelo
Ataque dos Cães
Amor, Sublime Amor

Quem deveria ganhar: Não Olhe para Cima

Quem vai ganhar: Ataque dos Cães

MELHOR DIRETOR

Kenneth Branagh (Belfast)
Ryûsuke Hamaguchi (Drive My Car)
Paul Thomas Anderson (Licorice Pizza)
Jane Campion (Ataque dos Cães)
Steven Spielberg (Amor, Sublime Amor)

 

Quem deveria ganhar: Jane Campion

Quem vai ganhar: Jane Campion

MELHOR ATRIZ

Jessica Chastain (Os Olhos de Tammy Faye)
Olivia Colman (A Filha Perdida)
Penelope Cruz (Mães Paralelas)
Nicole Kidman (Apresentando os Ricardos)
Kristen Stewart (Spencer)

 

Quem deveria ganhar: Olivia Colman

Quem vai ganhar: Penelope Cruz

MELHOR ATOR

Javier Bardem (Apresentando os Ricardos)
Benedict Cumberbatch (Ataque dos Cães)
Will Smith (King Richard: Criando Campeãs)
Denzel Washington (A Tragédia de Macbeth)
Andrew Garfield (Tick, Tick… Boom!)

 

Quem deveria ganhar: Denzel Washington

Quem vai ganhar: Will Smith

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Jessie Buckley (A Filha Perdida)
Judi Dench (Belfast)
Kirsten Dunst (Ataque dos Cães)
Aunjanue Ellis (King Richard: Criando Campeãs)
Ariana DeBose (Amor, Sublime Amor)

 

Quem deveria ganhar: Kirsten Dunst

Quem vai ganhar: Ariana DeBose

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Ciarán Hinds (Belfast)
Kodi Smit-McPhee (Ataque dos Cães)
Troy Kotsur (No Ritmo do Coração)
J.K. Simmons (Apresentado os Ricardos)
Jesse Plemons (Ataque dos Cães)

 

Quem deveria ganhar: Troy Kotsur

Quem vai ganhar: Troy Kotsur

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Belfast
Não Olhe para Cima
King Richard: Criando Campeãs
Licorice Pizza
A Pior Pessoa do Mundo

 

Quem deveria ganhar: Não Olhe para Cima

Quem vai ganhar: Não Olhe para Cima

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

No Ritmo do Coração
Drive My Car
Duna
A Filha Perdida
Ataque dos Cães

 

Quem deveria ganhar: Ataque dos Cães

Quem vai ganhar: Ataque dos Cães

MELHOR FILME INTERNACIONAL

Drive my Car (Japão)
Flee (Dinamarca)
A Mão de Deus (Itália)
A Pior Pessoa do Mundo (Noruega)
A Felicidade das Pequenas Coisas (Butão)

 

Quem deveria ganhar: Drive my Car

Quem vai ganhar: Drive my Car

MELHOR ANIMAÇÃO

Encanto
Flee
Luca
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas
Raya e o Último Dragão

 

Quem deveria ganhar: Encanto

Quem vai ganhar: Encanto

MELHOR DOCUMENTÁRIO

Ascensão
Attica
Flee
Summer of Soul (…Ou, Quando a Revolução Não Pode Ser Televisionada)
Escrevendo com Fogo

 

Quem deveria ganhar: Summer of Soul

Quem vai ganhar: Summer of Soul

MELHOR MONTAGEM

Não Olhe para Cima
Duna
King Richard: Criando Campeãs
Ataque dos Cães
Tick, Tick… Boom!

 

Quem deveria ganhar: Não Olhe para Cima

Quem vai ganhar: Não Olhe para Cima

MELHOR FOTOGRAFIA

Duna
O Beco do Pesadelo
Ataque dos Cães
A Tragédia de Macbeth
Amor, Sublime Amor

 

Quem deveria ganhar: A Tragédia de Macbeth

Quem vai ganhar: A Tragédia de Macbeth

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE

Duna
O Beco do Pesadelo
Ataque dos Cães
A Tragédia de Macbeth
Amor, Sublime Amor

 

Quem deveria ganhar: A Tragédia de Macbeth

Quem vai ganhar: Amor, Sublime Amor

MELHOR FIGURINO

Cruella
Cyrano
Duna
O Beco do Pesadelo
Amor, Sublime Amor

 

Quem deveria ganhar: O Beco do Pesadelo

Quem vai ganhar: O Beco do Pesadelo

MELHOR MAQUIAGEM

Um Principe em Nova York 2
Cruella
Duna
Os Olhos de Tammy Faye
Casa Gucci

 

Quem deveria ganhar: Duna

Quem vai ganhar: Duna

MELHOR EFEITOS VISUAIS

Duna
Free Guy
007: Sem Tempo para Morrer
Shang-Chi e a Lenda dos Dez Aneis
Homem-Aranha: Sem Volta para Casa

 

Quem deveria ganhar: Duna

Quem vai ganhar: Duna

MELHOR SOM

Belfast
Duna
007: Sem Tempo para Morrer
Ataque dos Cães
Amor, Sublime Amor

 

Quem deveria ganhar: 007: Sem Tempo para Morrer

Quem vai ganhar: Amor, Sublime Amor

MELHOR TRILHA SONORA

Não Olhe para CIma
Duna
Encanto
Mães Paralelas
Ataque dos Cães

 

Quem deveria ganhar: Encanto

Quem vai ganhar: Encanto

MELHOR CANÇÂO

“Down To Joy” (Belfast)
“Dos Oruguitas” (Encanto)
“Somehow You Do” (Quatro Dias com Ela)
“Be Alive” (King Richard: Criando Campeãs)
“No Time To Die” (007: Sem Tempo para Morrer)

 

Quem deveria ganhar: No Time to Die

Quem vai ganhar: No Time to Die

MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA METRAGEM

Audible
Onde Eu Moro
The Queen of Basketbal
Três Canções para Benazir
When We Were Bullies

 

Quem deveria ganhar: Onde eu Moro

Quem vai ganhar: Três Canções para Benazir