E screvo antes das quartas-de-final — portanto, a apenas três jogos do tão acalentado hexa. O Brasil que desperta depois da Copa contabiliza outras partidas pela frente. Durante a semana, enquanto o tornozelo do nosso craque era esmagado por um adorador de nachos, outro tornozelo, o de José Dirceu, recebia autorização para flanar livre, leve e solto graças a uma decisão do ministro Dias Toffoli.

O magistrado, ex-advogado do próprio Dirceu, assessor jurídico de três campanhas de Lula e ex-causídico do PT, preferiu fazer ouvidos moucos a uma determinação do juiz Sergio Moro mesmo sem ser provocado — ao contrário de Neymar, este provocado sempre. Tal como o camisa 10 da seleção de Tite, Dirceu deve ter se contorcido no chão. A gargalhar da nossa cara, porém. Quem já jogou futebol sabe: uma pancada naquela saliência óssea entre a perna e o pé provoca dores lancinantes, de modo que preservá-la incólume é privilégio de poucos.

A decisão monocrática de Toffoli revela que os processos nem precisam mais cair à segundona do STF para que sejam cometidos desatinos supremos. Abriu-se um precedente. Se a intenção é livrar alguém da turma de cima, para o desalento da turma de baixo, a turma de segunda nem carece ser acionada mais. Basta uma canetada de qualquer ministro de quinta. É, Barroso, o STF virou mesmo uma soma de individualidades. “Toca a bola para outro magistrado, Toffoli!” Não. Ele, como alguns de seus colegas de toga, prima pelo individualismo. Quer resolver sozinho. Driblar os brasileiros e entrar com bola e tudo no gol. Só que contra. Gol contra o Brasil.

Sócrates, não o craque, mas o filósofo ateniense, aconselhava os magistrados a ouvir cortesmente, responder sabiamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente. Não é o que parece acontecer na Suprema Corte brasileira. Por isso é valida a rediscussão do papel do STF. Já dizia Cezar Peluso: “no Brasil, o mundo jurídico não reage à altura dos erros do Supremo”. Nos EUA, por exemplo, a marcação é cerrada. Há uma produção acadêmica com massa crítica sobre as decisões do tribunal.

O ativismo do STF em matéria política não é novo. Remonta ao século passado. Ao propor ao Senado uma posição conciliadora capaz de encerrar os “abusos” da jurisdição ampliada do habeas corpus, o ex-presidente Epitácio Pessoa discursou: “Os tribunais devem ser afastados do terreno da política, onde correm sempre o risco de perder a serenidade que deve formar o ambiente de suas decisões e o sentimento de justiça que deve inspirá-las. Infelizmente a intervenção do Judiciário nos casos políticos tem sido demasiado freqüente e, não raro, perturbadora”.

Ó tempora, ó mores. Nos idos de 1920, época de Epitácio presidente, o ápice do charme eram as jovens de tornozelos à mostra. Agora, tornozelo desnudo carrega outro significado. Na vida e no futebol.