Depois de renovarem o cenário político europeu, os verdes estão próximos de governar a nação mais poderosa do continente. Estrela no cenário político da Alemanha, a líder do Partido Verde, deputada Annalena Baerbock, concorre nas eleições de setembro com chances reais de conquistar a cadeira de Angela Merkel, que vai deixar o poder depois de 16 anos. Esse é o pleito mais disputado do país no pós-guerra, e o primeiro em que o chanceler não busca um novo mandato.

TSUNAMI VERDE Militantes do
Partido Verde comemoram vitória
na Baviera, em 2018. O grupo já
é a segunda força política do país (Crédito:Andreas Gebert)

A ascensão da deputada ambientalista, indicada por seu partido no dia 19, reforça um movimento que já estava em curso nos últimos anos. Uma “onda verde” varreu o continente nas eleições europeias de 2019. Os verdes abandonaram a imagem de legenda de protesto e conquistaram mais de 10% dos acentos do Parlamento Europeu, um crescimento de 50% em relação ao último ciclo eleitoral. Venceram em cidades como Budapeste e Amsterdã. No ano passado, nas eleições regionais francesas, ganharam em cidades importantes como Lyon, Bordeaux e Estrasburgo. Em Paris, uniram-se à prefeita socialista, que foi reeleita com um forte programa para povoar o centro da cidade de ciclistas.

A sociedade europeia valoriza cada vez mais a responsabilidade ambiental. Mas não é apenas isso que garantiu mais espaço aos antigos ecologistas. Antes focados apenas na agenda ambiental, eles caminharam para o centro e passaram a ter pautas mais pragmáticas no campo econômico e social. Com isso, conquistaram eleitores mais velhos e se consolidaram como a segunda força política da Alemanha, atrás apenas da coligação conservadora CDU-CSU, de Merkel, e à frente da social-democracia (SPD). Participam atualmente de 11 dos 16 governos regionais. No continente, por meio de coligações, estão no poder em seis países (Áustria, Bélgica, Finlândia, Irlanda, Luxemburgo e Suécia).

Voto feminino

Annalena teve um papel decisivo para esse realinhamento. Ex-ginasta, ela é metódica, dinâmica e carismática. Exibe uma personalidade forte que pode ser importante para rivalizar com Merkel, que dominou o cenário político interno e virou uma referência internacional. A líder do Partido Verde não evita temas difíceis como o apoio a empresas que precisarão lidar com uma transição tecnológica e o endurecimento na política externa com as ditaduras da China e da Rússia. Isso confronta a histórica “realpolitik” alemã, a política realista necessária para lidar com temas sensíveis como o novo gasoduto Nord Stream 2, que deixará o país mais dependente de Putin. Mas a líder verde está alinhada com o clamor pela modernização e por uma atuação mais ativa na frente externa, assim como pela revalorização da União Europeia, colocada à prova com o Brexit e o trumpismo.

DESPEDIDA Líder mais longeva, Angela Merkel deixará o poder após 16 anos (Crédito:JOHN MACDOUGALL)

Além disso, a líder verde se escora no voto feminino, cada vez mais importante em contraste com a elite política de velhos caciques brancos. Explora ainda o apoio de setores que se sentem marginalizados. É uma novidade, já que os verdes sempre foram questionados por atenderem principalmente às elites econômicas urbanas. O continente se move de forma decisiva para a energia limpa, mas isso tem um custo econômico que prejudica o mundo rural e as comunidades afastadas. Uma lição veio da França, onde o presidente centrista Emmanuel Macron tentou acenar para o eleitorado progressista ao patrocinar uma taxação “verde” de combustíveis, em 2018. Mas colheu o protesto dos coletes amarelos, que tiveram o apoio decisivo dos agricultores.

As chances da nova líder crescem, mas ela ainda enfrentará várias provas nos próximos cinco meses. A coalização CDU-CSU ainda lidera as pesquisas, apesar da guerra fratricida entre as duas legendas irmãs. Armin Laschet é o indicado oficial do grupo para suceder Merkel, mas ainda não demonstrou força para unir o país — e o atual governo tem sofrido críticas pelo ritmo lento da vacinação. Se ele chegar na frente mas não obtiver maioria, precisará compor com os verdes. Por outro lado, se Annalena tiver uma votação expressiva poderá se aliar com outros partidos para conquistar a maioria no Parlamento, inclusive com os sociais-democratas (vão concorrer com Olaf Scholz), que já dividiram o governo com os verdes entre 1998 e 2005.

Os verdes e os radicais de direita são grupos em ascensão na Europa. Uma vitória de Annalena na Alemanha representaria um abalo para o establishment político no continente, mas poderia, paradoxalmente, reforçar as forças moderadas. Na França, Macron vê sua rival arquiconservadora Marine Le Pen como uma ameaça cada vez maior para sua reeleição no próximo ano. Um novo mandato de Macron, junto com a reafirmação de um grupo centrista, mas renovado, na Alemanha, poderia cristalizar ainda mais a aliança das duas grandes potências que garantiram a coesão da União Europeia e, por tabela, a força das democracias liberais em um mundo cada vez mais polarizado.