O governo federal vem promovendo uma política antropológica genocida em relação aos Yanomamis — comunidade que se concentra sobretudo no norte do País, reunindo cerca de vinte e seis mil indivíduos. Tal política se desenrola por meio de duas vertentes: em uma delas, o que existe é antipatia mesmo, intolerância pessoal com a população indígena, preconceito, retrógrada questão de pele; na segunda, em oportunista decorrência, vê-se o abandono, o descaso e a selvagem escalada de atividades predatórias mas lucrativas. Diante de um crime contra a vida busca-se sempre uma explicação no plano social e antropológico, o que jamais o justifica, até porque explicar e justificar são categorias do conhecimento completamente distintas. Tal explicação buscada, muitas vezes, revela terríveis posições ideológicas. É o caso do governo federal e da morte de Yanomamis. É a “banalidade do mal”, ensinada por Hannah Arendt ao se referir à frieza com que amanuenses alemães, durante o nazismo, enviavam judeus aos campos de extermínio, considerando que estavam somente cumprindo as suas burocráticas rotinas — o que não os fez e não os faz menos criminosos.

YANOMAMIS Os líderes Davi e Dario (à dir.): “Chega de perdermos nossos velhos. Chega de perdermos nossos filhos” (Crédito:André Villas-Boas/Isa)

A floresta adoeceu

Assim se porta o governo federal brasileiro com os Yanomamis, que serão retratados no Festival Internacional de Cinema de Berlim, no filme intitulado “A última floresta”. O nome do filme diz tudo. Falando-se em cinema, assim se portavam também os personagens de John Wayne na perseguição a Apaches: matavam Apaches apenas porque eram Apaches — e, claro, o resultado final do genocídio era a posse de suas terras. Aquilo que a gestão Jair Bolsonaro coloca cada vez mais em andamento, no entanto, não é filme: é uma dura realidade de um povo sob risco de extinção. “É uma política de genocídio”, diz o pesquisador e médico da Fiocruz Paulo Cesar Basta. “O mais grave é que está sendo financiada pelo governo federal”. No rastro devastador de florestas, bruto e pragmático de que Yanomami bom é Yanomami morto, que atende a preconceitos pessoais de governantes, vêm, principalmente, o agronegócio e o garimpo ilegal. Somente na região norte da Floresta Amazônica, os Yanomamis são obrigados a conviver com cerca de vinte mil garimpeiros não legalizados. “A ONU precisa falar com as autoridades do Brasil”, diz o líder Yanomami Davi Kopenawa.

O que existe é antipatia mesmo, intolerância pessoal com a população indígena, preconceito e retrógrada questão de pele

Além disso, os Yanomamais não contam com assistência à saúde e ainda assistem ao desmantelamento dos órgãos de defesa de seus povos. “Chega de perdermos os nossos velhos, chega de perdermos os nossos filhos. Não queremos mais chorar”, diz o também líder Yanomami Dario Kopenawa. Os rios de choro tem motivo: segundo o Instituto Socioambiental, registra-se um crescimento de 250% em novos casos de contaminação. “Por dentro não estamos bem, estamos adoecidos. Nossa floresta adoeceu”, diz uma indígena Yanomami e Ye’Kwana. Tudo isso se dá em um recorte político de desterritorialização da população indígena, desconstitucionalização de direitos previstos na Carta Magna e no assassinato de uma cultura por meio da estúpida aculturação — ou, como quer Jair Bolsonaro, em seu paupérrimo e discriminatório vocabulário, que os Yanomamis se tornem “índio evoluído”. Essa política indigenista não é nada diferente daquela que foi colocada em prática em um dos mais obscurantistas períodos da história brasileira, ao longo do regime de exceção da ditadura militar. “Não há perspectiva de melhora alguma”, diz o secretário executivo do Observatório de Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados, Leonardo Lenin Santos. “O que temos é a grande resistência dos Yanomamis e é com isso que contamos para barrar essa política assassina do governo”.