Como o segundo turno em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Fortaleza vem refletindo tendências do cenário nacional.Moradores de 15 capitais voltam às urnas neste domingo (27/10) para o segundo turno das eleições municipais, que refletem algumas tendências do cenário nacional, como confrontos pelo controle da direita e uma posição fragilizada da esquerda.

A disputa entre direita institucionalizada e bolsonarismo radical tem sua expressão mais clara em Curitiba, onde estão no segundo turno Eduardo Pimentel (PSB), com o apoio do PL de Jair Bolsonaro, e Cristina Graeml (PMB), que era praticamente desconhecida e conseguiu cativar a ultradireita se apresentando como “antissistema”.

Algo parecido com o que ocorreu em São Paulo no primeiro turno, onde Pablo Marçal (PRTB) representou o polo radical e por pouco não avançou ao segundo turno. Na capital paulista, a disputa agora está entre um representante da direita tradicional, Ricardo Nunes (MDB), e Guilherme Boulos (PSOL), que mesmo com o apoio enfático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está mais de 10 pontos atrás segundo as últimas pesquisas.

O PT não elegeu nenhum prefeito de capitais no primeiro turno, e está numa disputa acirrada com o PL em Fortaleza, a capital mais importante do Nordeste, onde o lulismo é mais forte. Lá, o petista Evandro Leitão e André Fernandes (PL) estão tecnicamente empatados nas pesquisas.

Porto Alegre, que há seis meses sofreu uma enchente histórica que revelou problemas de gestão em equipamentos e políticas municipais, caminha para reeleger o prefeito Sebastião Melo (MDB), beneficiado por uma divisão na esquerda entre Maria do Rosário (PT), que foi ao segundo turno, e Juliana Brizola (PDT), neta do ex-governador Leonel Brizola.

À DW, os cientistas políticos Carlos Ranulfo, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Observatório das Eleições, e Emerson Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná, analisaram as disputas nessas quatro capitais.

São Paulo: Direita consolidada apesar de apoio de Lula

A capital paulista viveu no primeiro turno uma das eleições mais acirradas de sua história: Nunes ficou em primeiro com 29,48% dos votos válidos, Boulos, com 29,07% e Marçal, com 28,14% – uma diferença entre eles de menos de 100 mil votos, num universo de cerca de 9 milhões de eleitores.

Para Ranulfo, se o elemento mais claro do primeiro turno foi o “racha do bolsonarismo”, quando Marçal “literalmente roubou parte desse eleitorado nas barbas do Bolsonaro”, o segundo turno mostra consistência do voto conservador na cidade e um erro de avaliação de Lula, que “entrou de cabeça” em uma campanha que de saída tinha pouca chance de sucesso.

“Sabia-se que seria uma disputa muito difícil para Boulos, e a tendência do eleitorado mais de centro e conservador agora é se unir para a vitória de Nunes. O PT tinha que apoiar o Boulos, pois havia um acordo, mas Lula não precisava ter dito que lá é que estava a polarização nacional e que iriam vencer. Ele avaliou mal a conjuntura e essa derrota vai direto na conta do Lula”, afirma.

Segundo a pesquisa Datafolha mais recente, feita em 22 e 23 de outubro, Nunes tem 49% dos votos e Boulos, 35%. A margem de erro é de 3 pontos percentuais.

Cervi avalia que Nunes, um prefeito até então desconhecido, esperava ter atraído o eleitor bolsonarista já no primeiro turno escolhendo um vice do PL, coronel Mello Araújo –”mas não deu certo, pois apareceu um candidato [Marçal] que atraía mais os votos desse eleitor”. Mesmo assim, foi ao segundo ao turno e deve sair vencedor com o apoio expressivo da máquina estadual – o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), é bem avaliado e teve presença constante na sua campanha.

Curitiba: ultradireita antissistema x direita institucional

Na capital paranaense, a maior novidade é a candidata de ultradireita Cristina Graeml (PMB). Filiada a um partido nanico, cuja direção nacional tentou impedir sua candidatura, ela tinha menos de 3% das intenções de voto na largada da eleição, mas disparou na última semana do primeiro turno e terminou com 31,17% dos votos válidos, perto do líder, o atual vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), membro de uma tradicional dinastia política do Paraná e que tem o apoio do PL. No primeiro turno, Pimentel teve 33,51% dos votos.

Graeml beneficiou-se da divulgação de uma denúncia contra Pimental feita por um servidor que afirmou ter sido coagido a comprar convites para ajudar a financiar sua campanha, e aproveitou sua primeira participação em um debate – na rede Globo – para apresentar-se como a única candidata antissistema da capital paranaense.

“O PSD [de Pimentel] não é um partido confiável para o bolsonarismo raiz”, diz Cervi. A legenda é a mesma do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que vem bloqueando pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, e comanda três ministérios no governo Lula (Minas e Energia, Agricultura e Pecuária e Pesca e Aquicultura).

Após o debate da Globo, e com uso sistemático de redes sociais, os bolsonaristas identificaram em Graeml o nome que melhor os representava e migraram em massa para a candidatura da jornalista, que nos últimos anos se destacou por críticas a vacinas e por defender os golpistas de 8 de janeiro. “Ela ganhou eleitores que vinham declarando voto em Pimentel por falta de conhecimento de alternativa e de outros que estavam indecisos”, diz Cervi.

Apesar de o PL ter a vice de Pimentel, após o primeiro turno Bolsonaro telefonou para Graeml, disse que estava torcendo por ela e autorizou a divulgação do áudio da conversa – uma demonstração, diz Cervi, de que Bolsonaro “não tem visão de partido e, apesar de se identificar como líder, não lidera – em vez disso, segue o movimento”. Já no primeiro turno, Graeml também recebeu apoio de Marçal.

Ele calcula que, como no Brasil, o “bolsonarismo raiz” represente cerca de 20% do eleitorado total de Curitiba – e, de acordo com o mapa de votação em Graeml, é mais forte nos bairros centrais e de classe média alta da cidade. Já Pimentel foi melhor em bairros mais pobres, onde moram pessoas que “dependem diretamente de políticas públicas” – o atual prefeito, Rafael Greca (PSD), está encerrando o mandato com alta aprovação.

O lavajatismo, que surgiu em Curitiba, fracassou nesta eleição. O ex-juiz Sergio Moro (União), indicou sua mulher, Rosangela, para ser vice de Ney Leprevost, do mesmo partido. Leprevost acabou em quarto lugar, com apenas 6,4% dos votos – e, logo após o pleito, trocou acusações públicas com Moro.

“Não há espaço em Curitiba para duas direitas institucionalizadas e uma direita antipolítica. E a direita institucionalizada ficou com Pimentel”, diz Cervi. O segundo turno entre duas direitas, avalia, indica que ambas estarão fortes para as eleições à Câmara e ao Senado em 2026 no estado.

Porto Alegre: Provável reeleição apesar de enchente histórica

A capital gaúcha completa na próxima semana seis meses da enchente histórica, quando falhas de equipamentos públicos e políticas municipais vieram à tona. Isso não impediu o atual prefeito Sebastião Melo (MDB) de quase se reeleger no primeiro turno, com 49,72% dos votos válidos.

Melo, que tem como candidata a vice Betina Worm, do PL, e uma coligação ampla, conseguiu ao longo da campanha defender sua gestão e a reação do governo à enchente, avalia Ranulfo. “Além disso, a oposição achar que pode explorar tragédia é um pouco complicado – como Boulos em São Paulo com o apagão. Tem que fazer a crítica, mas é difícil explorar sem que o eleitor ache meio oportunista.”

O atual prefeito também se beneficiou da divisão da esquerda, entre Maria do Rosário (PT), que terminou o primeiro turno com 26,28% dos votos, e Juliana Brizola (PDT), que ficou com 19,69%. “A esquerda ali tinha potencial pra uma campanha unificada, mas acabou se dividindo e facilitando a vida do Sebastião [Melo]”, diz Ranulfo.

Cervi lembra que, antes da campanha, o PT já sabia que a taxa de rejeição a Maria do Rosário era alta em Porto Alegre. “E no segundo turno é a rejeição que fala mais alto. Se tivesse ido a Juliana, poderia até ter outro cenário”, diz.

Fortaleza: Embate crucial entre PT e PL

Capital mais populosa do Nordeste, Fortaleza protagonizou um primeiro turno que desafiou candidatos tidos como favoritos. O atual prefeito, José Sarto (PDT), apesar de ser de um partido com longa tradição no Ceará, ficou em terceiro lugar. E Capitão Wagner (União), que em 2022 quase foi eleito governador, acabou a disputa em quarto lugar.

Foram ao segundo turno André Fernandes (PL), que recebeu 40,2% dos votos válidos, e Evandro Leitão (PT), que teve 34,33%. No momento ambos estão em empate técnico, segundo as últimas pesquisas.

“A maioria das prefeituras que o PT ganhou fica no Nordeste, mas falta uma capital, e o Bolsonaro adoraria ficar com uma capital importante lá. O PL já venceu em Maceió e deve vencer em Aracaju, mas são de menor expressão”, afirma Ranulfo. Por isso, Fortaleza é fundamental para os dois partidos.

Lula inclusive foi a Fortaleza fazer campanha para Leitão após o resultado do primeiro turno, ao lado do petista Camilo Santana, atual ministro da Educação, que já governou o Ceará por dois mandatos.

No segundo turno, o PDT optou por ficar neutro da disputa. Seis dos oito vereadores da legenda apoiaram o PL, enquanto a juventude do PDT e dois vereadores apoiaram o PT. Uma evidência, diz Ranulfo, de como o partido fundado por Brizola “está numa crise ideológica fantástica” – a legenda também discute formar uma federação com o PSDB.