Na semana que antecede o julgamento das denúncias de tentativa de golpe de Estado pela Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu grupo político se depararam com ao menos três sinais de adversidade na relação com essa mesma corte.
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Os episódios se somam a um histórico conhecido que tem, por um lado, declarações de confronto em manifestações, depredação e tentativa de desmantelamento e, por outro, decisões contestadas por juristas quanto ao peso das sentenças direcionadas a esse grupo. Neste texto, a IstoÉ recapitula as cenas mais recentes dessa relação.
A afronta americana
Na terça-feira, 19, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou que pediria licença do mandato para ficar nos Estados Unidos e “se dedicar integralmente a buscar as devidas sanções aos violadores de direitos humanos e as justas punições a Alexandre de Moraes [ministro do Supremo Tribunal Federal]“.
Em território americano, o parlamentar afirmou que pediria asilo político ao presidente dos EUA, Donald Trump, e cogitou nem sequer retornar ao Brasil para disputar as eleições de 2026 — tempo de permanência que superaria os 120 dias de licença parlamentar e o faria perder o mandato na Câmara.
Embora não seja nem sequer investigado em ações no Supremo, Eduardo é filho de Jair, que está prestes a ser julgado na corte pelas denúncias de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, em processo relatado por Moraes. O ministro ainda foi seguido pelos colegas nas sentenças que condenaram centenas de participantes dos atos criminosos de 8 de janeiro de 2023 à prisão, que a direita radical considera excessivas e tenta reverter, no Congresso, por meio de um projeto de anistia.
Nos EUA, o deputado pretende reforçar a relação com a Casa Branca para garantir que Trump designe uma embaixadora antipática ao Judiciário brasileiro e articular sanções como a suspensão do visto de Moraes, medida que advogados do direito internacional ouvidos pela IstoÉ consideram improvável.
Na data do anúncio de Eduardo, o site Metrópoles revelou que Moraes recebeu colegas de toga e políticos como o ex e atual presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para um jantar em que o parlamentar foi chamado de “frouxo” e “bananinha” por deixar o Brasil. A chacota incomodou a família Bolsonaro, que associou o encontro ao que consideram ser prova da parcialidade do magistrado para julgá-los no STF.
Ministros mantidos
Em paralelo à movimentação midiática de Eduardo para ameaçar a atuação de Moraes, os advogados de seu pai trabalhavam com uma estratégia judicial para retirar o ministro dos processos que envolvem o ex-presidente.
Após tentativas frustradas de tornar o ministro suspeito para julgar a trama golpista — como seu nome constava no plano descoberto pela Polícia Federal para ser executado antes da posse do presidente Lula (PT), Moraes seria vítima e juiz no caso, o que é vetado –, a defesa de Bolsonaro se uniu às do ex-ministro Walter Braga Netto (PL) e do general da reserva Mario Fernandes para tirar, de uma vez, Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin do julgamento.
Na representação enviada ao STF, os advogados argumentaram que, além da suspeição do relator, Dino deveria ser impedido porque já apresentou queixa-crime contra Bolsonaro quando era governador do Maranhão, enquanto Zanin, ex-advogado pessoal de Lula, se declarou impedido para atuar no julgamento em que o ex-presidente tentou, sem sucesso, reverter sua inelegibilidade no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Não deu certo. À exceção de André Mendonça, o plenário da corte se uniu para manter os ministros no julgamento. Com isso, o trio terá a responsabilidade de, ao lado de Cármen Lúcia e Luiz Fux, definir entre 25 e 26 de março se a trama golpista se torna um processo criminal no Supremo — possibilidade que consolidaria o revés judicial de Bolsonaro.
Zambelli em maus lençóis
Na sexta-feira, 21, o Supremo iniciou o julgamento de uma ação penal contra a deputada Carla Zambelli (PL-SP), ré na corte pelo episódio em que sacou uma arma de fogo e perseguiu Luan Araújo, às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, em uma rua de São Paulo.
Relator do processo, Gilmar Mendes votou pela condenação da deputada a uma pena de cinco anos e três meses em regime semiaberto e perda do mandato. “O contexto fático em que deputada federal persegue em via pública, com arma de fogo, indivíduo desarmado de corrente partidária adversa, na véspera das eleições, após troca de insultos recíprocos, reveste-se de elevado grau de reprovabilidade”, escreveu, em voto seguido por Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
Em nota, Zambelli disse ter “total confiança na Justiça” e na comprovação da própria inocência. A julgar pela postura da corte em inquéritos que envolvem violência política, em especial nos arredores das complexas eleições de 2022, a margem para essa crença é restrita.
Além da situação da parlamentar, o julgamento reacende uma sequência de episódios que analistas e mesmo aliados de Bolsonaro consideram cruciais para a derrota do ex-presidente nas urnas. Em um momento-chave da campanha eleitoral, o assassinato de um petista por um policial penal bolsonarista no Paraná, os tiros do ex-deputado Roberto Jefferson (PRD) contra policiais federais na porta de sua casa e a cena da perseguição elevaram a rejeição ao então mandatário.
Agora, os votos contra Zambelli prenunciam que o STF não mudou seu temperamento ao julgar casos do tipo — o que oferece um indicativo claro quanto ao correr processual da trama golpista.