A recusa pública de Pedro Lucas Fernandes (MA), líder da bancada do União Brasil na Câmara dos Deputados, ao convite feito pelo presidente Lula (PT) para assumir o Ministério das Comunicações abriu uma nova página em uma trajetória de atritos entre o partido e o governo petista.
O maranhense substituiria Juscelino Filho, colega de legenda, que deixou o cargo depois de ser denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por suspeita de desviar emendas parlamentares. A opção de Fernandes por manter a posição no Parlamento, no entanto, levou a indicação para um nome de fora do União e pode consolidar esse movimento de afastamento político.
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Perto, mas longe
Eleito em 2022 na disputa mais acirrada da democracia brasileira, contra Jair Bolsonaro (PL), Lula retornou ao Palácio do Planalto após 12 anos diante de um predomínio da oposição no Congresso — o partido do ex-presidente elegeu, sozinho, 99 deputados federais, enquanto as bancadas de esquerda se somam para chegar a 139.
A saída inicial foi povoar a Esplanada dos Ministérios com partidos ideologicamente distantes. Na equação, concedeu ao União Brasil, que tem 59 representantes na Câmara, as pastas das Comunicações e do Turismo (para Celso Sabino).

Lula e Alcolumbre: senador indica ministros desde o início do terceiro mandato do petista
Em movimento de aproximação com um dos caciques da legenda, Davi Alcolumbre (AP), o hoje presidente do Senado ainda indicou Waldez Góes (PDT) para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e emplacou aliados em outros cargos federais — incluindo uma diretoria da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) para Aharon Alcolumbre, seu primo.
Deserções às claras
Desde o início do mandato, contudo, a estratégia surtiu efeitos questionáveis. Ainda nos primeiros meses de gestão, na votação do Marco Temporal, 48 votos do União contribuíram para a aprovação do texto que limitava a demarcação de terras e fragilizava direitos indígenas, na contramão da orientação do governo.
Em maio de 2024, 51 membros da bancada votaram para manter o veto de Bolsonaro ao projeto de lei que criminalizava a propagação de notícias falsas nas eleições. Meses depois, 54 parlamentares do União votaram para derrubar os vetos de Lula à proposta que acabava com a saída temporária de presidiários em feriados (as chamadas “saidinhas”).
Já no início de 2025, em meio à crise que derrubou Juscelino, o União deu 51 votos favoráveis à tramitação em urgência do PL da Anistia, que propõe livrar os invasores do 8 de janeiro de 2023 das condenações impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), pauta prioritária do bolsonarismo.
Além dos exemplos práticos dados no plenário, lideranças do partido demarcaram oposição ao governo federal, independentemente dos cargos garantidos pelo Planalto. No início de março, Bolsonaro recebeu o presidente da sigla, Antônio Rueda, em sua residência em Angra dos Reis (RJ).

Antonio Rueda: presidente do União Brasil é elo entre partido e Jair Bolsonaro
Com o “sinal verde” do dirigente, outros filiados subiram o tom na posição em relação a Lula. Em entrevista concedida à IstoÉ um dia após a demissão de Juscelino, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, defendeu que a sigla aproveitasse o contexto para desembarcar oficialmente da Esplanada.
“Por mim, o partido nunca teria entrado no governo. É uma mistura de água e óleo. Como o Juscelino e o Sabino são de estados — Maranhão e Pará — com maioria de eleitores do PT, isso deve tê-los motivado a caminhar com o governo. Não tem a menor possibilidade de se imaginar que nossa bancada de deputados e senadores seja eleita com votos do PT“, afirmou. O goiano, vale lembrar, é pré-candidato à Presidência da República em 2026 — quando o petista deve disputar a reeleição.
Para Cláudio Couto, professor do mestrado de Gestão e Políticas Públicas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas), o descompasso entre os cargos e o apoio ao governo é inevitável dentro do funcionamento atual das emendas parlamentares — em que, resumidamente, as bancadas têm acesso ao orçamento da União sem depender do repasse dos ministérios.
“Elas deram ao Congresso um acesso praticamente irrestrito ao orçamento público e o tornaram menos dependente do Executivo. Os partidos do ‘centrão’ operam em uma lógica de adesão, em que a compensação pelo apoio deve ser satisfatória. Isso posto, deve-se lembrar que, embora tenha esse nome, esse grupo de partidos está mais à direita. Sem depender da adesão ao Executivo, portanto, seus representantes têm mais liberdade para fazer oposição e abrir mão do alinhamento irrestrito”, disse à IstoÉ.
Fraturas expostas
Além da dinâmica menos atrativa do ponto de vista orçamentário, o que independe das legendas envolvidas, a configuração interna do União também é desfavorável a qualquer adesão unânime a um presidente.
Formado em 2021, o partido nasceu de uma fusão entre o Democratas (antigo PFL), lar de políticos tradicionais do “centrão”, e o PSL, sigla inexpressiva, que foi alocada por Bolsonaro e aliados nas eleições de 2018. O matrimônio assegurou fatias expressivas dos fundos partidário e eleitoral, mas “deixou cicatrizes que continuam expostas em alguns estados”, como disse Caiado à IstoÉ. As brigas chegaram até à Polícia Federal.
Sob Lula, os conflitos pularam os muros da agremiação e inundaram as relações com o Executivo. Nesta semana, após Fernandes recusar o Ministério, integrantes da legenda deixaram a escolha de um novo indicado a cargo exclusivo de Alcolumbre, uma das raras pontes estáveis entre Lula e o União Brasil.
O objetivo é publicizar que o próximo ministro não é uma indicação dos parlamentares — e, portanto, não renova a aliança por novos votos.