Imagine John Lennon comemorando 80 anos – e então lembre-se que ele morreu aos 40. Ao ver fotos dos Beatles na época da separação, é difícil crer que aqueles homens maduros tinham apenas três décadas de vida. Mesmo jovens, fizeram a maior revolução musical que o mundo já viu. O sonho acabou em 1970, mas foi enterrado em 1980: em 8 de dezembro, uma triste segunda-feira, o assassinato de Lennon impediu que assistíssemos ao seu amadurecimento artístico. Os últimos momentos de John Lennon foram na cidade que ele escolheu para viver, Nova York. Mais precisamente na frente do Dakota, edifício em estilo Art Noveau construído um século antes na rua 72, em frente ao Central Park. Ali, na entrada do prédio, ele se viraria ao ouvir a expressão “Mr. Lennon!”, e levaria cinco tiros de um revólver 38. O assassino, que cumpre prisão perpétua em Attica, a 560 km do local onde cometeu o crime, carregava um exemplar do livro “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D. Salinger. Questionado pela polícia, disse que havia atirado porque a vítima “costumava blasfemar contra Deus”.

SONHO John falou sobre possível volta dos Beatles e shows no Brasil (Crédito:Arquivo Marco Antonio Mallagoli)

O dia de John começou às 7 da manhã no sétimo andar do apartamento onde morava com a esposa, Yoko Ono. O casal tinha outros três apartamentos no prédio, usados como depósitos e estúdio, em um total de 34 quatros. Às 9h, John e Yoko comeram ovos mexidos no Café La Fortuna, a um quarteirão dali. Após fumar um cigarro da marca francesa Gitanes, John quis cortar o cabelo para a sessão de fotos que teria às 11h com Annie Leibovitz, fotógrafa da Rolling Stone. Apesar de a revista querer apenas o ex-Beatle na capa, John convenceu o editor a fotografá-lo sem roupa e em posição fetal, ao lado de Yoko, vestida. Lançada semanas depois, a capa com essa foto é uma das mais famosas da história do jornalismo. Depois das fotos, John deu entrevista a David Sholin, de uma rádio de São Francisco. Disse uma frase tristemente profética: “Vamos viver ou morrer. Considero que minha obra não estará completa até eu estar morto e enterrado – e espero que isso ainda demore muito tempo”.

Às 16h30, John e Yoko desceram para ir ao estúdio. O assassino de John estava na porta do prédio e pediu um autógrafo; John o atendeu e, ao entregar de volta o disco, perguntou “é só isso que você quer?”. O casal entrou então no carro de Sholin, que lhes deu uma carona até o The Record Factory, estúdio onde gravavam canções para o “Milk & Honey”, que seria a sequência do bem-sucedido “Double Fantasy”. O álbum que tinha acabado de sair fazia tanto sucesso que, nesse dia, o dono da gravadora Geffen Records, David Geffen, visitou o local para contar que ele se tornara “Disco de Ouro” ao ultrapassar as 500 mil cópias vendidas em menos de um mês. Nesse dia John e Yoko trabalhavam na canção “Walking on Thin Ice”, cantada por Yoko. John ficou feliz com a voz de gravação e achou que a canção seria um novo sucesso. Às 22h30, ele encerrou os trabalhos e combinou de se encontrar com o engenheiro de som na manhã do dia seguinte, às 9h.

Às 22h48, o assassino de John conversava com o porteiro do Dakota, o cubano José Perdomo. Um carro bloqueava a garagem, por isso John e Yoko tiveram que descer e entrar a pé. Ela desceu primeiro; ele carregava um gravador e as fitas do dia. O assassino o chamou; John foi atingido duas vezes nas costas, outras duas no peito. O quinto tiro acertou uma parede do Dakota. “Fui baleado”, balbuciou para Yoko. José Perdomo tirou a arma da mão do assassino e tocou o alarme. Dois minutos depois as sirenes anunicaram a chegada da polícia. Como John estava perdendo sangue, não havia tempo para a ambulância. O policial James Moran e outro porteiro, Jay Hastings, colocaram o músico na viatura. A caminho do hospital St. Luke’s Roosevelt, Moran perguntou: “Você é John Lennon?”. A voz do artista que encantou gerações e mudou o mundo pronunciou sua palavra derradeira: “sim”.

Sete médicos ainda tentaram realizar uma cirurgia de emergência, mas não conseguiram conter a hemorragia. Às 23h01, o coração de John parou de bater. Às 23:15, durante um jogo de futebol Americano, o locutor Howard Cosell, da ABC News, anunciou ao mundo: “Uma tragédia que nos deixa sem palavras. John Lennon, talvez o mais famoso dos Beatles, foi baleado em frente ao seu prédio, em Nova York. John Lennon está morto”.

Um brasileiro

LANÇAMENTO “Gimme Some Truth”: pacote em comemoração aos 80 anos de John traz 36 canções remixadas, livro e cartões-postais (Crédito:Divulgação)

Em seu último aniversário, de 40 anos, em 9 de outubro, John recebeu um presente especial de um brasileiro. Marco Antonio Mallagoli, fã e colecionador dos Beatles, entregou ao assistente dele, Fred Seaman, o raro disco “Os Reis do Ié-Ié-Ié”, versão brasileira de “A Hard Day’s Night”, de 1964. Seaman estava na porta do Dakota entregando bolos aos fãs que aguardavam por um autógrafo. Segundo Seaman, John passou o aniversário ouvindo o tal disco, algo que, segundo ele, não acontecia há anos.

“Seaman me disse que Yoko ficou brava porque não gostava quando John ouvia Beatles”, lembra Mallagoli. No dia seguinte, o brasileiro foi ao mesmo local e, dessa vez, conseguiu conversar com o ídolo. “Perguntei por que ele nunca havia ido ao Brasil. Ele respondeu que jamais fora convidado. Então eu o convidei.” John revelou então que, depois da turnê de divulgação de “Double Fantasy” na Europa, Japão e EUA, iria se encontrar com os outros Beatles. “John me disse: ‘vou ligar para os outros três e ver o que eles estão fazendo da vida’, e deu uma risada”, lembra o brasileiro.

Segundo Mallagoli, Seaman contou mais tarde que John havia levado a sério o convite para visitar o Brasil. “O plano dele era vir no Carnaval, pois poderia sair dançando pelas ruas de máscara sem ser reconhecido. John queria visitar estádios para decidir onde gostaria de tocar. E abriria mão do cachê: depois de pagar os músicos, doaria o dinheiro a entidades beneficentes”. A chance de ver uma turnê de John Lennon no Brasil acabou em 8 de dezembro de 1980, mas certamente ficará na cabeça
de todos os sonhadores.



ENTREVISTA

“Gravar ‘Imagine’ foi um sonho”

MESTRE Alan White: bateria nos primeiros álbuns solo de John (Crédito:Divulgação)

Alan White foi baterista de John Lennon de 1969 a 1972 e participou do maior sucesso de sua carreira solo, “Imagine”. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, o músico britânico que hoje toca bateria no Yes lembra sua relação com o ex-Beatle.

Qual foi o impacto da morte de John?
Fiquei arrasado. O mundo mudou muito, mas as palavras de John ainda fazem sentido hoje. Isso prova sua grandeza.

O que ele estaria fazendo agora?
Impossível saber. Sua mente estava em constante estado de criação. Ele tinha ideias sobre tudo, o tempo inteiro.

Você é um baterista mais técnico que Ringo Starr. Por que John o escolheu?
Acho que eu estava no lugar certo na hora certa. Mas se eu não tivesse talento, John certamente não teria me chamado.

Qual é sua memória mais forte dele?
A gravação da canção “Instant Karma”. Ela tem uma batida complexa no meio. John me disse: ‘não entendi direito o que você está fazendo, mas gostei. Continue a tocar assim’. Foi um grande elogio.

Você gravou “Imagine”, uma das maiores canções da história.
Foi um sonho. Gravamos uma versão no novo álbum do Yes ao vivo, “The Royal Affair Tour: Live From Las Vegas”. Sua mensagem continua atual. Toquei do meu jeito com John e ela se tornou uma canção do mundo. Tenho muito orgulho disso.