2021, Brasil Pacheco (à esq) e Martins: Gesto codificado da supremacia (Crédito:Divulgação)

O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Filipe Martins, não está sozinho em sua ignorante ideologia que julga a etnia branca superior às demais. Não está sozinho no governo, não está sozinho no Brasil, não está sozinho no mundo. O supremacismo branco nasceu, como organização, em meados do século 19, nos EUA, mas a partir dos anos 1930 deixou de se voltar apenas contra negros e incorporou ideias totalitárias de perseguição também a judeus, árabes e asiáticos. Como coisa ruim cola em coisa ruim, atualmente neofascistas, neonazistas e supremacistas se entrelaçam indissociavelmente em seus estúpidos ideários e em ações terroristas. Martins, extremista de direita, é homem da ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro. O seu nome está na berlinda porque ele fez o gesto típico do “White Power” (“Poder Branco”), sentado atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em uma audiência — até a quarta-feira 31 a Casa não deliberara sobre o seu voto de censura.

2021, EUA Ódio contra asiáticos: Seis massagistas assassinadas (Crédito:Divulgação)

No governo, Martins não está solitário porque o próprio Bolsonaro declarou que considera o gesto até bacana. Quanto ao Brasil e ao mundo, nos últimos anos cresceram, em média, 36% os sites radicais de supremacistas, neofascistas e neonazistas. Ou seja: Martins tem companhia à altura de sua mente atrasada. Tal crescimento deve-se à xenofobia diante da onda de imigração, deve-se a pessoas como Donald Trump, deve-se a regimes ditatoriais. No Brasil, onde a supremacia branca é histórica e estrutural, maquiou-se ela com teorias como a do “esforço próprio” e da “meritocracia”, ganhando força nesse momento com a gestão presidencial que elogia torturadores — os antigos feitores. “Os supremacistas vivem uma retrotopia”, analisa Rogério Baptistini, sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Como disse Zygmunt Bauman, eles exploram o medo que muitas pessoas têm do futuro”. Daí o reacionarismo e o doentio flerte com o passado.

2020, Brasil Sara Winter e a Marcha dos 300: Ato anticivilizatório (Crédito:Divulgação)

Bolsonaro e assessores, orquestradamente, já tomaram em conjunto copos de leite em um evento, e esse é um dos símbolos codificados da supremacia branca. Na segunda-feira 29, pressionado pelo MPF, o presidente cogitava afastar Martins do Palácio. Isso é pouco, isso é nada, pois o supremacismo é uma teo-ria biológica e antropológica que se desdobra em terrorismo. Foi logo após a abolição da escravatura, nos EUA, quando o sul escravocrata e confederado abriu a Guerra da Secessão contra o norte abolicionista, em 1861, que o supremacismo começou a ser gestado. O sul perdeu e nasceu dessa derrota o famigerado movimento racial Ku Klux Klan: Odiava negros, queimava casas de negros, enforcava negros, chegando a ter cerca de seis milhões de membros loiros. Posto fora da lei, hoje conta com alguns milhares de integrantes — mas, como foi dito, entrelaçou o seu ideário com o preconceito a diversas etnias. O grande ideólogo dessa nova versão do supremacismo, exaltada por Martins, é o escritor francês Renaud Camus, pai da “teoria da substituição”: Significa extinguir todos os que não são brancos.

2019, Nova Zelândia Terrorismo: Fúria contra todas as etnias em nome da “branquitude” (Crédito:Divulgação)

Falamos do entrelaçamento dessas ideologias de lixo, e a prova de que isso é real vem do próprio Renaud, que as juntou. Foi ele o mentor intelectual, em 2019, do atentado em duas mesquitas da Nova Zelândia, que matou cinquenta pessoas. O terrorista Brentou Tarrant, ao iniciar a ação, berrou: “Do not go gentle into that good night” (“Não mergulhe docilmente naquela boa noite”). É estarrecedor, mas é essa a frase que Martins, até recentemente, trazia em seu perfil no Twitter. Mais: Martins cita o lema latino “Oderint dum metuant”. Isso significa, assustadoramente, o seguinte: “Que nos odeiem, desde que nos temam”. Vale, aqui, mais um exemplo dos supremacistas aglutinando-se com outros movimentos racistas. Em 2017, nos EUA, houve uma marcha de todos eles, e os participantes, a exemplo da originária Ku Klux Klan, trajavam túnicas brancas e chapéus cônicos, carregavam tochas e um grande crucifixo em chamas. Além de gritarem “morte aos pretos e aos judeus”, elegeram gays, imigrantes e asiáticos como inimigos. O objetivo da marcha era a “união dos supremacistas”. Há um mês, em Atlanta, um fanático que esteve nessa marcha assassinou seis asiáticas em casas de massagem. Em 2020, a extremista Sara Winter comandou idêntica passeata a dos EUA, de três anos antes, com os mesmos propósitos acrescidos da antidemocrática reivindicação de calar o Poder Judiciário.

O grande ideólogo da supremacia em nosso chão foi o sociólogo Oliveira Viana, dono de frase emblemática: “Qual o valor da vida de milhões de hindus diante da vida de poucos ingleses que os dominam?”. À época da abolição no Brasil, existiam quatro milhões de descendentes de africanos e setecentos mil descendentes de portugueses. Pelo raciocínio de Viana, do que valia, ou vale, a vida da maioria preta? Perversamente, nada: aqui eles morrem mais de tiro, na terra da Ku Klux Klan morrem até sem conseguir respirar feito George Floyd — pescoço negro esmagado por joelho branco de guarda. O crítico mais sagaz e imortal do supremacismo foi Machado de Assis. Seu personagem Quincas Borba, ironicamente, diz: “Ao vencido, ódio ou compaixão” (seriam os pretos); ao vencedor” (os supremacistas), “as batatas”. Um troféu de iniquidade.