Portugal foi descoberto por Hollywood, que importou dois grandes compositores, Rodrigo Leão (O Mordomo da Casa Branca) e Nuno Malo (Luv). O primeiro, com 30 discos gravados, nunca encontrou o segundo, mas o mundo conhece bem o trabalho dos dois, em especial o Brasil (Leão gravou com Adriana Calcanhotto e Rosa Passos). Ex-integrante do grupo Madredeus, Rodrigo Leão, aos 51 anos, comemora 23 anos de carreira solo com o lançamento de seu mais ambicioso trabalho, o CD O Retiro, com a Orquestra e Coro Gulbenkian. O disco tem arranjos do norte-americano Steve Bartek (assistente de Danny Elfman) e do português Carlos Tony Gomes.

De Avis, por telefone, Leão falou com a reportagem. Foi no vilarejo do distrito de Portalegre, no Alentejo, com pouco mais de 1.800 habitantes, que muitas das composições de O Retiro foram concebidas por Leão, seguindo uma sugestão do empresário Antonio Cunha. Desnecessário dizer que seu conteúdo é composto por peças instrumentais e vocais de grande sofisticação e equilíbrio, na contramão da estridência contemporânea.

O álbum é uma elegia ao silêncio encontrado em lugares envolventes como Avis. Por sua natureza erudita, foi produzido pelo selo Deutsche Grammophon, que tem bancado obras experimentais híbridas como as de Leão e do alemão Max Richter, também autor de trilhas.

O compositor português não planejou enveredar por esse segmento, mas já compôs nove trilhas, entre elas a do documentário Santiago, dirigido pelo cineasta brasileiro João Moreira Salles. “Quando comecei essa experiência, há 20 anos, queria encontrar algo na linha dos minimalistas, como Michael Nyman”, revela, referindo-se ao fiel colaborador britânico do cineasta Peter Greenaway. Mas, ao contrário de Nyman, um erudito formado pela Royal Academy of Music, Leão é um autodidata em busca de correspondência sonora para as imagens que o perseguem, exercitando sua capacidade sinestésica.

“Quando me pedem uma trilha, fico ansioso, mas, depois, quando encontro o caminho, é muito gratificante”, diz, revelando que não só as imagens o estimulam a compor, mas o som da voz dos atores e os ruídos da banda sonora. “O que me interessou em O Mordomo da Casa Branca foi a história”, conta, destacando o papel que Steve Bartek teve na produção da trilha, assinando também alguns arranjos orquestrais e corais de O Retiro. Nele, Leão comanda os sintetizadores ao lado de 84 músicos da Orquestra Gulbenkian, 36 cantores do coro da mesma fundação (que cantam em latim) e mais o quarteto de cordas que sempre o acompanha em concertos.

Entre as 13 peças do CD apenas uma é canção, Melancolia, parceria de Leão com Ana Carolina, interpretada pela cantora moçambicana Selma Uamusse. É uma peça intimista, que evoca a melancolia dos lugares ermos, retirados.

No entanto, esse é apenas um lado de Leão, o compositor. “Aprendi música com os amigos e gosto tanto dos eruditos como da música pop.” Na juventude, ouvia Echo and the Bunnymen. Hoje, mal acabou de lançar O Retiro e já anuncia sua nova parceria no disco do cantor pop australiano Scott Matthew, que tocou em bandas punk.

“Estou também muito entusiasmado com o trabalho de Ólafur Arnalds e Ludovico Einaudi”, completa Leão, que já colaborou com outros músicos que gostam de experiências musicais híbridas, entre eles o japonês Ryuchi Sakamoto.

O músico português acabou de compor a trilha do filme Cem Metros, dirigido pelo cineasta catalão Marcel Barrena, sobre um homem com esclerose múltipla que quer participar de um dos maiores eventos de triatlo do mundo, o Ironman. Romper barreiras é mesmo com Leão, que não tem músicos na família mas teve uma mãe sensível, dona Maria Manuela, morta em 2009.

Ela percebeu a vocação do filho e o estimulou, levando o “miúdo” aos concertos do grande auditório da Fundação Gulbenkian. Por coincidência, o mesmo onde gravou O Retiro.

RODRIGO LEÃO

‘O Retiro’

Universal Music, R$ 29,90

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.